Canhões ou manteiga
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/10/09
Enfrentamos uma escalada de gastos em armamentos que facilmente pode nos conduzir a uma corrida armamentista na região
O DILEMA entre gastar em armamentos ou em atividades para o desenvolvimento, proposto como a opção entre comprar canhões ou manteiga pelo Nobel de Economia Paul Samuelson, está sendo discutido na nossa América.
E o está porque, inegavelmente, enfrentamos uma escalada de gastos em armamentos que facilmente pode nos conduzir a uma corrida armamentista -uma corrida cuja existência todos negam, mas, se continuarem os incrementos dos fundos destinados à chamada "defesa", ela começará inevitavelmente.
Essa preocupação, que se sustenta em cifras contundentes, motivou a iniciativa do presidente do Peru, Alan Garcia, no sentido de apresentar, há pouco mais de um mês, aos países integrantes do Mercosul, na reunião dos chanceleres e ministros da Defesa em Quito, uma proposta composta de três elementos fundamentais.
O primeiro é um acordo para formar uma força de defesa contra eventuais ameaças extrarregionais; o segundo visa à possibilidade de existir uma força de intermediação dos países do Mercosul para atuar em conflitos que se produzam na área; o terceiro consiste em um pacto de não agressão entre os países-membros.
Antes de entrar em maiores detalhes da proposta, vale a pena nos determos nos motivos que a originaram. Revisemos as cifras que nosso presidente menciona.
Nos últimos cinco anos, desde que a Unasul foi criada, seus membros destinaram US$ 156 bilhões a gastos militares. Nesse mesmo período, adquiram-se cerca de US$ 23 bilhões em novos armamentos, aviões e embarcações navais. As nossas Forças Armadas agrupam um número aproximado de 1,5 milhão de pessoas, entre oficiais, tropas, serviços de inteligência e atividades conexas.
Estamos numa progressão acelerada de gastos militares: em 2005, foram US$ 26,9 bilhões; em 2006, US$ 29 bilhões; em 2007, US$ 32 bilhões; em 2008, US$ 34 bilhões; neste ano, podemos chegar a US$ 38 bilhões.
Como se vê, é preocupante esse nível de gastos, embora se queira justificá-lo como indispensável, argumentando que há a necessidade de se proteger contra perigos internos e externos, que se devem defender os nossos recursos de ameaças e que, por último, o armamento deve ser reposto para não cair na obsolescência.
Isso é verdade: existe a necessidade de manter uma capacidade de defesa adequada e razoável, e o Peru assim o entende. Não queremos cair numa falsa dicotomia que alguns propõem no sentido de que se deve optar entre uma coisa e outra, entendendo que a proposta apresentada pelo Peru significa descuidar da defesa dos países.
Não existe, do nosso ponto de vista, incompatibilidade entre manter um nível adequado de defesa e colocar em prática iniciativas como a formulada, para fazer o gasto mais transparente, para homologar a informação, para estabelecer no futuro um mecanismo de limitação de armas, para estabelecer mecanismos de fomento à confiança entre os nossos países.
Não estamos propondo uma sucessão de desarmes unilaterais. Pelo contrário, estamos dizendo os nossos vizinhos mais próximos, àqueles com os quais compartilhamos o futuro, que seria sensato discutir coletivamente esses temas que são vitais para o nosso desenvolvimento. Precisamente, colocamos uma discussão que leva em consideração todos os aspectos que preocupam a todos.
Temos sugerido que essa discussão tenha lugar, pelo menos num primeiro momento, no Conselho da Defesa da Unasul, cuja criação foi fortemente apoiada pelo Brasil, que é o foro em que estamos todos representados precisamente pelos titulares da Defesa, encarregados do tratamento desses temas em cada um de nossos países e, portanto, os expertos que mais os conhecem.
Em suma, se pensarmos que existe a possibilidade de agressões extrarregionais, sugerimos uma força de defesa comum, que poupará custos e nos dará maior capacidade de ação.
Se pensarmos em um conflito intrarregional, que chegue ao lamentável extremo de enfrentamento armado, propomos que sejam forças regionais de intermediação da Unasul que ajudem os países a se reconciliarem.
E, se pensarmos que a causa fundamental para o crescimento do gasto militar é a ameaça de agressão por parte de algum país da região, comprometamo-nos a que essa agressão não aconteça em nenhum cenário por meio de um pacto de não agressão.
Atuemos conjuntamente para eliminar as causas do gasto excessivo em armamento.
Os nossos povos agradecer-nos-ão.
HUGO DE ZELA MARTÍNEZ é o embaixador do Peru no Brasil. Foi embaixador do Peru na Argentina.
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