CORREIO BRAZILIENSE - 18/10/09
A informática criou a ilusão de que basta montar e manter um blog para sermos lidos. A simples proliferação desses diários eletrônicos é prova de suas possibilidades, mas, por outro lado, a comprovação de seus limites. Frequentemente recebemos e-mails ou telefonemas com convites para visitarmos blogs que não passam de conjuntos desarticulados de frases de senso comum, senão piegas, comentários superficiais, recortes de jornais e fotos que não interessam a ninguém. Todavia, temos blogs de muito boa qualidade, alguns dos quais se tornaram referência. É o caso de Generación Y, o blog de Yoani Sánchez.
Yoani coloca seus posts em um dos blogs mais visitados do mundo, com vários milhões de acessos mensais. Ela mora em Cuba, com seu marido Reinaldo Escobar e seu filho adolescente Teo. Nos seus posts ela conta como é a vida cotidiana na ilha, talvez com certo amargor, mas não sem boa dose de humor. Sua escrita é de muita qualidade, daí a ideia de publicarmos, na forma de livro, uma coleção de seus textos para termos uma noção do que está acontecendo com as pessoas reais na Cuba de hoje. Pelo menos sob a óptica de Yoani. Pedimos a ela que selecionasse número representativo de posts e escrevesse uma apresentação especialmente para o leitor brasileiro, coisa que ela fez com presteza. Traduzimos cuidadosamente os textos, fizemos uma apresentação, agregamos um posfácio e convidamos a autora para vir ao lançamento do livro que denominamos De Cuba, com carinho. De Cuba, simples tradução do site que abriga o seu blog. Com carinho, pois é esse o sentimento que temos para com os habitantes daquela linda ilha.
Ao saber que Yoani não foi autorizada a viajar para o exterior pelas autoridades cubanas, nem mesmo para receber os prêmios que ganhou, ou para fazer palestras em universidades, entramos em contato com o senador Eduardo Suplicy para que ele, como membro destacado do partido do governo no Brasil e como amigo de Cuba, nos ajudasse a viabilizar a vinda de Yoani ao Brasil. (Não há nada de estranho em um autor ser convidado para divulgar seu livro. Estranho é ele não receber a autorização do seu governo para essa viagem).
O senador inicialmente se dispôs a fazer um convite, desde que a editora lhe enviasse uma carta assegurando que pagaria as despesas da autora. Fizemos isso. Em seguida, ele nos ligou dizendo que preferia antes entrar em contato informal com o sr. Alejandro Diaz Palácio, diplomata responsável pela Embaixada Cubana. Já na embaixada, Suplicy nos ligou novamente, dizendo que estava com o encarregado de negócios ao seu lado e que ele queria falar comigo. Fiquei animado, pois como velho amigo de Cuba (que já visitei três vezes, uma das quais na qualidade de historiador convidado pelo governo cubano), ingenuamente achei que receberíamos o apoio do diplomata à nossa demanda.
Na verdade, a conversa começou mal. O representante do governo cubano disse não ver muito sentido em “convidar essa senhora, que ninguém conhece”, quando ele se dispunha a listar autores cubanos mais adequados para publicação no Brasil. Fiquei chocado e respondi que, em nosso país, quem decide o que é publicado numa editora é um conselho editorial e não representantes de governos estrangeiros. O sr. Alejandro disse que, nesse caso, ele nada poderia fazer, e que deveríamos entrar com o pedido no consulado de São Paulo e não na embaixada em Brasília.
Mesmo tendo a desagradável sensação de estarmos sendo enrolados sob pretextos burocráticos, a editora entrou com o pedido. Só uma semana depois recebemos e-mail do cônsul Carlos Trejo Sosa dizendo que deveríamos registrar em cartório o pedido, depois receber alguns carimbos do Itamaraty, para então voltar a encaminhá-lo ao consulado. Fizemos tudo isso (mais duas semanas...). Aí recebemos a informação de que teríamos que começar tudo de novo. O pedido da editora não valia mais. Eu deveria fazê-lo em meu nome, indo pessoalmente ao cartório etc. Ora, o convite é da editora que publicou o livro, não meu, pessoa física. Nitidamente esgotaram-se os trâmites normais. Mas não as tratativas para trazer Yoani.
O senador Suplicy está empenhado na vinda dela. O senador Demóstenes Torres aprovou na Comissão de Justiça do Senado, e o presidente da casa José Sarney encaminhou à embaixada cubana, convite para uma audiência pública de Yoani naquela casa legislativa. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso intercedeu para que a escritora possa vir ao Brasil. Temos esperança de que isso ainda aconteça.
De Cuba, com carinho pode ser lido como um belo livro de história. História cotidiana de quem vive o dia a dia da ilha, sofre com a decadência da economia cubana, mas ama seu país. Alguém que não deseja que conquistas obtidas nas últimas décadas sejam jogadas fora, mas acha que o regime envelheceu com seus dirigentes. Yoani se dispõe a discutir suas ideias. Não é o melhor que pode acontecer para fortalecer a relação entre dois povos tão amigos?
Jaime Pinsky Historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto
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