quinta-feira, outubro 01, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

A China muda o esquema tático

FOLHA DE SÃO PAULO - 01/10/09


O PACOTE CHINÊS de US$ 585 bilhões para estimular a economia evitou que o país entrasse em "recessão". Em vez de crescer "apenas" 6%, o PIB da China deve subir 8% neste ano, "fraco" diante dos 10% da média do século.
Pouco antes de o pacote fazer um ano, porém, o governo chinês acha que a China está crescendo demais na direção errada. Aparentemente, o governo decidiu baixar a repressão nos excessos de investimento. Isso interessa ao Brasil porque nos tornamos sinodependentes, dependentes do consumo chinês de nossas matérias-primas.
Segundo o BIS, na primeira metade deste ano o crédito bancário na China cresceu US$ 1 trilhão, o triplo do registrado em 2008 (isto é, o aumento do crédito em um semestre na China é 25% superior a todo o estoque de crédito bancário do Brasil).
O dinheiro fácil, concentrado em quatro grandes bancos estatais, levou as autoridades regionais a abrir ainda mais a porteira do investimento, que cresceu 30% neste ano.
O investimento é 42% do PIB (no Brasil, anda em torno de 16%). O governo quer barrar a produção adicional de aço, cimento, alumínio, vidro, coque e turbinas para usinas elétricas eólicas. Alguns dos setores produtivos inflados são exportadores também -ou exportam a preço de banana ou vão ficar com sobras.
Devem ficar com excedentes sem mercado, pois o comércio mundial ainda se arrasta. As exportações chinesas caem desde outubro de 2008.
Excesso de capacidade produtiva costumava significar demissões e calotes empresariais, o que afetava o sistema financeiro e produzia recessões. Sem mencionar recessão, claro, foi o que o governo chinês disse numa nota divulgada em seu site.
O governo chinês trata do assunto pelo menos desde meados do ano.
Em maio, havia planos para cortar a produção de alumínio. Em junho, o ministério da Indústria e da Tecnologia de Informação dizia que a superprodução de aço era de 28% e orientava governos locais e bancos a reduzir o crédito para investimento em mais indústrias (a produção chinesa de aço está nuns 550 milhões de toneladas, 16 vezes a do Brasil).
Em agosto, o governo já alertava que o país deveria produzir menos navios, aço, alumínio, tecidos, vidro, carvão, por exemplo. Era para apertar o crédito e a vigilância ambiental; não liberar autorizações ou terrenos para novas fábricas.
Mas desde 2005 o governo central diz que a superprodução é um problema. Desde então, economistas mais entendidos em China, ou nem tanto, alertam para o risco de problemas no sistema financeiro chinês devidos a excessos de empréstimos para indústrias e projetos imobiliários sem mercado -isto, projetos que resultariam em calotes.
A China, claro, não quer frear o crescimento. Mas, pela cara do pacote e no resumo da opinião de entendidos, parece que a China pretende: 1) Modernizar a produção, eliminar a parte mais supérflua e atrasada de sua indústria e, por exemplo, em vez de vender aço, vender carros; 2) Consumir mais e investir menos; 3) Limitar danos ambientais e excessos de consumo de energia; 4) Evitar que o país passe por crises de superprodução com créditos ruins e hecatombes bancárias. Como no Japão e nos EUA.

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