FOLHA DE SÃO PAULO - 10/06/09
RIO DE JANEIRO - Na imprensa do passado -aliás, nem tão passado; até outro dia era assim, pelo menos nos jornais populares-, valia tudo para capturar uma ou mais fotos de um morto em desastre importante. O primeiro passo era entrevistar a mulher e os filhos da vítima e pedir emprestado o álbum de família. A mulher, compreensivelmente, relutava. O repórter prometia devolvê-lo, voltava para o jornal com o troféu e, arrancadas as fotos que interessavam, o álbum se perdia nos desvãos da redação.
Caso a família se recusasse a emprestar, a ordem era roubar o porta-retrato sobre a cômoda. Assim, garantia-se a foto e se impedia que a concorrência a tivesse. Como a maioria dessas fotos era de estúdio, posada, tipo retrato para passaporte, os mortos costumavam ter um ar solene e oficial. A imprensa era cruel.
Hoje, não é mais necessário ferir uma família surrupiando-lhe as fotos do ente querido. Basta saber o nome do indigitado. Se ele é importante o suficiente para sair no jornal, sua foto estará no Google ou em algum "site de relacionamento". E nem precisa ser famoso. A quantidade de imagens circulando pelo ciberespaço é abundante e, com dois ou três cliques, está ao alcance de qualquer diretor de arte.
Ao contrário dos mortos do passado, sempre de colarinho e pescoço duros, quase que posando para o medalhão do próprio jazigo, os de hoje estão disponíveis em cores, felizes, fotografados em alguma ocasião festiva. Protagonizam momentos que eles quiseram partilhar com os amigos. São essas as fotos que agora ilustram as reportagens sobre as grandes catástrofes.
São essas as fotos das vítimas da queda do Airbus da Air France que a imprensa tem dado. Doem mais porque, nelas, as pessoas estão radiantes de despreocupação e de confiança no futuro.
RIO DE JANEIRO - Na imprensa do passado -aliás, nem tão passado; até outro dia era assim, pelo menos nos jornais populares-, valia tudo para capturar uma ou mais fotos de um morto em desastre importante. O primeiro passo era entrevistar a mulher e os filhos da vítima e pedir emprestado o álbum de família. A mulher, compreensivelmente, relutava. O repórter prometia devolvê-lo, voltava para o jornal com o troféu e, arrancadas as fotos que interessavam, o álbum se perdia nos desvãos da redação.
Caso a família se recusasse a emprestar, a ordem era roubar o porta-retrato sobre a cômoda. Assim, garantia-se a foto e se impedia que a concorrência a tivesse. Como a maioria dessas fotos era de estúdio, posada, tipo retrato para passaporte, os mortos costumavam ter um ar solene e oficial. A imprensa era cruel.
Hoje, não é mais necessário ferir uma família surrupiando-lhe as fotos do ente querido. Basta saber o nome do indigitado. Se ele é importante o suficiente para sair no jornal, sua foto estará no Google ou em algum "site de relacionamento". E nem precisa ser famoso. A quantidade de imagens circulando pelo ciberespaço é abundante e, com dois ou três cliques, está ao alcance de qualquer diretor de arte.
Ao contrário dos mortos do passado, sempre de colarinho e pescoço duros, quase que posando para o medalhão do próprio jazigo, os de hoje estão disponíveis em cores, felizes, fotografados em alguma ocasião festiva. Protagonizam momentos que eles quiseram partilhar com os amigos. São essas as fotos que agora ilustram as reportagens sobre as grandes catástrofes.
São essas as fotos das vítimas da queda do Airbus da Air France que a imprensa tem dado. Doem mais porque, nelas, as pessoas estão radiantes de despreocupação e de confiança no futuro.
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