O morto-vivo
O GLOBO - 07/08/09
Enquanto a pátria mãe estava distraída, vendo as manobras para arquivar as ações contra o presidente do Senado, a Câmara deu vida a um esqueleto que pode custar mais de R$200 bilhões. A MP 460 é para subsidiar a casa dos pobres. Isso custa pouco. O subsídio aos muito ricos, pendurado no projeto, é caríssimo. Felizmente, a palavra final sobre a exigência dos exportadores será dada pelo Supremo.
Quando morreu o crédito-prêmio de IPI aos exportadores? Esta a pergunta que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que responder semana que vem. Pode decidir que ele morreu em 1983, ou em 1990, ou que está vivo. Se a decisão atender aos exportadores uma enorme dívida recairá sobre os cofres públicos. Os ganhadores serão os exportadores, as tradings, os consultores e tributaristas que trabalham intensamente para dar vida ao morto.
O crédito-prêmio é um fóssil. Vem do tempo em que se governava por decreto-lei, com base no AI-5; no tempo em que as regras do comércio internacional eram mais toscas; no tempo em que a transferência de dinheiro público para as empresas era mais explícita.
Os governos militares mudaram de ideia várias vezes sobre o subsídio. Isso produziu brechas pelas quais entraram as ações judiciais dos exportadores. Pelo artigo de ontem do jurista Tércio Sampaio Ferraz na "Folha de S. Paulo", foram baixados cinco decretos-lei entre 1969 e 1981 dizendo coisas diferentes. O primeiro criou o benefício; o segundo, dez anos depois, fez um cronograma de redução que o extinguiria em 1980; o terceiro prorrogou a morte para 1983. O quarto, baixado dias depois do terceiro, deu ao ministro da Fazenda o direito de ampliar, reduzir ou extinguir o benefício. O quinto, de 1981, no meio da crise da dívida, suspendeu a extinção em 1983.
O Supremo até agora só julgou um detalhe: considerou que aquela ideia de dar ao ministro da Fazenda o direito de manter ou extinguir o subsídio não vale. Mas no limbo do morre-não-morre, ele continuou dando lucro aos exportadores e sendo contestado pela Fazenda em vários governos desde então.
Essa confusão até dá aos exportadores algum respaldo para dizer que ele valeu até 1990, ainda que existam bons argumentos contrários. Mas aí veio o tiro final. A Constituição de 1988 disse, nas disposições transitórias, que todos os incentivos fiscais não confirmados em dois anos estariam extintos. Portanto, um legista diria que ele morreu em 1990. Foi o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também julgou.
Mas os filhos do crédito-prêmio não se conformam com a sua morte. Ele era um pai tão generoso! Dava aos exportadores o prêmio de 15% sobre o valor exportado de produtos industriais. Esta era a alíquota máxima de IPI existente. Vários produtos tinham alíquotas menores. Não importa, o ressarcimento era sempre de 15%. Os países protestaram e retaliaram o Brasil por violar as regras do comércio internacional.
Enquanto a Justiça decidia se valia ou não valia, as empresas continuaram usando o benefício para não pagar outros impostos. A política do fato consumado agora virou chantagem explícita. Dizem os muitos consultores, tributaristas, lobbistas, políticos que trabalham para os exportadores, que as empresas quebrarão se o crédito-prêmio for considerado extinto desde 1990.
Na economia, o defunto produziu um intenso comércio. Empresas venderam esses supostos "direitos", empresas quebradas foram compradas só porque em suas contabilidades tinham esses créditos. Nem todas as empresas entraram na Justiça, nem todas as que entraram, descontaram. As prudentes fizeram provisões contra o risco de perder na Justiça, ou não usaram um incentivo tão controvertido juridicamente.
Agora o fóssil voltou com tudo. Com medo de que o Supremo confirme que de fato ele já morreu, o lobby exportador começou a agir mais abertamente, enviou emissários mais poderosos ao governo, capturou defensores em todos os partidos políticos, manteve o governo em posição ambígua. O governo negociou abertamente a inclusão desse assunto na MP que trata de subsídio de casa para pobres. A oposição ajudou. A Fazenda disse que discordava, mas faltou ao Ministério força ou convicção. Na quarta-feira foi aprovado o projeto que disse que ele sobreviveu até 2002.
O lobby exportador diz que aceita a data de 2002 para a morte do benefício, de pura bondade. Alega que estaria abrindo mão do direito ao subsídio até os dias atuais. Descaramento, pelo visto, não tem limites.
Em pelo menos duas MPs a base aliada e seus aliados na oposição penduraram a proposta de dar vida ao crédito-prêmio até 2002. Isso cria um rombo de mais de R$ 200 bilhões nas contas públicas segundo a Procuradoria da Fazenda. Os exportadores mostram um estudo feito pelas consultorias de Luiz Gonzaga Belluzzo e LCA, que era Luciano Coutinho, dizendo que é de R$70 bilhões, mas que pode ser menos.
No dia 12, o ministro Ricardo Lewandowski apresentará seu voto sobre a data da morte do benefício. Se no Supremo a decisão final demorar, o presidente Lula terá que vetar o artigo aprovado da MP 460. Ou então aceitar, saindo da posição ambígua que o governo tem mantido.
Enquanto a pátria mãe estava distraída, vendo as manobras para arquivar as ações contra o presidente do Senado, a Câmara deu vida a um esqueleto que pode custar mais de R$200 bilhões. A MP 460 é para subsidiar a casa dos pobres. Isso custa pouco. O subsídio aos muito ricos, pendurado no projeto, é caríssimo. Felizmente, a palavra final sobre a exigência dos exportadores será dada pelo Supremo.
Quando morreu o crédito-prêmio de IPI aos exportadores? Esta a pergunta que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá que responder semana que vem. Pode decidir que ele morreu em 1983, ou em 1990, ou que está vivo. Se a decisão atender aos exportadores uma enorme dívida recairá sobre os cofres públicos. Os ganhadores serão os exportadores, as tradings, os consultores e tributaristas que trabalham intensamente para dar vida ao morto.
O crédito-prêmio é um fóssil. Vem do tempo em que se governava por decreto-lei, com base no AI-5; no tempo em que as regras do comércio internacional eram mais toscas; no tempo em que a transferência de dinheiro público para as empresas era mais explícita.
Os governos militares mudaram de ideia várias vezes sobre o subsídio. Isso produziu brechas pelas quais entraram as ações judiciais dos exportadores. Pelo artigo de ontem do jurista Tércio Sampaio Ferraz na "Folha de S. Paulo", foram baixados cinco decretos-lei entre 1969 e 1981 dizendo coisas diferentes. O primeiro criou o benefício; o segundo, dez anos depois, fez um cronograma de redução que o extinguiria em 1980; o terceiro prorrogou a morte para 1983. O quarto, baixado dias depois do terceiro, deu ao ministro da Fazenda o direito de ampliar, reduzir ou extinguir o benefício. O quinto, de 1981, no meio da crise da dívida, suspendeu a extinção em 1983.
O Supremo até agora só julgou um detalhe: considerou que aquela ideia de dar ao ministro da Fazenda o direito de manter ou extinguir o subsídio não vale. Mas no limbo do morre-não-morre, ele continuou dando lucro aos exportadores e sendo contestado pela Fazenda em vários governos desde então.
Essa confusão até dá aos exportadores algum respaldo para dizer que ele valeu até 1990, ainda que existam bons argumentos contrários. Mas aí veio o tiro final. A Constituição de 1988 disse, nas disposições transitórias, que todos os incentivos fiscais não confirmados em dois anos estariam extintos. Portanto, um legista diria que ele morreu em 1990. Foi o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também julgou.
Mas os filhos do crédito-prêmio não se conformam com a sua morte. Ele era um pai tão generoso! Dava aos exportadores o prêmio de 15% sobre o valor exportado de produtos industriais. Esta era a alíquota máxima de IPI existente. Vários produtos tinham alíquotas menores. Não importa, o ressarcimento era sempre de 15%. Os países protestaram e retaliaram o Brasil por violar as regras do comércio internacional.
Enquanto a Justiça decidia se valia ou não valia, as empresas continuaram usando o benefício para não pagar outros impostos. A política do fato consumado agora virou chantagem explícita. Dizem os muitos consultores, tributaristas, lobbistas, políticos que trabalham para os exportadores, que as empresas quebrarão se o crédito-prêmio for considerado extinto desde 1990.
Na economia, o defunto produziu um intenso comércio. Empresas venderam esses supostos "direitos", empresas quebradas foram compradas só porque em suas contabilidades tinham esses créditos. Nem todas as empresas entraram na Justiça, nem todas as que entraram, descontaram. As prudentes fizeram provisões contra o risco de perder na Justiça, ou não usaram um incentivo tão controvertido juridicamente.
Agora o fóssil voltou com tudo. Com medo de que o Supremo confirme que de fato ele já morreu, o lobby exportador começou a agir mais abertamente, enviou emissários mais poderosos ao governo, capturou defensores em todos os partidos políticos, manteve o governo em posição ambígua. O governo negociou abertamente a inclusão desse assunto na MP que trata de subsídio de casa para pobres. A oposição ajudou. A Fazenda disse que discordava, mas faltou ao Ministério força ou convicção. Na quarta-feira foi aprovado o projeto que disse que ele sobreviveu até 2002.
O lobby exportador diz que aceita a data de 2002 para a morte do benefício, de pura bondade. Alega que estaria abrindo mão do direito ao subsídio até os dias atuais. Descaramento, pelo visto, não tem limites.
Em pelo menos duas MPs a base aliada e seus aliados na oposição penduraram a proposta de dar vida ao crédito-prêmio até 2002. Isso cria um rombo de mais de R$ 200 bilhões nas contas públicas segundo a Procuradoria da Fazenda. Os exportadores mostram um estudo feito pelas consultorias de Luiz Gonzaga Belluzzo e LCA, que era Luciano Coutinho, dizendo que é de R$70 bilhões, mas que pode ser menos.
No dia 12, o ministro Ricardo Lewandowski apresentará seu voto sobre a data da morte do benefício. Se no Supremo a decisão final demorar, o presidente Lula terá que vetar o artigo aprovado da MP 460. Ou então aceitar, saindo da posição ambígua que o governo tem mantido.
A Fazenda diz que discorda mas o PT luta abertamente pelos interesses dos exportadores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário