O mal desnecessário
O ESTADO DE SÃO PAULO - 10/04/09
Dizer que a maioria dos congressistas brasileiros não convive bem com a democracia seria um exagero tão distante da realidade quanto afirmar que o Congresso em sua totalidade tem os preceitos básicos ligados mentalmente no piloto automático.
Boa parte considera relativos conceitos como liberdade de expressão, nela contido o direito da sociedade à informação, respeito às leis e decoro no exercício da função pública.Justiça seja feita, essa inadequação a normas que em democracias mais avançadas nem são postas em discussão não se limita ao Parlamento.
Está latente e aparece, por exemplo, quando figuras proeminentes da cultura nacional resolvem por identificação ideológica fazer o elogio público das “mãos sujas”; teoria segundo a qual a malfeitoria é inerente à atividade política, um mal necessário na democracia.
Nesse aspecto, um artista que aceita crimes de corrupção quando cometidos por políticos de sua preferência não difere de um deputado ou senador que defende seu direito à transgressão porque as “coisas funcionam assim”.
Não há, tampouco, distinção entre a alegação de que a divulgação de escândalos é coisa da imprensa inimiga a serviço da conspiração das elites e a mais nova teoria difundida na Câmara sobre a melhor maneira de reagir à recente série de denúncias sobre o Poder Legislativo.
Ao enunciado, na voz do presidente Michel Temer: “Vejam que a cultura política vai sendo construída de uma maneira que, se nós não repudiarmos um pouco, não tivermos uma ação muito concreta em relação a isso, não estaremos fazendo um benefício à democracia”.
Uma sugestão de “ação concreta” benfazeja, de autoria do deputado Cândido Vaccarezza: alertar aos integrantes da Mesa Diretora para tomar “cuidado” ao escolher os temas de debate, “a fim de não ajudarmos aqueles que não querem difundir notícias, mas fazer disputa, em geral com posições conservadoras, contra o Parlamento brasileiro”.
O arremate da lavra do deputado Ricardo Barros: “Cada vez que uma boa intenção não for valorizada pela imprensa e deixar de ser realizada, eles (os jornalistas) vão aprender que, quando decidirmos dar um passo na direção certa, ou eles valorizam ou o passo não será dado.” Em miúdos: se a Câmara de alguma forma não criar obstáculos à divulgação de informações sobre o que se passa lá dentro, a democracia correrá perigo, já que a liberdade de expressão é instrumento dos conservadores e estes, por princípio, combatem a existência do Parlamento. Defendem a ditadura, portanto. Isso posto, qualquer decisão apresentada como restauradora da moralidade deve ser elogiada pela imprensa. Se não for, locupletam-se todos. Só de raiva.
HOMEM TRABALHANDO
Extinta a fartura, o presidente Luiz Inácio da Silva começa a querer vender bravura no mercado eleitoral. O problema é que o outro mercado examina a mercadoria sob critérios mais objetivos: reage de acordo com o que as coisas lhe parecem ser e não conforme o governo diz que as coisas são.
Lula quis dar à demissão de Antonio Lima Neto da presidência do Banco do Brasil a conotação de uma guerra santa contra os juros altos com ele no papel de santo guerreiro.
Não levou em conta um dado: nessa seara, ninguém acredita em almoço grátis.A reação negativa deveu-se à percepção nítida de que há uso político de um tema complexo, numa decisão cuja única medida de consequência é a popularidade do presidente.
Se o gesto for lido como heroico pela massa e servir de barreira de contensão a novas quedas nos índices de aprovação, Lula terá atingido seu objetivo. Esta, e não a “ queda do spread”, é sua verdadeira - e, dependendo do que mais vier por aí, desatinada - obsessão.
CARIMBADO
Não fez bem à pretendida imparcialidade investigativa de Protógenes Queiroz a aliança firmada com deputados do PSOL e do PT durante o depoimento de quarta-feira na CPI dos Grampos. Parceria esta evidenciada no veto à exibição de um resumo das contradições do delegado e na diferença de tratamento nas respostas dadas aos deputados. Aos amigos, algum esclarecimento era oferecido; aos outros, só o silêncio garantido pelo habeas corpus do Supremo.
Quando Raul Jungmann, do PPS, perguntou se a ministra Dilma Rousseff fora investigada, o delegado calou. Quando Nelson Pelegrino, do PT, repetiu a indagação, Protógenes negou, mas não o deixou sem resposta.
Para Jungmann recusou-se até a dizer se era verdadeira ou falsa a carta endereçada ao presidente dos Estados Unidos com ilações de suspeitas sobre as relações do presidente Lula com o banqueiro Daniel Dantas.
Não se sabe qual seria a resposta em caso de insistência, porque, a despeito do espanto com a ausência de negativa, ninguém voltou ao tema.
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