A imprensa e o poder Getúlio Bittencourt
Mauro Santayana
JORNAL DO BRASIL - 10/06/09
O título desta coluna talvez tivesse sido mais correto se a conjunção fosse substituída pelo verbo: a imprensa é poder. Para o bem – e para o mal. Quando nos referimos à atividade, reduzindo-a ao termo imposto pelo uso, não nos limitamos ao papel impresso, mas à comunicação. As coisas só passam a ser quando comunicadas, como as geriátricas farras de Berlusconi e seus comparsas, nessa tentativa inútil de buscar a vida que se esvai na vida que aflora no corpo de adolescentes. Há muitas décadas – e muitas vezes sem razão – as discussões se encerravam com a sentença definitiva: "Deu no jornal". Mesmo quando o jornal mentia, era difícil recuperar a verdade: a primeira versão sempre prevalecia sobre os desmentidos. Grandes reputações se desfizeram – e se desfazem – diante da irresponsabilidade de um repórter, da negligência de seus chefes e da linha editorial dos jornais.
Coincidem, nestes dias, a polêmica em torno da política de comunicação da Petrobras e o 40º aniversário de O Pasquim, o irreverente e ousado semanário carioca, que abrigou a resistência intelectual do Rio de Janeiro contra a ditadura militar. Ao falar em O Pasquim, não podemos esquecer o semanário mineiro Binômio, que o antecedeu, e cuja redação foi destruída pela violência militar poucas semanas antes do golpe de 1964. Se fôssemos de episódio em episódio de violência contra a imprensa, chegaríamos às lutas pela independência, a Cipriano Barata e ao assassinato de Líbero Badaró – isso apenas na História do Brasil. Ai dos povos se não houvesse jornalistas dispostos a morrer na defesa da liberdade – e da verdade.
O presidente Lula, ao longo de seu mandato, se tem queixado algumas vezes da imprensa, como lembra, ao mostrar as contingências do poder, Wilson Figueiredo. Algumas vezes, não lhe faltam razões. É natural que os governantes se incomodem com a imprensa, porque com ela disputam o poder sobre o cotidiano e sobre a posteridade. Raymond Williams vai ao exagero de dizer que os meios de comunicação não refletem a realidade, mas, sim, fazem a realidade. Com seu sense of humour, Chesterton afirmou que o jornalismo, de modo geral, consiste em dizer "que Lorde Jones morreu, às pessoas que jamais souberam que Lorde Jones viveu". E Lorde Jones passa a viver.
O poder da imprensa é sempre bem exercido na informação, a mais neutra possível, dos fatos (embora isso seja muito difícil) e na opinião, absolutamente livre, manifestada pelos cidadãos que ocupam os meios de comunicação, jornalistas, ou não. Em nossos dias, o melhor espaço dos jornais tem sido o dedicado às cartas dos leitores. O presidente, homem de inteligência poderosa, sabe que deve muito de sua ascensão social e política à imprensa, que acompanhou, com simpatia, as suas atividades em tempos duros.
A atual direção da Petrobras tem o direito de divulgar, pela internet, textos que a promovam e defendam a companhia, como qualquer outra empresa mercantil. Mas não o de considerar desnecessária a atuação da imprensa. A Petrobras tem deveres especiais para com o Brasil e seu povo, e a sua grandeza não se faz apenas com os elogios que recebe, mas, também e, sobretudo, com as críticas. Ela não se pode conduzir como se fosse empresa comum, constituída por capitalistas, a fim de explorar um bem nacional e distribuir os lucros aos acionistas. Seu compromisso para com o Brasil exige que se disponha a esclarecer dúvidas sobre suas atividades até mesmo à CPI do Senado, criada apenas para tentar a desestabilização do governo, com fim eleitoral.
Sem liberdade de imprensa, sucumbem todas as liberdades. A imprensa faz parte dos poderes democráticos, conforme reconheceu Edmund Burke, no auge da luta de John Wilkes, o grande tribuno e panfletário inglês, paladino da liberdade de imprensa, que se insurgira contra os desatinos do reinado de George III. Coube a Burke, ao apontar os jornalistas que cobriam a Câmara dos Comuns, dizer, pela primeira vez, que ali se encontrava o quarto – e mais importante – dos poderes políticos.
Getúlio Bittencourt morreu sábado, aos 58 anos. Ele gostava de contar que iniciara a carreira em jornal que eu dirigira em Governador Valadares, o Diário do Rio Doce. Não tive o privilégio de conhecê-lo então – só fundei o jornal e logo o deixei – mas o de, anos depois, ter sido seu companheiro na Folha. Era desses homens que sabem marcar o seu tempo.
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