FOLHA DE SÃO PAULO - 18/10/09
Reservas cambiais elevadas são um dos motivos para o desempenho superior dos países em desenvolvimento
O CONCEITO de desacoplamento voltou. A ideia emergiu originalmente quando a crise econômica e financeira nos países desenvolvidos ganhou força, no começo do 2008. A agonia que eles sofriam parecia ser seu problema, consequência de um apego exagerado aos lucros privados. Os países em desenvolvimento, já responsáveis por 30% da produção industrial mundial, poderiam sobreviver confortavelmente, e o fariam, por meio da expansão do comércio Sul-Sul.
Essa percepção se atenuou após o colapso do Lehman Brothers. A crise se universalizou, afetando a todos. Os preços das commodities caíram rapidamente. O comércio internacional despencou. O investimento estrangeiro começou a sumir.
Felizmente houve uma maciça resposta governamental nas principais economias. Isso evitou a desaceleração continuada e cumulativa, cuja profundidade teria reproduzido a tragédia dos anos 1930. Mas a recessão foi severa, e a recuperação nos países desenvolvidos não tem a velocidade que seria desejável. Altos índices de desemprego, grandes deficit fiscais e consumo tépido não sinalizam um rápido retorno aos níveis de crescimento do passado.
Os países em desenvolvimento, em linhas gerais, passaram pela crise em condições muito melhores. Embora apenas China e Índia devam exibir expansão significativa em 2009, as recentes projeções do FMI para 2010 indicam taxa futura de crescimento de 5,1% nos países em desenvolvimento, ante 1,3% para os desenvolvidos. Em médio prazo, em 2014, essa distância só se ampliará. O comércio internacional também está se recuperando, mas se expande mais rápido nos países em desenvolvimento. Assim, será que a ideia original sobre o desacoplamento continua a ser um percurso válido que deveria ser seguido?
Isso seria um erro. Um dos motivos para o desempenho superior que os países em desenvolvimento exibiram recentemente são as reservas cambiais muito mais altas que eles apresentam, como resultado de superavit comerciais e de investimento estrangeiro direto. Isso certamente se aplica aos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China). Por isso, eles ficaram muito menos sujeitos à variabilidade das taxas de câmbio, e puderam estimular seus mercados internos. As reservas de que dispunham resultavam primordialmente do comércio entre Norte e Sul, e não de intercâmbios Sul-Sul.
A mudança tecnológica, acompanhada pelo investimento, continua a ser a base para avanços permanentes de padrão de vida. E os países podem ficar excluídos de avanços científicos básicos caso redefinam de forma estreita a sua comunidade mundial. China e Índia compreenderam esse princípio. Seus índices elevados de avanço anual estão associados a uma participação mais larga no comércio mundial.
Um processo continuado, e delicado, de reestruturação da economia mundial terá de acontecer nos próximos anos. Os EUA já não podem absorver de forma ilimitada, como vinham fazendo, as exportações das economias que obtêm superavit em conta-corrente, a exemplo de China, Alemanha e Japão.
Agora, com o enfraquecimento do dólar, a China se beneficiou igualmente nos mercados mundiais. Os EUA (e o Brasil) terão de poupar mais domesticamente, enquanto a China precisará consumir mais. Os juros e a inflação precisam continuar baixos, enquanto as dívidas públicas muito ampliadas dos países desenvolvidos são absorvidas.
É fácil compreender por que o Nobel de Economia agora está sendo concedido a cientistas políticos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
ALBERT FISHLOW, 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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