Em busca das grandes causas
Mauro Santayana
JORNAL DO BRASIL - 20/05/09
Há, na prática política, duas razões que se completam: o poder como realização de um projeto coletivo e o poder como afirmação pessoal. Sem o mínimo de ambição própria, ninguém busca a carreira política. Se a ambição pessoal é domada pelo interesse público, revelam-se os homens de Estado – o que é mais raro a cada dia. No mundo inteiro o interesse público está sendo esquecido. Disso é exemplo o que ocorre na Inglaterra. Não sabemos se os parlamentares britânicos – entre eles dois cerimoniosos membros da Câmara dos Lordes – imitaram seus colegas de outros países ou descobriram por si mesmos como obter benefícios ilícitos suplementares. Mais importante do que esses desvios éticos, é a constatação de que o mundo parece ter perdido as grandes ideias – e a história patina, sem insinuar seu rumo. A política, assim, deixa de ser paixão por uma causa para se tornar apenas esperteza. Isso pode ser o sinal de que, diante do descalabro, os cidadãos venham a reagir, de forma radical como no passado, mas pode também indicar duradoura época de conformismo com a opressão.
Descendo a encosta das preocupações, e olhando o Brasil desde o nevoeiro artificial da Esplanada dos Ministérios, com os Três Poderes ao fundo, o quadro sucessório começa a mover-se. Move-se da mesma forma que em todas as sucessões, mas com as características da conjuntura. Uma delas, disso goste ou não a oposição, é o prestígio do chefe de governo, o que não assinala prestígio do governo, como um todo, nem do partido que ele criou e que dispõe de maior presença no centro do poder. O que faz a força de Lula, mais do que os resultados da administração, é sua história pessoal. Os homens que nascem pobres costumam destacar-se como atletas, atores, escritores, empreendedores. Lula é dos poucos que se destacaram no exercício do poder. O metalúrgico, que convive com os grandes do mundo sem perder seu jeito – e cuja carreira faz lembrar, com todas as diferenças, a de Josip Broz Tito – é titular de biografia poderosa e respeitável. Negá-la é inútil. Isso não o transforma em santo, nem o exime de muitos erros, como o de copatrocinar reforma política mais do que conservadora, porque poderá manter no Parlamento as oligarquias reacionárias de hoje.
Além disso, alguns partidos se debatem com a crise de identidade. Talvez mais inquietas sejam parcelas do próprio PT, que tem perdido muito de seu lastro na mesma medida em que o governo, pelas razões próprias do processo, se tornou ecumênico. Ele pode ter obtido posições de mando direto, no governo de alguns estados, mas isso se explica pelas alianças políticas regionais. No processo eleitoral, e na composição ministerial, o partido trocou muitas de suas doutrinas pelo pragmatismo.
Não só o PT passa pelo corredor da perplexidade. O PSDB está dividido entre o desvario da oposição parlamentar e a moderação de seus dois líderes com poder real, os governadores de São Paulo e de Minas. Aécio e Serra se contrapõem, na justa e natural aspiração à Presidência, mas coincidem em não exercer a oposição histérica de alguns senadores da bancada. Quem tem a possibilidade de chegar ao Planalto não comete a insensatez de desestabilizar o regime. Não há evidência maior dessa conduta impensada do que a CPI da Petrobras. Como diria Ulysses Guimarães, as CPIs não são latinhas da Pomada Maravilha, destinadas a curar a epiderme. O Senado dispõe de outros instrumentos para corrigir os eventuais erros da grande empresa, sem colocá-la em risco, no momento delicado em que o novo nível de exploração, o do profundo subsolo, reclama cuidados especiais. A oposição, e seus aliados na base do governo, perderam um de seus objetivos: não conseguiram, com o anúncio da CPI, impedir o acordo petrolífero com a China.
A Câmara Alta deveria, neste momento, limpar seu recinto, maculado pelos escândalos que revelam o descuido de alguns de seus líderes no controle dos administradores da própria Casa, antes de investigar atos alheios. Mas há o interesse de turvar as águas para esconder os jequis e facilitar a pesca. Nesse objetivo, trabalha uma das alas mais à direita do PMDB. Salvam-se, no ex-glorioso partido, as exceções conhecidas.
Todos os partidos padecem, uns mais e outros menos, da mesma anemia. É provável que nos próximos meses os cidadãos, no exercício da indignação e a esperança que alimentam as grandes causas, possam impor solução democrática à sucessão, com a necessária continuidade do desenvolvimento, ajustada às circunstâncias – e sem continuísmos.
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