quinta-feira, outubro 01, 2009

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

Economia e arte

O GLOBO - 01/10/09


Sessenta e três anos depois da sua morte, John Maynard Keynes volta a ser atual, ou pelo menos volta a ser assunto. O padroeiro do estado intervencionista e filósofo do capitalismo responsável está presente em todas as discussões sobre a crise e suas soluções, e nunca um fantasma foi tão eloquente. Discute-se não se ele estava certo mas em que dosagem suas receitas são aplicáveis, hoje. E como ele voltou dos mortos especula-se, de novo, sobre a sua vida. Até que ponto o fato de ser um intelectual de fino trato, um amante da arte, frequentador dos salões de Bloomsbury em Londres (Virgínia Woolf, Lytton Strachey, aquela turma) influenciou suas ideias sobre economia? Talvez o que se manifestava como uma preocupação com a moral do capitalismo fosse uma preocupação estética. Ou talvez as duas coisas se completassem. Ao amoralismo do mercado Keynes antepunha as virtudes clássicas da arte: equilíbrio, sentido, humanidade. E bom gosto.
O romancista e ensaísta inglês John Lanchester tem escrito sobre economia e arte, mas comparando as rupturas na economia mundial que deram na crise atual com rupturas na história da arte. Assim, ele diz que a revogação (no governo Clinton) da lei promulgada depois da Grande Depressão que proibia bancos de serem financeiras teve o mesmo efeito na economia que o pós-moderno teve na literatura. Sem as regras antigas, tudo era permitido, e atividade bancária tradicional se misturava com o aventureirismo da especulação financeira como, na literatura pós-moderna, os estilos se misturam e a fronteira entre comédia e tragédia se dilui. Para Lanchester, a criação dos derivativos, ou da possibilidade de dinheiro produzir dinheiro numa escala nunca antes imaginada, e sem qualquer relação com indústria, comércio ou qualquer outro tipo de negócio concreto, equivale ao advento do abstracionismo na arte. Os derivativos são desassociados da realidade física do mesmo modo que um quadro abstrato é forma representando nada, ou só representando a si mesma.
Não sei que revolução artística Lanchester evocaria para comparar com casos estranhos como o da China, onde o comunismo promove o maior sucesso capitalista do momento, ou do Brasil, onde quem mais gosta do governo de origem popular são os banqueiros. Provavelmente o surrealismo.

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