A conjugação da incerteza quanto à viabilidade física da candidatura da ministra Dilma Rousseff à sucessão de Lula em 2010 com o descontentamento latente na base peemedebista com as recentes medidas moralizadoras na Infraero, que levaram de roldão um punhado de apadrinhados de gente importante do partido, faz com que o governo permaneça patinando em seu último ano político antes da campanha eleitoral, apesar de toda a popularidade do presidente Lula. O PMDB, uma máquina partidária formidável, tem hoje as maiores bancadas da Câmara e do Senado, a presidência das duas Casas, o maior número de governadores. Mas, na definição do ministro da Defesa, o peemedebista Nelson Jobim, é "uma grande confederação de partidos regionais em dissolução".
Só se une para ocupar os espaços da máquina pública que lhe garantem sempre a hegemonia política, seja qual for o governo. A definição, aceita por todos, de que nenhum presidente consegue governar sem o PMDB faz com que o partido cresça permanentemente seu preço de adesão, e se torne o fiel da balança em situações delicadas como a de agora, com a instalação da CPI da Petrobras.
Dos 11 membros da comissão, oito serão da base governista, o que dá uma margem de segurança teórica bastante boa ao governo. Mas, dos oito governistas, três são do PMDB, ou seja, não são de ninguém. Têm o poder de fazer a maioria se trocarem de lado, o que já aconteceu na famosa CPI dos Bingos, que acabou causando a desgraça política do então todo-poderoso ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
A incerteza sobre a saúde da ministra Dilma Rousseff aumenta ainda mais a fluidez do comportamento do PMDB, que já começa a se movimentar em duas direções: um dos seus já anuncia uma emenda para permitir a Lula a disputa do terceiro mandato consecutivo, enquanto outros já se aproximam do PSDB.
Fiel a seu destino, também aí o PMDB se divide entre os governadores José Serra e Aécio Neves. A cada sinal de que o tratamento da ministra-candidata pode ser mais complicado do que o previsto oficialmente, mais nos bastidores se movimentam aqueles que estão acostumados ao poder.
O poder do PMDB cresceu no segundo mandato do presidente Lula, quando ele, num gesto ousado, decidiu incorporar ao governo os dois lados do partido, manobra nunca antes tentada neste país, por absurda ou impossível.
Mostrou-se possível, embora continue absurda, já que a lealdade de políticos assim cooptados é individual, não partidária, e está ligada diretamente à persona política criada pelo presidente Lula.
Sem ele, nenhum compromisso resiste, e as brigas com o PT se acirram. Entre as muitas camadas tectônicas que vão se acomodando nessas disputas, às vezes causando grandes terremotos, está o controle da maioria do Senado.
Ao mesmo tempo em que depende de uma ampla coligação com o PMDB para dar base de sustentação à candidatura de Dilma, o PT quer ampliar sua bancada no Senado para não depender mais do PMDB.
Com essa salada partidária difícil de engolir e a tentativa de fazer uma reforma eleitoral de "meia-sola" para funcionar já na eleição de 2010, fica claro que o futuro governo, seja ele quem for, precisará montar sua própria base partidária em novas formas.
O sonho de fazer um grande partido de apoio ao governo, com a ampliação da base do partido governamental, sempre esteve na cabeça dos tucanos desde a primeiro gestão de Fernando Henrique.
O PSDB, no entanto, nunca foi um partido organizado, e a morte de Sérgio Motta, sua grande força mobilizadora, impediu que se aproveitassem os oito anos de governo para estruturar um partido realmente nacional. Hoje, em sete estados o PSDB não tem um deputado federal que o represente.
Para governar, o PSDB teve que cooptar parcelas do PMDB e se unir a outros pequenos partidos, mas o PFL, que era então um grande partido e com influência no Nordeste, dava ao governo um sustentáculo que o atual DEM não poderá dar.
Já o PT, com uma organização partidária das mais fortes, tentou montar sua base parlamentar cooptando literalmente todos os pequenos partidos e a totalidade do PMDB, o que, se por um lado dá ao governo Lula teoricamente a maior base de apoio que um presidente já teve, por outro lado o obriga a barganhas praticamente intermináveis.
Foi assim que nasceu o mensalão, e é assim que a banda toca até hoje, com a divisão da máquina estatal entre os partidos da base governista.
Os três maiores partidos do país sofrem de problemas distintos: o PSDB tem lideranças individuais e não tem máquina partidária; o PT tem uma máquina partidária azeitada, mas carece de líderes nacionais, que não cresceram à sombra de Lula; e o PMDB é uma máquina partidária fragmentada, com lideranças regionais.
Nunca o PMDB teve tanto poder, e nunca um governo teve tão pouca margem de manobra legislativa, governando a golpes de medidas provisórias.
Como no caso da Petrobras, que tem mais indicados por peemedebistas do que por petistas, sem contar, é claro, com os sindicalistas, que aí o PT é imbatível.
É uma "coalizão defensiva", não para permitir ao governo avanços administrativos, mas para evitar que seja incomodado pela oposição. E mesmo assim a tática falha de vez em quando, como agora na CPI da Petrobras.
Ultrapassada essa primeira etapa da reforma política, provavelmente sem que se consiga aprovar o voto em lista fechada já para a eleição de 2010 - e mesmo que essa reforma "fatiada" seja aprovada -, ficará para o próximo governo levar o novo Congresso a fazer uma reforma política profunda, que deveria ter como base uma reorganização partidária. |
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