domingo, abril 20, 2014

Casa comigo - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 20/04

Os dois namorados estavam dentro do carro, à noite, estacionados em frente ao prédio da excelentíssima, discutindo a relação. Discutindo mesmo, aos berros, brigando. Em meio a algum pra mim chega!, surgiram dois meliantes armados e interromperam aquele bate-boca. Transferiram os namorados para o banco de trás e saíram em disparada com eles: sequestro relâmpago. Rodaram a cidade durante 50 minutos, fizeram saques em caixas eletrônicos, até que os levaram para um lugar ermo, no meio do mato.

Duas coronhadas, uma em cada um, rostos sangrando, mas era pouco: despiram os dois, deixando-os apenas com a roupa de baixo, e os amarraram em troncos de árvores. Não houve agressão sexual, mas não se pode dizer que foi um passeio no bosque. Em plena madrugada, abandonaram o casal imobilizado e seguiram com o carro do rapaz rumo à impunidade garantida.

Restou o silêncio. Assustados, os dois tentaram, tentaram de novo, e conseguiram, finalmente, se desamarrar. Livres, sozinhos, sem saber onde estavam, olharam um para o outro e tiveram um ataque de riso. Ele a abraçou fortemente e só conseguiu dizer duas palavras: “Casa comigo”.

Aconteceu mesmo. Quem me contou, olho no olho, foi a protagonista feminina da história. Eu não conseguiria imaginar pedido de casamento mais romântico. Sem vinho, sem luz de velas e sem anel de brilhantes – um pedido movido simplesmente pela emergência da vida, pela busca de uma felicidade genuína, pela supressão da razão em detrimento da emoção verdadeira.

Estavam para morrer, os dois. Foram unidos pelo mesmo pensamento desde que foram surpreendidos por dois estranhos armados: acabou. Não tem mais por que discutir a relação. Não tem mais relação. Não tem mais manhã seguinte. Não tem mais futuro. Acabou. Que perda de tempo. Para que brigar? Para que se estressar com ciúmes, com queixas, com mágoas? Acabou.

E então descobrem que não acabou. Desamarram-se, estão nus por fora e por dentro, despidos de qualquer racionalidade, apenas aliviados com o desfecho da aventura e absolutamente tomados pela potência do que é essencial na vida. O amor.

Casa comigo.

Estão casados há 10 anos. Não sei se plenamente felizes. É provável que os motivos dos ciúmes e das queixas e de tudo aquilo que explodiu naquela discussão dentro do carro antes do sequestro tenha se repetido outras vezes. A realidade impõe os seus caprichos. Obriga a gente a pensar e manter a sanidade. Maldita sanidade.

Mas houve um momento em que eles não pensaram. Só sentiram. Sentiram tudo. Sentiram sem amarras. Sentiram soltos. Sentiram livres. Pura emoção. E a emoção se impôs: casa comigo. Tiveram os piores padrinhos do mundo: a violência e o medo. Mas que beijo deve ter sido dado ali no meio do nada.

PETROBRÁS: A CASA DO ESPANTO


Reconhecer erros, um bom negócio - GAUDÊNCIO TORQUATO

O Estado de S.Paulo - 20/04

"Foi um mau negócio." A sincera confissão feita no Senado pela presidente da Petrobrás, Maria das Graças Foster, sobre a aquisição da refinaria americana de Pasadena foi um ato de coragem, mas não suficiente para desfazer o enredo que deixa em lençóis sujos a empresa-símbolo do Brasil. Há que completar o processo deflagrado pela comandante Foster, tarefa que compete aos órgãos de controle e investigação, entre os quais Polícia Federal, Tribunal de Contas, Corregedoria-Geral e Advocacia da União, sob o olhar atento do Ministério Público.

A questão que remanesce é: depois de oito anos do ato consumado, com cabais demonstrações de prejuízos aos cofres do Tesouro e perdas para o bolso de milhares de investidores que adquiriram ações da empresa, quem será punido por transgressão ao ordenamento legal? Não importa se a CPI em discussão no Congresso Nacional e em análise pela Corte Suprema terá escopo restrito ou ampliado. Importa, sim, chegar às respostas objetivas que impliquem responsabilização de agentes, desmontagem de conluios entre a res publica e os negócios privados e a devida apenação de envolvidos.

Ao reforçar a abordagem da presidente Dilma Rousseff (que em 2006 presidia o Conselho da Petrobrás) de que a compra da refinaria se deu por ato falho, ou seja, pela não apresentação das cláusulas Put Option e Marlim pelo então diretor da Área Internacional Nestor Cerveró, Graça Foster foi fiel ao script recomendado pelo Palácio do Planalto, mas se obriga, para preservar a imagem técnica, a dar continuidade às investigações internas que mandou realizar. É imperiosa a resposta às indagações que correm pelos contingentes de formação de opinião e já chegam aos ouvidos periféricos.

Como é sabido, o balão da opinião pública começa a se encher com os ares insuflados de grupos do meio da pirâmide social e ganha volume com as ondas que, em círculos concêntricos, descem até às margens. A condição para desinflá-lo reside em respostas diretas sobre as responsabilidades dos gestores públicos. Daí a pergunta que se faz ao ex-diretor: por que a proposta apresentada omitiu - tanto no PowerPoint que usou quanto na exposição oral - cláusulas que obrigavam a Petrobrás a comprar a outra parte da unidade? Responde ele: porque eram irrelevantes.

Imaginemos a situação. Setembro de 2006, meia-noite na Avenida Paulista, em São Paulo. O coordenador do trânsito avança o sinal vermelho. Para se livrar de um carro que vinha velozmente de uma rua transversal derruba um poste de iluminação e acaba deixando sem luz o expressivo cartão-postal da maior metrópole do País. Dois anos depois, tomando conhecimento da ação intempestiva do servidor, o secretário dos Transportes transfere-o de posto. Não teria sido esse o enredo? Cerveró, ao deixar de lado cláusulas básicas para tornar viável a aquisição da refinaria, não estaria ultrapassando o sinal vermelho? Ou ele não viu nenhum sinal vermelho?

Alegar que a chamada cláusula Put Option é comum em contratos desse tipo parece bater de frente na disposição da então presidente do Conselho de Administração da Petrobrás de vetar a transação se soubesse de tal dispositivo, que regulava a saída do parceiro. A conta não fecha. Será que uma avenida vazia em plena madrugada (a Petrobrás sem muitos controles) teria aberto a brecha para um "desvio de atenção"? Teria sido por excesso de confiança (achar que tudo era sabido) que decidiu fazer o que fez e como fez? O ex-diretor garante não saber com certeza se o conselho recebeu toda a documentação sobre a compra. Como gestor público, sabe quais procedimentos motivam dolo, incúria, inépcia, desleixo. Teria havido isso na Petrobrás? As investigações vão mostrar.

O caso remete a uma reflexão sobre as teias de interesses que se multiplicam na administração pública. Os desvios, veredas escuras e teias de corrupção que agem nos intestinos das estruturas públicas, nas três instâncias federativas, produzem o monumental PIB do desperdício. Sob outro olhar, são utilizados também para encher os cofres de Tios Patinhas e agregados que se espalham por territórios partidários, a serem usados nos múltiplos projetos de poder, alguns a perder de vista, de tão longevos.

O desconsolo é constatar que o discurso de "choque de gestão", "renovação de métodos", "meritocracia", de tão banalizado, não chega a sensibilizar a numerosa categoria dos gestores públicos. Não se criaram no País meios para implementar uma gestão moderna, racional, sob critérios de metas, resultados, eficiência e eficácia. A cada ciclo governativo as máquinas administrativas, ao contrário da tendência de racionalização e enxugamento, são inchadas e encharcadas pela representação feudal de partidos e grupos. O lema de lorde Acton ressurge esplendoroso em nossas plagas: "O poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente".

Ora, na antevéspera de um pleito eleitoral que tende a ser um dos mais contundentes de nossa História, em função da forte expressão que emerge dos mais diferentes grupos da sociedade, um grande bem que os candidatos fariam seria o compromisso com uma profunda reforma no campo da administração. Que deveria abrigar os territórios técnicos, imexíveis pelos comandos políticos; a adoção de critérios de mérito e qualidade no aproveitamento de quadros; a transparência absoluta de contas e processos de licitação; a demissão sumária de dirigentes de empresas e autarquias flagrados em ilícitos, com o respectivo processo de apuração; a abertura de canais com os consumidores e facilitação de acesso às investigações da mídia, entre outros aspectos. Não é mais possível conviver com a mania de jogar a sujeira para debaixo do tapete. O ciclo da gestão eficaz pode ser aberto com a adoção do costume de reconhecer o erro. E acabar com a mistificação.

Anatomia de uma maracutaia - ELIO GASPARI

FOLHA DE SP - 20/04
Os planos de saúde queriam o céu: descumpririam o que contrataram e a multa de R$ 4.000 sairia por R$ 40

A doutora Dilma Rousseff ganhou um presente. A Câmara e o Senado puseram a bola na marca do pênalti, para que ela vete o dispositivo da medida provisória 627, que alivia as multas devidas pelos planos de saúde que negam aos clientes o atendimento contratado. Enfiaram num texto que tratava de outros assuntos uma nova sistemática para a cobranças dessas penalidades. É o Pró-Delinquente. Se uma operadora nega ao freguês um procedimento médico, ele se queixa à Agência Nacional de Saúde e tem seu direito reconhecido, a empresa deve pagar uma multa de R$ 2.000. Se essa mesma empresa nega dez procedimentos, pagará R$ 20 mil. Com a mudança, se o plano de saúde negar de 2 a 50 procedimentos, pagará duas multas (R$ 4.000, em vez de até R$ 100 mil). Daí em diante, haverá uma escala. Quanto pior o serviço da operadora, menor será a multa. A empresa que estivesse espetada com mais de mil multas, pagaria apenas o equivalente a 20. Incentivando a infração, se um plano nega dois procedimentos, paga R$ 4.000. Se nega mil procedimentos, paga R$ 40 por infração.

O Pró-Delinquente foi um dos 523 contrabandos enfiados na MP 627. Como emenda parlamentar não é o vírus da gripe, que vem no ar, alguém a pôs no texto. O relator da medida provisória foi o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Ele chegou a defender o dispositivo durante a votação pela Câmara. Dias depois, recuou, explicando-se: a mágica foi discutida com os ministérios da Saúde e da Fazenda, bem como com a Casa Civil da Presidência. Como esses prédios não falam, faltou dizer com quem discutiu o assunto. Além de Cunha, o relator da MP, não há registro de outro parlamentar patrocinando a iniciativa.

A mágica foi aprovada na Câmara com o beneplácito das lideranças do governo e da oposição. Remetida ao Senado, aconteceu a mesma coisa. Tantos são os interesses embutidos na MP que os senadores preferiram apressar a tramitação, esperando que a doutora Dilma vete o Pró-Delinquente.

Criou-se um novo absurdo. Os senadores abdicaram da prerrogativa republicana do consentimento. Se o Senado aprova um projeto esperando que o Executivo vete a maluquice, fica a pergunta: para que serve o Senado, cujos doutores têm assistência médica gratuita?

Quando a doutora Dilma vetar o Pró-Delinquente (se vetar) ficará no heroico papel de defensora da Viúva, dos pobres e dos oprimidos, mesmo sabendo-se que seu governo e sua base aliada permitiram que o contrabando fosse colocado na medida provisória e aprovado no Congresso.

A PIOR TACADA

A Comissão de Valores Mobiliários encaminhou à Polícia Federal o inquérito que trata de tráfico de informações com operações das empresas de Eike Batista nas Bolsas de Valores.

Quando a OGX parecia ser uma fábrica de milionários, Eike, o homem mais rico do Brasil, foi a um jantar em Miami, na casa do milionário Jeffrey Soffer, marido da modelo Elle MacPherson. Lá, conversando com Alex Rodriguez, que estava com sua mulher, Cameron Diaz, disse-lhe que nos próximos dias sua empresa anunciaria fantásticas descobertas de petróleo. Alex, o melhor jogador de beisebol dos dias de hoje, sacou o telefone, foi para um canto e conversou com seu corretor.

Trouxe de volta o recado do operador: "Ele disse para eu

esquecer essa história e não voltar a mencioná-la, porque se o fizesse, iríamos os dois para a cadeia".

Grande corretor. Alex Rodriguez esteve a um passo da pior tacada de sua vida. Cada dólar que tivesse posto na OGX valeria hoje um centavo.

PT

Pela primeira vez desde 2005, quando surgiu o escândalo do mensalão, o PT enfrenta uma divisão perigosa.

De um lado, a turma do "partir para cima", defendendo qualquer companheiro, em qualquer situação, liderada pelo deputado Cândido Vaccarezza. De outro, o grupo que prefere jogar alguma carga ao mar. Nele, fica o presidente do partido, Rui Falcão.

Falta pouco para que se possa dizer que a nação petista tem dois blocos: um com alguma ideologia e algum fisiologismo; outro, só com fisiologismo.

ARITMÉTICA

As últimas pesquisas são insuficientes para que se preveja o resultado da próxima eleição, mas uma mesma conclusão atravessa todos os números: o PT está sem puxador de votos.

Um mau desempenho da doutora Dilma afetará todo o partido.

*COBRAS DA PF *

O andar de cima da Polícia Federal, como o Itamaraty, é um ninho de cobras que alimentam inconfidências sobre promoções e remoções.

O último assunto desse ofidiário são as transferências ocorridas nos quadros da Polícia Federal do Paraná, onde rolam as investigações sobre as atividades do doleiro Alberto Youssef e suas conexões no triângulo dos três pês: PT, PP e Petrobras.

TROPA NA COPA

O Planalto está com transtorno bipolar quando lida com a Copa. Como diria a doutora Dilma, "no que se refere" aos seus discursos, ela anuncia que não vai tolerar desordens e que as Forças Armadas serão mobilizadas para garantir a ordem. Conversa de comissário de polícia.

No que se refere à marquetagem, contrata agências de publicidade para adocicar o evento.

Presidente zangado, o Brasil já teve um, o general João Figueiredo (1979-1985). Deu no que deu.

*GARCÍA MÁRQUEZ *

Para a memória de Gabriel García Márquez:

Havia um jantar em Havana e Fidel Castro, um retardatário imperial e compulsivo, chegou atrasado. Faltava Gabriel García Márquez. Quando ele chegou, o Comandante alfinetou-o:

-As pessoas mais importantes sempre são as últimas a chegar.

-Por isso, e também porque vim de longe. Respondeu o escritor.

UMA LIÇÃO QUE VEM DA CHINA

O doutor Eduardo Cunha, relator da MP 627, fez uma breve "villegiatura" pela China. Teve a oportunidade de conhecer a inovação que o presidente Xi Jinping introduziu na política do Império do Meio. Convivendo numa cleptocracia na qual há espertalhões amigos e inimigos, ele parece ter mudado o padrão de combate aos larápios. Há dois anos ele afastou o czar da segurança chinesa (Zhou Yongkang, mas não adianta tentar memorizar esse nome). Desde então, dedica-se a desmantelar seu aparelho. Na semana passada, prendeu pelo menos dois mandarins, mas a novidade está em outra ponta. Em vez de sair prendendo, o companheiro avança sobre o patrimônio dos comissários. Com todas as ressalvas que devem acompanhar detalhes da política interna chinesa, já teriam sido confiscados US$ 14,5 bilhões de 300 amigos e protegidos do comissário. Antes de ir para o aparelho de segurança, ele fez fama na burocracia do petróleo. Condenar ladrão a viver como pobre talvez seja mais prático do que mantê-lo na cadeia.

Enfim, descobriram o óbvio - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 20/04

A incapacidade do atual governo de entregar o que promete chegou às páginas do New York Times.

A realização da Copa do Mundo, que deveria ser a vistosa prova da capacidade brasileira de ombrear com as grandes potências globais, acabou servindo para chamar a atenção do mundo para as deficiências crônicas do País. A principal delas, conforme constatou o NY Times, é desperdiçar dinheiro e energia em projetos que nunca chegam a termo ou que se provam inúteis ou caros demais.

Assinada pelo correspondente Simon Romero e intitulada Grandes visões fracassam no Brasil (no Boston Globe, onde foi reproduzida, o título foi Da explosão do crescimento à ferrugem, grandes projetos definham no Brasil), a reportagem mostra que pouco se sustenta na narrativa triunfalista do governo.

Bilhões de reais foram gastos com obras que deveriam comprovar a irresistível ascensão do Brasil em meio a um cenário de relativa bonança financeira - em seu primeiro mandato, ao anunciar a caríssima e ainda inconclusa transposição do Rio São Francisco, o então presidente Lula disse que faria "uma obra que Dom Pedro II queria fazer há 200 anos".

Quando o efeito dessa enlevação passou, veio o que Romero chamou de "ressaca", que "está expondo os líderes do País a duras críticas, alimentando denúncias de desperdício de dinheiro e de incompetência, enquanto os serviços básicos para milhões de pessoas continuam deploráveis".

A reportagem explora, claro, os atrasos das obras para a Copa do Mundo, pois é isso o que atualmente chama a atenção internacional. Constata, por exemplo, que há projetos de transporte público que deveriam servir aos torcedores, mas que "não estarão prontos senão muito depois que o campeonato tiver acabado".

É evidente que a Copa é irrelevante quando se levam em conta as necessidades de infraestrutura do País, razão pela qual pouco importa se as obras de mobilidade urbana estarão prontas antes ou depois do Mundial. O importante é que sejam finalizadas no prazo mais curto possível e que sirvam adequadamente aos brasileiros em seu duro cotidiano.

Mas é compreensível o espanto do jornalista estrangeiro ao constatar a divergência entre o discurso retumbante do governo sobre a capacidade do Brasil de realizar a Copa do Mundo e a realidade dos atrasos das obras anunciadas e dos gastos exorbitantes com elas.

Além de abordar esses problemas, o correspondente do Times foi ao Piauí para ver de perto uma parte das obras da Transnordestina, ferrovia que começou a ser construída em 2006, deveria estar concluída em 2010 e que hoje, ainda incompleta, tem vários trechos que, abandonados, servem de ganha-pão para catadores de sucata.

Na hipótese de ser concluída algum dia, a obra de 1,8 mil km, de vital importância para o Nordeste, ligará o sudeste do Piauí, o sul do Maranhão e o oeste da Bahia aos Portos de Suape (PE) e de Pecém (CE). No momento, contudo, o que se vê, nas palavras do jornalista americano, são "longos trechos desertos onde trens de carga deveriam estar trafegando", enquanto "vaqueiros magrelos cuidam de seu gado à sombra de pontes ferroviárias abandonadas". Certamente não foi a isso que Lula quis se referir quando lançou a Transnordestina, ao dizer que a ferrovia seria a "redenção" do Nordeste.

Como sempre, os governistas se defendem responsabilizando os outros. Ouvido na reportagem, o ministro dos Transportes, César Borges, atribuiu os atrasos à burocracia e à necessidade de emissão de diversas licenças. Lula, por sua vez, admitiu que uma parte dessas exigências foi criada pelo próprio PT quando o partido estava na oposição, para dificultar o trabalho do governo, "sem levar em conta que, um dia, podíamos chegar ao poder".

Esse discurso maroto, porém, serve apenas para tentar disfarçar algo que todos - brasileiros e estrangeiros - já começaram a perceber: que concluir obras e evitar desperdício de dinheiro público definitivamente não é o forte do atual governo.

Sem dança da chuva - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 20/04

Os dirigentes do Banco Central (BC) estão se sentindo na obrigação de explicar que não promovem uma inútil dança da chuva para acabar com a inflação. É que depois de 12 meses de alta seguida dos juros básicos, num total de 3,75 pontos porcentuais, para a altura dos 11% ao ano, a escalada continua.

"A política monetária não funciona", provocam os céticos de dentro e de fora do governo Dilma. "Funciona, sim, mas está sendo atrapalhada pelo governo", proclama o outro lado.

Quando a presidente Dilma ou as autoridades do Ministério da Fazenda insistem em que a inflação braba não é culpa do governo, mas de choques de oferta provocados pela seca, também passam o recado ao BC de que não adianta insistir com os juros. A oferta de tomate ou de batata só vai se normalizar, argumentam, quando as culturas se recuperarem da seca.

Quarta-feira, o diretor de Política Econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, veio a público para repetir que a política monetária é, sim, eficaz. Mas reconheceu que outras políticas do próprio governo trabalham contra.

No Brasil, o sistema de metas de inflação ainda enfrenta renitentes objeções ideológicas. Até economistas de renome entendem que os juros poderiam ser derrubados aos níveis internacionais, sem que nada de grave ocorresse com a inflação. Outros insistem em que juro alto é resultado de conspiração de interesses, entre banqueiros, rentistas e capital internacional, com o objetivo de ganhar dinheiro fácil à custa da dívida pública brasileira. Muitos empresários concordam com isso e a cada reunião do Copom já têm previamente redigidas declarações de que a nova alta de juros é absurda porque só eleva os custos das empresas e não atua no combate à inflação.

A política monetária é um mecanismo que regula o volume de dinheiro na economia. Se a inflação está forte demais, o BC retira moeda (aumenta os juros) e, com isso, reduz combustível no motor. Se a inflação está mais fraca, pode voltar a injetar dinheiro e o maior volume de combustível concorre para aumentar a atividade econômica.

Hamilton reconhece que algumas correias de transmissão desse mecanismo estão emperradas e, por isso, a "taxa neutra de juros", isto é, aquele nível dos juros que não produzem nem derrubam a inflação pode ter subido muito no Brasil.

É que, se o governo gasta demais como agora, o dinheiro retirado pelo BC é reinjetado pelo Tesouro, por meio de pagamento de despesas públicas. Ou então, se o governo exige que determinado volume de recursos dos bancos vá obrigatoriamente para o financiamento da agricultura ou da casa própria; ou se o BNDES está sempre disposto a irrigar com crédito a juros subsidiados empresas que nem precisariam dessas bondades, é combustível adicional para essas atividades. Se, além disso, o governo define que certas tarifas, como as de energia elétrica, dos combustíveis ou dos transportes urbanos, fiquem congeladas, também para esses setores, não adianta elevar ou reduzir os juros, porque os preços ficam onde estão. Ou seja, só aí, mais de 25% dos preços (preços administrados) não são atingidos pelos juros.

Mas, se a política monetária é entendida como dança da chuva e se o BC está sendo obrigado a defender sua razão de ser, como é que pode seguir comandando as expectativas, uma de suas principais funções na defesa da moeda?

A rebelião do IBGE - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO - 20/04

Nesta crise (mais uma!) vivida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos últimos dias faltou uma reflexão: o que aconteceria se os funcionários do IBGE cedessem à pressão política de dois senadores e prevalecesse a decisão de suspender a divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua?

No Requerimento de Informação que enviaram ao IBGE, Gleisi Hoff-mann (PT-PR) e Armando Monteiro (PTB-PE) sugeriram a "reestruturação da metodologia da pesquisa" para evitar "avaliação equivocada ae parte dos Estados". Comparado à equipe do IBGE que trabalhou muitos anos para estruturar a pesquisa e enquadrar sua metodologia nos padrões de qualidade internacionais, o conhecimento técnico e científico dos dois senadores sobre o assunto é zero, nulo, um retrocesso. Ou seja, eles questionam o que não conhecem e foram mais longe, propondo que o IBGE ouça argumentos de governadores.

O que está por trás da investida dos senadores é o rateio de dinheiro,entre Estados, do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que será definido com base na renda domiciliar per capita, calculada pela Pnad Contínua para cada Estado da Federação.

Quando se trata de ratear dinheiro público, a classe política costuma ser extremamente zelosa, rigorosa e atenta - claro, no sentido de nada perder e de levar tudo o que for possível. Daí o questionamento dos atentos senadores. E não só deles. Em entrevista ao jornal O Globo} a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, confessa ter sido questionada por muitos outros políticos sobre o assunto. Trata-se de mais um capítulo da interminável novela da interferência política em áreas técnicas, que o governo deveria tratar de barrar. É o ponto que merece reflexão: a mão grande da classe política sobre o dinheiro público não pode seguir prevalecendo acima dos interesses das instituições e da população. A imediata e oportuna rebelião dos técnicos do IBGE parece ter virado esse jogo. Voltaremos a ele adiante.

A direção do IBG E reconhece o equívoco de vir trabalhando com o crono-grama errado: o prazo da lei para os dados da renda domiciliar per capita que balizarão o rateio do FPE é janeiro ae 2015 e o IBGE contava conclui-los em dezembro de 2015. Essa diferença de prazos teria levado a direção do Instituto a suspender a divulgação da Pnad Contínua, que mede a taxa de desemprego do País e em cada Estado e cuja metodologia passou por rigorosos testes antes de ser validada. O que tem que ver uma coisa com a outra? A presidente do IBGE argumenta que o prazo encurtado força mudar a metodologia da Pnad Contínua, que será usada também para calcular a renda domiciliar.

A suspensão da divulgação e a expectativa de mudar uma metodologia que levou anos sendo aperfeiçoada provocaram uma rebelião jamais vista no IBGE. Duas diretoras se demitiram, os demais puseram os cargos à disposição, 45 técnicos assinaram um comunicado garantindo não haver razão para interromper a divulgação, manifestações de protesto de funcionários ocorreram em várias capitais e não está descartada uma greve.

Em 80 anos de existência o IBGE construiu reputação de qualidade técnica, independência, seriedade e respeito, inclusive no exterior. Essa imagem não pode ser abalada por ingerência política de quem não conhece um centésimo do conteúdo do trabalho do corpo técnico. A rebelião fez a direção do IBGE recuar, e tudo indica que a divulgação da pesquisa não será interrompida. Mas restam duas dúvidas: o que realmente motivou a direção do IBGE a tomar posição tão oposta ao seu perfil técnico? A continuidade da divulgação e do cálculo dos da- dos da Pnad Contínua garante a manutenção da metodologia? Ou a direção do IBGE pretende mudá-la para atender a classe política?

Felizmente, os funcionários conseguiram virar o jogo. Já pensou se eles cedem às pressões que buscam moldar o trabalho técnico a interesses políticos? As pesquisas do IBGE servem, entre outros fins, para planejar investimentos e definir políticas públicas, como a do rateio do FPE em questão. Já imaginou se a cada formato delas a classe política opine, como quer a senadora Gleisi Hoffmann? Vai virar uma bagunça geral, alvo de disputa de demandas, cada um tentando emplacar a sua. E, se abrir a porteira para um boi, atrás vem uma abundante boiada. Aí, senadora, é que os questionamentos jurídicos vão prosperar.

0 PT e a democracia. As freqüentes interferências dos governos do PT em instituições públicas refletem um despreparado e obtuso entendimento do significado de Democracia, com letra maiúscula. Porque foram eleitos pelo voto, os petistas se consideram com direitos absolutos para intervir em qualquer esfera do governo. Tal prática está mais para autoritarismo do que para uma verdadeira Democracia.

São raros os quadros do PT que sabem, por exemplo, diferenciar funções de governo de funções de Estado. O IBGE, o Banco Central, a Receita Federal, a Polícia Federal, as agências reguladoras, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) são instituições típicas de Estado, precisam atuar longe de influências políticas, com independência, autonomia e isenção para executarem sua missão de servirá sociedade. Governos são transitórios, Estado é permanente. Mas parece que a senadora Gleisi Hoffmann não entende ou não aceita essa regra da Democracia. E não só ela.

Ao chegar ao governo, em 2003, o ex-presidente Lula reclamou das agências reguladoras: "Terceirizaram o governo", espantou-se, referindo- se à autonomia de ação e decisão das agências, que logo ele tratou de destruir. Outro exemplo de uso político: com a função de denunciar transações bancárias suspeitas, o Coaf (subordinado ao Ministério da Fazenda) identificou, e nada fez contra, mais de uma centena de saques em dinheiro vivo, de valores entre RS 100 mil e R$5 400 mil, efetuados entre 2003 e 2005 pelas empresas do operador do mensalão, Marcos Valério. Pela lei, o Coaf é obrigado a comunicar ao Ministério Público saques ou depósitos em dinheiro de valores acima de 10 mil. Mas os do mensalão passaram batido, o Coaf não viu nenhum.

Hoje o Coaf atua com maior autonomia. Que o governo e os políticos tratem o IBGE com igual respeito. 

O Brasil rebaixado - SACHA CALMONA

CORREIO BRAZILIENSE - 20/04
O rebaixamento do Brasil de BBB para BBB- (mas com viés de estável) foi extremamente generoso. O nosso caso é muito mais grave do que se pensa. Se os governantes brasileiros - ao que parece, "bolivarianos" - continuarem a tratar tão primariamente a economia do país, como acontece na Venezuela e na Argentina, em menos de 18 meses estaremos em situação crítica.
O modelo econômico idealizado pela dupla Dilma/Mantega está completamente falido. Depois de desestruturar as matrizes elétricas (Eletrobras e Petrobras), estamos praticando ativamente o controle de preços fundamentais da economia: o da energia elétrica, o dos combustíveis fósseis e os das tarifas de transporte. Se não estivessem garroteados, a nossa inflação estaria girando a 8% ao ano, numa espiral de alta. Enquanto os preços livres giram a 6%, os administrados correm a 2%. Os efeitos danosos são inúmeros, porém três são os mais deletérios.

Em primeiro lugar vem o efeito do aumento do deficit público, por bancar o "congelamento" (subsídio governamental), comprometendo o caixa do Tesouro, o BNDES, o BB e a geração de recursos próprios pelo sistema elétrico e a Petrobras, cada vez mais endividada e sem poder de investimento.

O segundo efeito é que tais preços entram no custo de quase todos os preços da economia. Energia elétrica, combustíveis e transportes são insumos universais que entram na composição dos preços relativos (que foram alinhados pela URV e pelo Plano Real). A política econômica de Dilma é irracional, mas ela e seus áulicos acreditam que estão certos e persistem no erro.

O terceiro efeito danoso é que um dia esses preços vão subir, ou melhor, cair na realidade, ou a economia entrará em transe, como na Venezuela e na Argentina, onde o mesmo receituário foi aplicado à risca: controle de preços; uso da máquina pública e das estatais para programas sociais de estímulo ao consumo (gerando inflação, queda do investimento, fuga de capitais e desabastecimento).

Vale dizer: a continuar assim, caminhamos a passos largos para a desorganização da economia nacional. Para acabar com essa descida ao inferno, será preciso aumentar os preços da energia em 28% e os dos combustíveis em 30% e liberar as tarifas de transportes, o que provocaria, num primeiro momento, um aumento generalizado de preços (realinhamento inevitável), mas que obrigaria de imediato os consumidores (pessoas jurídicas e privadas) ao uso comedido da energia e dos combustíveis (autocontrole e inovações para economizar), devolvendo aos sistemas elétrico, de petróleo e gás capacidade de investimento, além de ressuscitar o etanol, enterrado pelo preço controlado da gasolina.

Sob a desculpa de que isso provocaria retração e queda no emprego e na renda, o governo prossegue no rumo errado. Mas lá na frente será pior. Ao invés de retração, haverá recessão. Ao revés de queda no emprego, haverá desemprego em massa, perda de crédito, queima das reservas cambiais e descrédito internacional. Tudo indica que o governo, primeiro, quer ganhar as eleições. Mas aumentará os preços administrados logo, sob pena de sofrer novos rebaixamentos. Não serão os aumentos suficientes, serão paulatinos. O governo age não por vontade própria, mas empurrado pelas análises do FMI, do Banco Mundial, da OMC e das agências de risco. Tudo à meia boca, de olho nas eleições.

O fraco desempenho das exportações brasileiras, com impacto no saldo comercial de 2014, evidencia o isolamento do país no comércio global. O Brasil vendia muito petróleo para os americanos, mas tivemos problemas com a produção, ao mesmo tempo em que eles aumentaram a exploração do gás de xisto. Os europeus, por causa da crise, tomaram outros mercados e conseguiram espaço no Brasil.

Para a Argentina, vão 50% dos nossos produtos manufaturados e 87% dos nossos automóveis exportados. O país vizinho está em crise cambial e a situação é péssima, sem conserto. Depois da tempestade de 2013, vem a falta de ar em 2014! O jeito é ouvir um tango, enquanto Dilma pensa em sua reeleição. Conseguirá? Depende de nós.

A grande indagação é: se Dilma for reeleita, mudará a receita econômica que está nos levando ao caos? Marco Aurélio Garcia, conselheiro da presidente, disse que a Venezuela passa por uma "crise de crescimento" (a indústria não deu conta do aumento da renda). Omitiu que 50% das fábricas fecharam. Mantega disse que a recuperação da Europa e dos EUA nos trará a bonança. É um vendedor de ilusões. Eles estão é entrando em nossos mercados, pois não temos competitividade, tamanho o sufoco tributário e os "gastos sociais" do governo, perdulário e populista. Pelas demonstrações de seus funcionários e assessores mais graduados, é possível medir o pensamento da atual presidente do Brasil. A vitória de Dilma fará o Brasil enfrentar sua primeira crise estrutural do século 21.

Estilos em confronto - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 20/04
Ao que tudo indica teremos na campanha eleitoral para presidente da República, este ano, uma disputa de estilos de fazer política que testará até que ponto chega a desilusão do eleitor, e se está mesmo superada a maneira de se aproximar do cidadão através de máquinas eleitorais tradicionais.
O choque entre a política partidária e a das mídias sociais será visto internamente, na campanha da chapa Eduardo Campos - Marina Silva, e também na disputa entre os três principais candidatos, que já estão trabalhando com as mídias sociais, mas em intensidades distintas. O uso das novas tecnologias deverá ser mais intenso na campanha do PSB, por influência dos marineiros , mas, sobretudo, por imposição de um pragmatismo irrecusável: o partido não tem estrutura para sustentar uma campanha presidencial disputada, como será esta.

A ideia, defendida por Marina, de que a campanha se fará através de ondas de disseminação de projetos pelos grupos de eleitores, independentemente das máquinas partidárias, prevalece, para marcar a chapa como a esperança de um novo tempo político. Ao contrário de disputar com seu adversário cordial Aécio Neves os palanques regionais, como faziam no início da campanha, o ex-governador de Pernambuco decidiu explicitar uma discordância com a política tradicional, que até aqui o tinha levado a posições de destaque.

Nada tem de banal a afirmação de que levará o PMDB para a oposição se vencer a eleição presidencial. Com isso, Campos tenta se firmar como candidato da ruptura com o que chama de velha política , apesar das contradições inerentes à sua vida partidária pregressa, e promete quebrar uma norma da política brasileira do período recente, a de que ninguém governa sem o apoio do PMDB. Com essa postura, muito devida à pressão do grupo de Marina, Campos está abrindo mão de palanques fortes, e não apenas contra o PMDB. No Rio Grande do Sul, perdeu o apoio da candidata favorita ao governo, a senadora Ana Amélia do PP, que fechou acordo com o candidato do PSDB, Aécio Neves.

Em São Paulo, pode deixar o palanque do governador Geraldo Alckmin, uma aliança que seria natural já que seu partido apoia o governador tucano desde o início do governo. E no Rio terá como suporte a candidatura do deputado federal Miro Teixeira, um dos principais aliados da Rede, de Marina.

Como Marina foi muito bem votada nos principais estados, ela impôs como premissa da aliança com o PSB ter candidaturas próprias neles, em vez do apoio de máquinas estaduais tradicionais. As dificuldades que essa estratégia traz para a formação de palanques regionais teriam de ser compensadas pela transferência de votos de Marina, não concretizada nas pesquisas.

A aposta é que a transferência não se faz da noite para o dia, mas pela confirmação de um estilo de fazer política que leva a uma identificação com os anseios do eleitorado. As ondas de contaminação ocorrem em ritmo próprio, como o que aconteceu com Marina em 2010, ou com Fernando Gabeira na disputa pela prefeitura do Rio, em 2008.

Ao contrário, o candidato do PSDB, senador Aécio Neves, está empenhado em montar palanques regionais na base da política tradicional e de muitos acordos de bastidores. No Rio, já recebeu o apoio de parte considerável do PMDB e nos próximos dias terá o de partidos como o PP, PSD e Solidariedade, todos da base do ex-governador Sérgio Cabral e da presidente Dilma. Na Bahia, terá uma coligação heterodoxa em nível nacional, mas com amplo alcance na regional, com PMDB e DEM. No Maranhão, fechou acordo com o PCdoB do favorito à eleição para governador, Flávio Dino.

Os movimentos de Aécio mexem com a estrutura partidária que está fora de acordos oficiais, pois é pouco provável que ele consiga apoio formal de partidos da base do governo, que darão seu tempo de TV à reeleição de Dilma. O PT nunca esteve em um papel tão oficialista quanto nesta eleição, dependendo mais de sua força institucional, que gera poder e dinheiro, como o principal partido de apoio ao governo. Sua força eleitoral não tem mais aquele componente moral que já deu ao PT a liderança da mudança política. Ao contrário, hoje, depois de 12 anos de governo, representa a maior força conservadora do país, e utiliza a máquina governamental para garantir a permanência no poder. Com todo o desgaste que essa posição acarreta.

Quando a verdade doía - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 20/04

BRASÍLIA - Nada como um dia após o outro para impor os fatos sobre as versões e mostrar quem é quem.

ministro da Fazenda de Itamar Franco, duas décadas atrás, o embaixador Rubens Ricupero foi derrubado pelo PT por uma conversa informal com um jornalista em que ele dizia poucas e boas verdades, dessas que políticos não falam.

Naqueles tempos, antes da massificação da internet e dos celulares, a conversa foi captada por antena parabólica. Acabou na campanha do PT e transformada em escândalo. Itamar não resistiu à pressão petista e Ricupero caiu por uma bobagem.

O que ele falou de tão grave? Foi mais ou menos assim: "O que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde". Pura verdade, válida para todos os governos de antes e de depois. Atire a primeira pedra o presidente --ou "presidenta"-- que nunca seguiu essa cartilha.

Vejamos com Dilma: a maquiagem dos dados fiscais; a propaganda dos juros baixos e o silêncio nos juros altos; a badalação eleitoral do PAC e o atual esquecimento; os holofotes sobre os bons índices de emprego e a suspensão da Pnad Contínua... Tudo isso é o quê? A máxima de Ricupero.

Já que falamos da Pnad Contínua, que mexeu com os brios do IBGE, uma das mais respeitadas instituições brasileiras, aqui vai uma sugestão: ouvir a fala de Ricupero que lhe custou um dos cargos mais importantes da República em 1994. Tem cópia no YouTube.

Ele citou, por exemplo, a suspeita de que o IBGE estava virando um "covil do PT". Lembre-se de que o PT recusou apoio a Itamar --que encarnou consensualmente a transição pós-Collor. Luiza Erundina, um dos ícones éticos do país, rebelou-se, aliou-se a Itamar e foi praticamente banida. Soa inacreditável.

Se na oposição o PT já estava infiltrado nas instituições, imagine-se como ficou ao chegar ao poder...

P.S.: Gabriel García Márquez, esse, sim, é verdadeiramente imortal.

O abominável legado da Copa - EDITORIAL - CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 20/04
Amazonas, Ceará, Pernambuco, Bahia. Em portos desses estados, salta aos olhos a vulnerabilidade de crianças e adolescentes, sujeitos a todo tipo de exploração. O legado da Copa do Mundo para esses menores chegou antecipadamente, por vias transversas, na forma de piora da qualidade de vida, como a confirmar a máxima de que notícia ruim anda mais rápido. É que, longe de trazer cidadania, obras de revitalização e evolução econômica em áreas portuárias (mas não apenas) têm expulsado e desagregado famílias, agravando o problema.
Essa realidade foi exposta ao longo da última semana na série de reportagens "Cais do abandono", publicada pelo Correio Braziliense. Para cidadãos colocados no caminho do "progresso", restou mais marginalidade. É o caso, por exemplo, do VLT que cruza 20 bairros de Fortaleza. Num deles, ironicamente conhecido como Alto da Paz, máquinas da prefeitura apareceram antes do transporte moderno, demolindo barracos que abrigavam 400 famílias. Para a comunidade, a data entrou para a história como Dia do Desespero.

Pessoas postas à margem da sociedade e que, de repente, ficam até sem os barracos e os vizinhos (não raro, parentes separados à força), se veem num quadro de fragilidade ainda maior. Algumas delas tiveram o lar derrubado para que se construísse uma praça. Outras, paradoxalmente, terminaram ao relento para que os terrenos em que viviam abrissem espaço a promessas de conjuntos habitacionais, com o suposto direito a casas, serviços públicos e regularização fundiária, enquanto enfrentam mais desamparo. Faltam inclusive canais de comunicação, informações precisas, espécie de garantia, nem que seja para o futuro.

Primeiro, o Estado falha ao não assegurar direitos fundamentais aos cidadãos. Depois, omite-se perante a força do poder econômico e os interesses do mercado imobiliário. Em seguida, terá de buscar soluções para problemas mais graves, como a exploração do trabalho infantojuvenil, o abuso sexual de menores, o envolvimento de crianças e adolescentes com o consumo e o tráfico de drogas, a explosão da já intolerável violência. As autoridades precisam abrir os olhos para as consequências dos próprios atos. Não bastam as propagandas federais em que craques do futebol advertem contra esses crimes.

É inaceitável que o poder público, em nome de hipotético desenvolvimento, produza mais miséria. É inconcebível que o tal padrão Fifa sirva para definir a qualidade das obras diretamente ligadas à realização da Copa do Mundo no Brasil, sem enquadrar a questão humana no mesmo gabarito. Esse legado, o país - ciente de que o principal patrimônio de uma nação, qualquer nação, é o seu povo - há de rejeitar, com a consciência, também, que não se trata de casos isolados. A situação foi flagrada em quatro estados, num trabalho que levou 12 dias e traçou um percurso de 8 mil quilômetros.

Empréstimos liberados - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 20/04

O episódio que levou a PGE a pedir até a prisão do secretário do Tesouro Nacional ajuda a jogar luzes sobre as relações entre Brasília e o Centro Cívico


Parece surreal que, para conseguir a liberação de um empréstimo de R$ 817 milhões, o governo do Paraná tenha precisado pedir a prisão do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Mas o episódio, ocorrido na semana passada, lança muitas luzes sobre as dificuldades que o Paraná tem tido para receber verbas cuja liberação depende da boa vontade de Brasília.

Como já dissemos em outras ocasiões, é verdade que o governo paranaense vive na corda bamba em relação aos gastos com pessoal, frequentemente superando o limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal, embora mantendo-se sempre abaixo do limite que impede novos empréstimos. Semanas atrás, ao comentar a saída de Jozélia Nogueira da Secretaria de Estado da Fazenda, lembramos que a complicada situação fiscal do estado foi construída ao longo de vários mandatos, graças a cálculos político-eleitorais e falta de planejamento. O Executivo precisa, sim, se esforçar para caminhar mais longe do penhasco. Mas os últimos acontecimentos mostram que falta mais boa vontade em Brasília que no Centro Cívico.

Em 2012, o governo federal lançou o Programa de Apoio ao Investimento dos Estados e Distrito Federal (Proinveste), uma linha de crédito para ajudar os estados a superar os efeitos da crise financeira internacional. Todas as unidades da Federação receberam o dinheiro, menos o Paraná. A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) se recusava a liberar os recursos alegando justamente os problemas nas contas do funcionalismo estadual. Mas, em fevereiro deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar exigindo que a STN destravasse o empréstimo.

Mesmo assim, o Tesouro ignorou a liminar, agora alegando que o Paraná descumpriu o investimento mínimo em saúde no ano de 2013. No dia 3 de abril, Mello teve de voltar a agir, desta vez determinando multa diária de R$ 100 mil à União. Como nem isso serviu para amolecer o secretário Augustin, a Procuradoria-Geral do Estado foi novamente ao Supremo, no dia 8, pedindo o aumento da multa à União, além de uma multa pessoal ao chefe da STN e a expedição de um mandado de prisão contra ele, por crime de desobediência. Finalmente, no dia 10 de abril, o ministro do STF Luís Roberto Barroso concedeu nova liminar, referente não apenas aos R$ 817 milhões do Proinveste, mas também a outros quatro empréstimos. As cinco operações somam R$ 2,3 bilhões.

Se havia alguma dúvida quanto à alegada má vontade por parte do governo federal para com o Paraná, a atitude de Arno Augustin é reveladora do ânimo do Planalto em relação ao governo de Beto Richa. O Supremo analisou os dados e avaliou que o Paraná cumpria os requisitos para a liberação dos empréstimos; ora, decisões do STF existem para ser cumpridas, mas Augustin preferiu queimar dinheiro dos contribuintes e desafiar a autoridade da corte, tudo para manter os recursos longe dos cofres estaduais – isso apesar de, no dia 9, o secretário do Tesouro ter recebido uma comitiva suprapartidária de parlamentares paranaenses: deputados estaduais e federais, base aliada e oposição (tanto em relação a Dilma Rousseff quanto em relação a Beto Richa). Na ocasião, Augustin ainda apresentou uma nova justificativa: o dinheiro do Proinveste só não saiu porque o governo estadual teria pedido um aval da União para reduzir a taxa de juros do empréstimo, e na análise da documentação para a concessão desse aval teria aparecido a questão dos gastos com saúde.

Augustin, no entanto, está longe de ser o único criador de dificuldades para o estado. O senador Roberto Requião, que no fim de 2012 interveio para bloquear a liberação de um empréstimo de US$ 350 milhões do Banco Mundial, crédito esse que já havia sido autorizado por meio mundo – inclusive pela STN, pela presidente Dilma e pela então ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann –, fez o possível e o impossível para barrar a liberação, em uma atitude que parece mais guiada pelo desejo de prejudicar adversários políticos e alavancar a própria carreira que pelo cuidado com o Paraná. No fim do ano passado, encaminhou denúncia segundo a qual o estado descumpria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no que diz respeito aos gastos com pagamento de inativos. E, em fevereiro, pediu para entrar como parte na ação que culminou na primeira liminar de Marco Aurélio Mello, em mais uma tentativa de barrar o crédito. Felizmente, o pré-candidato ao governo do estado não teve êxito.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

DILMA PREFERE BOLSA FAMÍLIA À EDUCAÇÃO BÁSICA
Desde que tomou posse como presidenta da República em janeiro de 2011, Dilma Rousseff investiu mais no programa Bolsa Família do que em Educação Básica, segundo o Portal da Transparência do governo. Os gastos com a transferência de dinheiro que garante “agradecimento nas urnas” já superam os R$ 64,9 bilhões, quase 20% a mais do destinado para educação das crianças do País no mesmo período.


Exemplo do chefe
O ex-presidente Lula, mentor de Dilma, gastou R$ 47,8 bilhões com Bolsa Família em seu segundo mandato, 60% mais que em Educação.

Mais que banco
Segundo dados do Banco Central, o valor gasto pelo governo Dilma com Bolsa Família é superior aos lucros dos bancos no Brasil em 2013.

Apagão gerencial
A Eletrobras tem recorrido a empréstimos para pagar salários, e sua subsidiária Eletrosul já colocou a sede à venda pelo mesmo motivo.

Risca-faca
O senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) resume bem a CPI criada para investigar Petrobras, Suape e Metrô de SP: “É a CPI do risca-faca”.

Em caso similar, Vargas quis punir Demóstenes
O deputado André Vargas (PT-PR), que renunciou à vice-presidência da Câmara após ser revelado seu envolvimento com um criminoso, defendeu, em 2012, investigação rigorosa da “cumplicidade” do então senador Demóstenes Tores (GO) com um “homem do crime”. Referia-se ao bicheiro Carlos Cachoeira, preso na Operação Monte Carlo. Exatamente como seu sócio Alberto Youssef, na Operação Lava-Jato.

Espelho, espelho meu
Para Vargas, a “bandeira da ética da oposição foi desmontada” quando um de seus arautos (Demóstenes) foi flagrado com o crime organizado.

Fica a dica
Ao falar de “matérias bombásticas” sobre corrupção, Vargas disse que deve haver um estoque de escutas clandestinas “lastreando” a mídia.

Pit-bull
Nos corredores do Senado, Gleisi Hoffmann (PT-PR) ganhou o apelido de “pit-bull da Dilma”, com a advertência jocosa: “Ela morde...”.

Pró-CPI
O deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que acompanhou o depoimento do ex-diretor Nestor Cerveró, acredita que o discurso foi combinado com Planalto: “A Petrobras está no Pelourinho, precisamos investigar”

Tudo em família
Desafetos, Lula e o deputado federal e ex-prefeito de São Bernardo William Dib (PSDB-SP) trocaram figurinhas no casamento domingo (13) de uma assessora de Dib, filha de grande amigo de Lula.

‘Pilhado’
Explicado por que o deputado sai-não-sai André Vargas (PT-PR) está à beira de um ataque de nervos: torrou R$1,6 milhão de sua cota parlamentar em cafezinhos expressos de janeiro a março deste ano.

Zé Patinhas
Revolta nas redes sociais com um vídeo do filho da vice-prefeita de Parnamirim (RN) tomando uísque e rasgando uma nota de cem reais numa boate. É crime federal, com prisão de até três anos e multa.

Foco na energia
Aspirantes à Presidência, o ex-governador Eduardo Campos (PSB-PE) e a ex-senadora Marina Silva decidiram tratar da questão energética no primeiro seminário do PSB e Rede, que ocorrerá até o fim deste mês.

Alô, Anatel
Os telefones 1331 e 1332, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ainda estão mudos. A Anatel dá de ombros a reclamações de usuários que denunciam a existência do problema há mais de 30 dias.

Saiu da gaveta?
O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados negou acatar um dos processos de cassação contra o deputado Carlos Leréia (PSDB-GO), amigo do bicheiro Carlinhos Cachoeira. A ideia agora é aplicar “penas alternativas” em nova ação que será votada nesta quarta-feira (23).

Crime sem castigo
Brasileira Patricia Fukimoto, que fugiu para o Brasil após avançar sinal e matar um bebê no Japão em 2005, só terá prisão de consciência: o crime prescreveu na Justiça paulista, segundo o jornal Japan Times.

Surpresa!
O deputado indeciso André Vargas (PR) é o Kinder Ovo do PT nesta Páscoa.


PODER SEM PUDOR


E DAÍ?

A Câmara dos Deputados investigava, na década de 50, as ligações entre o governo Getúlio Vargas e o jornal “Última Hora”, de Samuel Wainer. O empresário Francisco Matarazzo foi convocado para depor e ficou sob a mira de Carlos Lacerda, na CPI:

- Sr. Matarazzo, o senhor deu dinheiro ao Samuel Wainer?

- Dei, sim – confirmou, sem pestanejar.

- E por que? – insistiu Lacerda.

- Dei porque o dinheiro é meu e faço dele o que bem quiser.

E a questão foi encerrada.