quinta-feira, novembro 05, 2009

JULIANO BASILE

Delegados criticam foro privilegiado e excesso de recursos na Justiça


Valor Econômico - 05/11/2009

Reunidos em Fortaleza para discutir as causas da impunidade, 375 delegados da Polícia Federal estão fazendo uma lista com pedidos de mudanças que atingem diretamente os tribunais superiores de Brasília. Eles vão pedir a revogação da súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu o uso das algemas; o fim do foro privilegiado, que leva autoridades, como ministros de Estado, deputados e senadores, a julgamento apenas no STF; e a reforma do Código de Processo Penal, com a meta de reduzir o número de recursos que torna os processos contra autoridades uma saga sem fim nos tribunais superiores de Brasília.

A lista deverá ser concluída amanhã no encerramento do Congresso da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF). A avaliação geral dos delegados que participam do encontro é a de que eles trabalham todos os dias para combater o crime, fazem operações, efetuam prisões e, mesmo assim, existe uma forte sensação de impunidade no Brasil. Um dos principais motivos é o fato de os processos envolvendo pessoas com foro privilegiado não chegarem a julgamento final.

"Menos de 5% dos processos criminais no STF e no Superior Tribunal de Justiça são julgados. Com isso, não tivemos qualquer condenação de autoridades desde 1988", disse o presidente da ADPF, delegado Sandro Torres Avelar. Para ele, o Brasil vive, hoje, sob o estigma da impunidade relativa. "A impunidade é relativa a ter ou não como contratar bons advogados. Ela é relativa ao acusado ter ou não foro privilegiado."

O delegado Wilson Damázio, diretor do Sistema Penitenciário Federal, responsável por todos os presídios do país, contou que, hoje, existem 470 mil pessoas presas. Mas, não há nenhum preso entre aqueles que possuem foro privilegiado.

Para os delegados, o problema não é a ausência de condenações por tribunais superiores a autoridades. É a farta aceitação de recursos judiciais para que advogados possam protelar a decisão. "A sensação de impunidade é absurda", disse Ricardo Saadi, delegado responsável pela Operação Satiagraha. "Avaliadores do Gafi [Grupo de Ação Financeira Internacional, uma organização que reúne diversos países no combate ao crime] me perguntam por que há tão poucas condenações por lavagem de dinheiro no Brasil. Expliquei a eles que aqui há muitos recursos." Saadi contou que atua na Delegacia de Combate aos Crimes Financeiros de São Paulo, desde 2002. Em nenhum dos casos em que participou houve condenação. Em apenas dois houve prisão. Um deles porque o preso era o famoso traficante colombiano Juan Carlos Abadia.

Para o delegado Aldair da Rocha, Superintendente da PF no Ceará, o STF deveria revogar a súmula das algemas - que obriga os juízes a justificar o uso delas em pessoas acusadas - e aprovar outras súmulas vinculantes de modo a reduzir a quantidade de recursos. "Há processos que ficam cinco, dez anos sem sentença. Apura-se o escândalo, leva-se à Justiça e nada acaba acontecendo."

Outro problema é que o sistema criminal, do qual a PF faz parte, é frequentemente apontado como violador de direitos e garantias fundamentais. É a visão de que o Estado não pode agir em excesso, como, por exemplo, na exposição de pessoas algemadas - fato que levou o STF a aprovar a súmula. "Mas, não há nada mais violador desses direitos do que a prática de um crime", disse o juiz federal Sérgio Moro. "Para proteger as pessoas precisamos de um processo penal eficiente", completou.

O juiz federal Nino Oliveira Toldo acredita ser urgente a alteração do atual Código de Processo Penal para reduzir o número de recursos. "O código vai completar 70 anos e está na idade de se aposentar compulsoriamente", afirmou. "Se não tivermos um sistema processual que cumpra com duração razoável e seja efetivo, não teremos como superar essa sensação de impunidade", disse o juiz.

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