domingo, maio 31, 2020

Os democratas precisam conversar - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 31/05

Forças políticas que têm suas diferenças, mas compartilham a defesa das liberdades, devem se reaproximar


Nestes 32 anos de vigência da Constituição de 1988 e nos 35 da saída dos militares do Planalto, não houve momentos em que a estabilidade democrática parecesse estar por um fio. A morte de Tancredo antes da posse foi uma tragédia mitigada aos poucos, à medida que o vice, José Sarney, com a habilidade dos velhos políticos conservadores, foi conduzindo o país até a primeira eleição direta pós-ditadura para presidente, em 1989. Os acidentes no percurso da renascida democracia continuaram. Fernando Collor de Mello sucumbiu ao impeachment, em uma crise acompanhada com adequada distância pelos militares. Nem a perspectiva da subida do PT pela rampa do Planalto causou temores. Transcorreram sem sustos 13 anos com a esquerda no Executivo, vencendo-se ainda mais um impeachment, de Dilma Rousseff.

Mas Jair Bolsonaro e o que pensa, quem o cerca e a conjuntura histórica em que país e mundo se encontram passaram a ser a maior ameaça à democracia brasileira neste período de uma geração. Ter a extrema direita no Planalto, na democracia, é uma experiência nova que gera enormes pressões sobre todos os poderes republicanos. Seria o mesmo se fosse a extrema esquerda. Num mundo digitalizado, os ataques a pessoas e a instituições se multiplicam, há muito ruído, agitação, e o que cabe fazer é aplicar a Constituição sem recuos.

O Congresso, mesmo com a limitação das sessões remotas, cumpre sua pauta, e o Judiciário trabalha. Mas a grave crise política exige mais. Bolsonaro, quem diria, usa o método chavista de cooptar militares — alguns da ativa —, para comprometê-los com seu projeto de poder. Finja-se de desentendido quem quiser, mas a estratégia é clara. O uso desta fórmula da experiência bolivariana acrescenta mais tensão ao momento.

A sociedade precisa encontrar a saída de uma situação em que crises provocadas pelo presidente se sucedem e são amplificadas por manifestações, concentradas em Brasília nas últimas semanas, nada expressivas, mas causadoras de intranquilidades, pois são potencializadas por milícias digitais. Tudo transcorre numa séria crise humanitária, social e de saúde pública, em que o número de mortes já se aproxima dos 30 mil, e dentro de uma hecatombe econômica. São ingredientes que favorecem a quem deseja criar o caos para dele se aproveitar.

Durante a semana, ministros do Supremo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fizeram o que se espera deles. Defenderam as instituições, frisaram o papel vital da democracia, enalteceram a necessidade do diálogo. Mas falta para todas essas acertadas intenções uma via política, que só será construída se os democratas dos diversos matizes se entenderem. Forças políticas que têm diferenças no campo da economia, na área social e outras, mas compartilham zonas de intercessão na defesa das liberdades, têm de se reaproximar.

Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo. Com a pacificação, o presidente abrirá espaços de negociação no Congresso, para além do centrão, a fim de executar sua agenda, paralisada, como tudo, devido à crise política. E continuará assim com o fim da epidemia, se este momento não for superado.

O Brasil republicano já venceu fases difíceis, e conseguiu superá-las com a ajuda de alianças entre segmentos políticos que aceitaram deixar de lado diferenças e se unir em torno de interesses compartilhados contra o inimigo comum que ameaçava a todos com a supressão da democracia. Foi assim na resistência ao Estado Novo getulista (1937-45), na ditadura militar (1964-1985/88), e em ambas as transições para a democracia.

Fechada a saída inviável da luta armada, após a decretação do AI-5, e deixada para trás a fase do “milagre econômico”, esgotado na insolvência do modelo, a memória ainda está viva de como liberais, a chamada esquerda democrática e mesmo frações mais à esquerda se entenderam sobre o melhor caminho para a abertura democrática, que não passava pela violência. E numa negociação bem-sucedida entre experientes políticos de direita e de esquerda, incluindo egressos do velho regime, teceu-se um entendimento sobre a abertura com militares geiselistas que venceram o confronto com falanges de extrema direita nos porões da ditadura. São os herdeiros ideológicos daqueles comandos radicais criados nos subterrâneos do regime militar que chegaram ao poder com Bolsonaro. Importa que o país tem de contornar a atual crise da melhor maneira, dentro da lei e pelo diálogo.

É preciso reaprender com a História e voltar a costurar o entendimento entre forças democráticas — mesmo com nuances —, como na década de 70 e início dos anos 1980, desta vez para proteger a Constituição de 1988, que tem garantido anos de estabilidade, sem a qual o Brasil se tornará um pária no mundo. As pressões bolsonaristas contra o Supremo são um ataque à Carta. Mas o país tem a vantagem de contar com instituições edificadas. Não se trata mais de enfrentar a ditadura de Getúlio nem a dos generais. Trata-se de sustentar a democracia, na qual há espaço para todos.

sábado, maio 30, 2020

Camiseta do Carluxo! I Love Odiar! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 30/05

Quando acabar a pandemia vou levar minhas mãos para os Alcoólicos Anônimos


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Quando acabar essa pandemia vou ter que levar minhas mãos para os Alcoólicos Anônimos! Não saia de casa, se você morrer, seu marido casa com outra e ela vai usar seus tupperwares. Nunca! Tudo, menos isso! Rarará!

E avisa o Doria que eu só vou pro shoppping para ouvir “débito ou crédito?”. Saudades de ouvir isso! Grito de guerra do Bozo: reabre tudo e fecha o Supremo! Bafo da Fake News! Véio da Havan Fake: a loja é brasileira, a estátua é americana e os produtos são chineses. E o financiador de fake news e dono da Smart Fit se chama Edgar Corona! Rarará!

E o que me deixou mais atônito foi saber que o Roberto Jefferson tá solto. Ops, tá vivo. E a camiseta pro Carluxo: “I LOVE ODIAR”. Já imaginou o astral no gabinete do ódio? Aquele monte de louco babando no teclado: “Vamos foder com a reputação de quem hoje?”. O Carluxo devia tomar uma injeção antirrábica! Rarará!

E esta: “General Heleno diz que não vai haver golpe”. E precisa? Já tem uns 380 militares no Planalto. E hoje pro general Heleno é 30 de maio de 1964! Rarará! E o Weintraub tá desesperado. Não consegue entender o despacho do Celso de Mello contra ele: “Essa gravíssima aleivosia perpretada por referido ministro, consubstanciada em discurso contumelioso”. Tradução: quem mandou me chamar de filho da puta! E o Ingnorante da Inducação escreveu Celso com ç: Çelso. E Demição! Rarará! Parece macaco em foguete da Nasa! Só aperta o botão errado!

E a Carla Zambelli vai morrer pela boca! A Carla Zambelli é uma língua de sogra de óculos. E erra nos brincos! Rarará! Burra e exibida! Não basta ser parça da Polícia Federal, tem que avisar! E já estão falando que ela sabe os números da Mega! Só que ela não é vidente, é informada! E o Doria pretende abrir os shoppings. Estouro da boiada.

Todo mundo correndo pra comprar o que não precisa.

E a charge do Cellus com dois vírus: “Já tá melhorando, até no shopping eu fui ontem”. Comprar uma Nhá Benta. E vai abrir concessionária. Carro eu só compro do Queiroz! Rarará! E o Aras da Pizzaria Geral da República parece o Daddy Pig. O pai da Peppa Pig!

E amanhã vai ter manifestanta pró-Bolsonaro?! Os manifestantas são sempre os mesmos. Eu até já conheço. Olha aquela loira de carreata! Gritando: “Eu não quero ser escrava da China”. Olha aquele senhor grisalho de boina e bandeira de Israel! E olha aquele menino gritando Globolixo! Mito! Jumito! Vomito! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza.

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Nem é pibinho. É o início do desastre. - CELSO MING

ESTADÃO - 30/05

A marcha à ré no crescimento da renda pega só a pontinha da forte queda do consumo e produção; a destruição vai ser registrada nos trimestres seguintes


Aqui vão algumas observações sobre o resultado do PIB do primeiro trimestre divulgado nesta sexta-feira: um recuo de 1,5% sobre o PIB do trimestre anterior.

É só o começo. Essa forte marcha à ré no crescimento da renda já era esperada, mas isso não alivia. Pega só uma pontinha da forte queda do consumo e da produção que veio depois, porque o isolamento social só foi adotado no Brasil na última semana de março. A destruição do tsunami que veio em seguida vai ser registrada nos trimestres seguintes, especialmente no segundo e no terceiro. E vai ser um desastre avassalador que, no entanto, já está sendo previsto ou já está no preço, como se diz no mercado financeiro, embora não se saiba ainda em que proporções.

Iniciou lá fora. Os números negativos do primeiro trimestre refletem tanto as incertezas que já vinham se avolumando quanto os graves problemas nos principais países que já estavam atolados na pandemia, especialmente China e Europa. E contou, também, a prostração que atingiu a Argentina. O consumo interno já vinha baqueando bem antes do início da quarentena, na medida em que o desemprego começou a crescer em janeiro, porque as empresas anteviram o que já estava a caminho e se anteciparam nas dispensas de pessoal e, pior, no adiamento de novas contratações. As estatísticas do Caged e da Pnad, divulgadas na semana que passou, já mostravam esse estrago.

O baque nos serviços
. Assim como o uso do cachimbo deixa a boca torta, há certo desvio na percepção do brasileiro de que PIB por aqui é principalmente comportamento da indústria. Por isso, tende a ver tudo o que de ruim acontece no PIB como reflexo do mal das pernas que atinge em cheio o setor industrial. É preciso não perder de vista as proporções. Pelos dados das Contas Nacionais de 2019, o setor de serviços tem um peso de 74% no tamanho do PIB do Brasil: são transportes, comércio, turismo, ensino, serviços de saúde, setor financeiro, comunicações, informática, correios, serviços pessoais, etc. A indústria de transformação entra com 11% e a agropecuária, com apenas 5,2%. Por isso, para o bem ou para o mal, o impacto maior no PIB vem do setor de serviços. No primeiro trimestre, essa fatia caiu mais do que a indústria, 1,6% ante 1,4%. Desta vez, o comportamento pior refletiu a retração do consumidor que apenas se acentuou com as perdas de salário e renda.

Sem repeteco
. As estatísticas de investimento e poupança do primeiro trimestre (ver gráfico abaixo) foram a maior surpresa do PIB. A poupança avançou de 12,2% do PIB para 14,1% do PIB. E o investimento subiu de 15,0% para 15,8%. Em boa parte tem a ver com efeitos estatísticos e, também, com aumento de importações de equipamentos de petróleo. Mas esse avanço não se repetirá tão cedo.

Tentativa e erro
. O que há são apostas e não propriamente previsões. Quem disser que tem certeza sobre o tamanho da queda do PIB deste ano ou está desinformado ou desregulado. Uma das chaves é a retomada da atividade econômica, variável incerta. As autoridades estavam no escuro quando determinaram o início do distanciamento social e continuam no escuro neste início de flexibilização, quando o País vai batendo recordes de contaminação e de mortes pelo novo coronavírus e, ainda assim, os números chegam com indícios de subnotificação.

Mas há outra variável que pode piorar tudo: a política. Os desencontros entre os poderes institucionais são graves e recorrentes, de desfecho também imprevisível, neste ano de eleições municipais. A última estimativa feita por 73 analistas de economia, tal como relatada pelo Boletim Focus, do Banco Central, é de queda do PIB de 5,1% em 2020. É projeção sujeita a constantes revisões porque não passa de exercício de tentativa e erro.

Maioria já vê código de barras no governo Bolsonaro - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 30/05


De todas as notícias que o Datafolha trouxe para Jair Bolsonaro nos últimos dias, a mais simbólica ganhou as manchetes neste sábado: 67% dos brasileiros reprovam o casamento do capitão com o centrão.

Significa dizer que praticamente sete em cada dez patrícios passaram a enxergar no governo um código de barras presumido, marca registrada do pacto demoníaco que rege as coligações no Brasil.

Bolsonaro ainda faz pose de limpinho. Alega que negocia cargos de escalões inferiores, não ministérios ou estatais. Tolice. No fisiologismo, integridade é como virgindade. Não existe pela metade. Também não dá segunda safra. Perdeu, perdida está.

O presidente comporta-se, de resto, como um gestor idealista que se rende à realidade. Nessa versão, Bolsonaro seria apenas um presidente bem-intencionado forçado a lidar com uma classe política viciada.

Assim, Bolsonaro adotaria os meios dos parceiros apenas para obter suas nobres finalidades. Bobagem. O capitão se rende para evitar que apertem a corda que ele amarrou ao redor do seu próprio pescoço.

Outra alegada diferença entre o toma-lá-dá-cá de Bolsonaro e o escambo dos antecessores seria a "exigência" de que os partidos do centrão façam indicações técnicas. Conversa mole.

Na máquina estatal, não basta ser técnico. É preciso saber a serviço de quem estarão as habilidades técnicas dos apadrinhados. Se Sergio Moro ainda fosse ministro, Bolsonaro poderia chamá-lo para uma conversa.

Moro relataria uma experiência que viveu como juiz da Lava Jato. Deu-se no interrogatório do primeiro depoimento do delator Paulo Roberto Costa. Ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulinho, como Lula o chamava, foi inquirido em outubro de 2014.

Funcionário de carreira da Petrobras, o réu chegou à diretoria por indicação do PP, um dos partidos que agora se achegam aos cofres da gestão Bolsonaro. Antes de dar por encerrado o interrogatório, Moro perguntou se Paulinho gostaria de "dizer alguma coisa".

E o réu: "Queria dizer só uma coisa, Excelência. Eu trabalhei na Petrobras 35 anos. Vinte e sete anos do meu trabalho foram trabalhos técnicos, gerenciais. E eu não tive nenhuma mácula nesses 27 anos. Se houve erro —e houve, não é?— foi a partir da entrada minha na diretoria por envolvimento com grupos políticos, que usam a oração de São Francisco, que é dando que se recebe. Eles dizem muito isso. Então, esse envolvimento político que tem, que tinha em todas as diretorias da Petrobras, é uma mácula dentro da companhia."

Ou seja: em meio a muitas dúvidas sobre o modo como Bolsonaro administra o balcão, só uma coisa é certa: ainda que o centrão retirasse coelhos de suas cartolas, o objetivo do grupo seria transformá-los em gambás.

De acordo com o Datafolha, 64% dos entrevistados disseram que Bolsonaro descumpre o que prometera na campanha de 2018 sobre o modo como se relacionaria com o Legislativo. Esse sentimento coletivo tem um nome na política. Chama-se estelionato eleitoral.

O vírus, a China, os EUA e nós - PAULO SOTERO

ESTADÃO 30/05

O Brasil perderá se escolher um lado na briga entre Washington e Pequim


Por motivos diferentes, Pequim e Washington responderam tardiamente à covid-19. No caso da China, a causa da demora reside no controle político central inerente ao regime, que inibe a transmissão de informações negativas de baixo para cima – no caso, da cidade de Wuhan, onde o flagelo começou, para a capital. Mas o controle central explica também a eficácia com que as autoridades reagiram para conter a propagação do vírus, depois de se darem conta de que estavam diante de uma epidemia, como escreveu Miyamoto Yuji, ex-embaixador do Japão na China, em elucidativo artigo publicado no final de março.

As informações sobre a virulência da covid-19 e sua chegada aos EUA eram conhecidas desde janeiro no governo americano. Mas foram suprimidas, segundo denúncia feita no início do mês pelo médico infectologista Rick Bright, afastado do cargo de diretor da Divisão Biomédica e de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Saúde, por contestar o uso do remédio antimalária cloroquina, receitado publicamente pelo presidente Donald Trump. “Fui pressionado a permitir que a política e o clientelismo orientassem decisões, em detrimento das opiniões dos melhores cientistas que temos no governo”, afirmou Bright, depois de apresentar queixa formal contra a punição que sofreu.

Tendo falhado na resposta à pandemia, que já matou mais de 75 mil americanos, ou um terço do total de vítimas do vírus, Trump agora joga a culpa na China. E encontrou respaldo no chanceler do governo Bolsonaro, o mesmo que já atribuiu à China a responsabilidade pela crise global da mudança climática.

É essencial ter a China em mente na discussão sobre o covid-19, mas por outro motivo. A pandemia acelerou o curso da História e, na certa, encurtará a transição geopolítica do poder mundial para um novo equilíbrio em que aumentará o peso relativo da China e diminuirá o dos Estados Unidos.

O Brasil só tem a perder escolhendo um lado na disputa entre duas potências dominantes, ambas parceiras estratégicas do País. A tarefa que a realidade impõe às lideranças brasileiras é identificar o interesse nacional em cada campo do nosso relacionamento bilateral e multilateral com a China e os EUA e persegui-lo, guiadas por dois propósitos. O primeiro é evitar os efeitos colaterais adversos da confrontação sino-americana. Como me disse o experiente embaixador Gelson Fonseca, quando era chefe da missão do País na ONU, “não devemos entrar em briga de cachorro grande”. O segundo propósito é tirar o melhor proveito possível da briga, falando pouco e apenas o necessário.

É um exercício para o qual nossos políticos, empresários, funcionários e intelectuais se têm mostrado inapetentes e despreparados. Sabemos bem o que não queremos. Mas geralmente falhamos quando se trata de definir objetivos positivos realistas e desenvolver uma visão estratégica – ou seja, de longo prazo – para alcançá-los no contexto da complexa e cambiante realidade internacional.

É urgente superarmos essa dificuldade, até porque a realidade não oferece alternativas. “Diferentemente dos últimos setenta anos, o Brasil se posicionará num mundo em que os Estados Unidos (...) não constituem mais uma liderança inconteste em todas a áreas”, alertou a diplomata e economista Tatiana Rosito na mais recente publicação do Conselho Empresarial Brasil-China. “Preparamo-nos para uma era em que grande parte do poder econômico e político estará centrada em países sobre os quais nosso conhecimento, relações interpessoais e capacidade de mobilização e influência são relativamente escassos.” Poderíamos começar incentivando o estudo da China e do mandarim em nossas escolas e universidades, de modo a estimular e enraizar os laços entre as duas sociedades e torná-los menos dependentes dos governos. A porta parece aberta.

Maior compradora das exportações brasileiras há mais de uma década, a China diz-se pronta para ampliar a cooperação bilateral, a começar pelo combate à pandemia, não obstante as declarações sinofóbicas dos ministros das Relações Exteriores e da Educação e do padrinho de ambos no Planalto, o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente. Em entrevista recente a Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, reduziu os ataques a seu país a “ruídos” e salientou “as histórias comoventes de solidariedade e de ajuda mútua entre os dois povos”.

O desafio maior para o Brasil é se beneficiar de uma relação produtiva com a China sem se distanciar das nações do Ocidente, de que é parte e com o qual compartilha História, cultura e valores. Facilitará a tarefa o provável fracasso de Trump nas eleições de novembro, já visível nas pesquisas de opinião e implícito nas projeções de universidades e entidades oficiais sobre o número de mortos pelo vírus da pandemia nos próximos meses. Sem o distanciamento social, que começa a ser relaxado, dados do próprio governo indicam que os óbitos podem dobrar para 140 mil até o fim de julho e mais do que triplicar até o fim do ano.

JORNALISTA, É PESQUISADOR SENIOR DO BRAZIL INSTITUTE NO WILSON CENTER, EM WASHINGTON

A exploração política do Holocausto - MARCOS GUTERMAN

ESTADÃO - 30/05

Ao imitar Lula, Weintraub ofende a memória de quem padeceu sob o nazismo


O ministro da Educação, Abraham Weintraub, comparou a operação da Polícia Federal contra militantes bolsonaristas investigados em inquérito sobre fake news, na quarta-feira, dia 27, com a Noite dos Cristais – pogrom nazista contra os judeus na Alemanha em 1938, prenúncio do horror do Holocausto. Escreveu o ministro em suas redes sociais: “Hoje foi o dia da infâmia, vergonha nacional, e será lembrado como a Noite dos Cristais brasileira. Profanaram nossos lares e estão nos sufocando. Sabem o que a grande imprensa oligarca/socialista dirá? SIEG HEIL!”.

Na Noite dos Cristais (Kristallnacht, em alemão), entre os dias 9 e 10 de outubro de 1938, os camisas pardas nazistas lideraram uma alucinante razia contra sinagogas, lojas e residências de judeus. O nome faz referência às janelas e vitrines quebradas. Quase cem judeus foram assassinados e outros 30 mil foram mandados para campos de concentração naquela noite de selvageria. O pretexto do massacre foi o assassinato de um diplomata alemão em Paris, cometido por um judeu cuja família havia sido expulsa da Alemanha.

É evidente, portanto, que a analogia oferecida pelo ministro da Educação não tem cabimento, em nenhum sentido. Para começar, os policiais federais que agiram contra militantes bolsonaristas o fizeram respaldados em mandados judiciais, dentro do mais absoluto respeito à lei. Já os nazistas atuaram à sua maneira: como bárbaros estimulados pelo discurso de ódio contra os judeus, sem amparo em nenhuma lei, a não ser a da selva. Em segundo lugar, os policiais federais, diferentemente da turba hitlerista, não quebraram nada, não incendiaram templos, não prenderam ninguém de maneira arbitrária e, principalmente, não mataram ninguém. Por fim, mas não menos importante, os nazistas invocados pelo ministro Weintraub atacaram, com especial ferocidade, milhares de concidadãos inocentes, cujo único “crime” era serem judeus, enquanto a polícia federal agiu contra suspeitos de crimes reais.

São tantas as falhas no raciocínio do ministro Weintraub que, numa hipótese benevolente, é possível especular que ele talvez estivesse só de brincadeira – versão muito comum num governo em que altas autoridades proferem toda sorte de barbaridades num dia e, diante da natural repercussão negativa, dizem que foram “mal interpretados”. No caso do ministro Weintraub, contudo, aparentemente essa hipótese deve ser descartada, porque nos dias seguintes àquele tuíte ele não só confirmou a absurda analogia, como reiterou sua indignação.

Assim o ministro Weintraub se apropria da memória do Holocausto para fins políticos. Não é o primeiro a fazê-lo nem será o último, é claro. O massacre industrial de 6 milhões de judeus na 2.ª Guerra Mundial é evento de tal forma transcendental na História contemporânea, simbolizando o zênite do Mal, que o termo que popularmente o designa – Holocausto – passou a ser usado para qualificar qualquer situação de padecimento. Tornou-se, assim, poderosa arma retórica, para usos diversos, dos mais nobres aos mais cínicos.

Um exemplo curioso desse uso é uma campanha publicitária do grupo de defesa dos animais Peta (People for the Ethical Treatment of Animals) de 2004, intitulada Holocausto no seu prato. Os cartazes da campanha exibiam fotos de judeus prisioneiros de campos de concentração ao lado de imagens de animais em condições degradantes. E um desses cartazes, ao citar o número de mortos no Holocausto, denunciava que “o mesmo número de animais é morto a cada quatro horas para se tornar alimento apenas nos Estados Unidos”.

Duramente criticada, a Peta defendeu-se dizendo que a campanha havia sido criada por um de seus colaboradores judeus e paga por doadores judeus, um modo nada sutil de tentar legitimar a ofensa.

Não por acaso, o ministro Weintraub fez exatamente a mesma coisa. Criticado por fazer comparações esdrúxulas entre os militantes bolsonaristas e os judeus perseguidos pelos nazistas, ele invocou sua ancestralidade judaica e seu parentesco com sobreviventes de campos de concentração como uma espécie de salvo-conduto para subverter a memória do Holocausto em favor de seus correligionários encrencados com a Justiça, tentando conferir-lhes o status de vítimas indefesas de carrascos que os perseguem apenas por serem bolsonaristas. Nem original o ministro Weintraub foi: em 2015 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixou-se de que estava “cansado do tipo de perseguição e criminalização que tentam fazer à esquerda deste país”, o que, para ele, “parece os nazistas criminalizando o povo judeu”.

Ao imitar o ex-presidente Lula, portanto, o ministro Weintraub ofende não apenas a inteligência alheia, mas principalmente a memória dos que padeceram sob o nazismo – inclusive a memória de seus avós sobreviventes de campos de concentração, que certamente sabiam muito bem que a Noite dos Cristais nada tem em comum com uma batida policial contra suspeitos de espalhar fake news.

Em resumo, é como se o Holocausto simplesmente não tivesse terminado – o massacre continua, agora na forma de uma monstruosa banalização.

JORNALISTA, HISTORIADOR, É AUTOR DO LIVRO ‘HOLOCAUSTO E MEMÓRIA’ (ED. CONTEXTO, 2020)

Autocomplacência pandêmica - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S. Paulo - 30/05

Países muito mais pobres que o Brasil se saem bem melhor na pandemia


É claro que um país pobre, repleto de favelas e com uma população pouco instruída como é o Brasil não poderia ter se saído muito bem no enfrentamento da Covid-19. Há algo de autocomplacente nesse raciocínio.

É verdade que alguns fatores pesam contra nós. O alto índice de informalidade da economia dificulta manter as pessoas dentro de casa. Muita gente se vê compelida a sair para conseguir renda para alimentar os filhos, que ficaram sem a merenda escolar. A grande densidade demográfica das favelas e suas condições precárias transformam o isolamento de doentes em um experimento natural de contaminação dos familiares.

Não são dificuldades pequenas. O fato, contudo, é que países muito mais pobres que o Brasil estão se saindo bem melhor.

Um caso modelo é o do Vietnã. Com uma renda per capita que é menos de 1/3 da brasileira e pouca disponibilidade de leitos hospitalares, o país asiático foi capaz de identificar rapidamente os doentes e isolá-los. No dia 29 de maio, contava com apenas 327 casos e nenhuma morte. Sua receita foi fazer um “lockdown” forte logo no início e testar ostensivamente. O Vietnã desenvolveu seu próprio sistema de teste, que já exporta para outros países.

Mas o Vietnã é uma ditadura comunista e sua população é asiaticamente obediente, dirá o cínico. Verdade, mas alguns países da América Latina e da África, onde se temia uma catástrofe, também estão em melhor posição que nós, apesar de Estados fracos e populações indisciplinadas.

A pandemia é uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Até que tudo tenha acabado, é preciso cuidado com as comparações entre países. Ademais, fatores difíceis de ponderar, incluindo o acaso, exercem grande influência. Mas acho que já dá para afirmar que o Brasil cometeu erros graves. Seria bom tentar entendê-los, para evitar que se perpetuem ao longo dos meses ou anos em que ainda teremos de conviver com o vírus.

O PIB do coronavírus - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S.Paulo - 30/05

O ministro da Economia, Paulo Guedes parece ter exagerado nos argumentos de que a economia estava voando antes da economia


O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos três primeiros meses do ano, divulgado nesta sexta-feira, 29, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a economia brasileira nem de longe estava “decolando” antes da pandemia do coronavírus.

Sem surpresas, o instituto informou que a economia brasileira encolheu 1,5% no primeiro trimestre de 2020 em comparação ao quarto trimestre do ano passado com cerca de um sexto do período afetado pelos efeitos da paralisação das atividades da pandemia no Brasil, a partir da segunda quinzena de março.

Como reconhece a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, em documento divulgado nesta sexta-feira para comentar o PIB, a economia apresentava “sinais” de retomada, após dados fracos de atividade no último trimestre de 2019. Eram, portanto, sinais ainda não consolidados, com os meses de janeiro e fevereiro marcados por “bons” resultados nos indicadores de arrecadação, mercado de trabalho e atividade. Nada excepcional a comemorar.

O ponto mais negativo foi a queda do consumo das famílias de 2% em relação ao quarto trimestre do ano passado – a primeira diminuição desde o último trimestre de 2016 e a maior retração desde 2001. Do lado positivo, a alta de 3,1% dos investimentos (FBCF), explicado pela SPE pela melhora que ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro deste ano.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, parece ter exagerado nos argumentos de que a economia estava voando antes da economia. Consumo estava melhorando, e com queda de juros, parecia que ia continuar nessa toada positiva. Mas a economia ainda não tinha decolado da forma como o ministro fala. Muitos entraves a serem resolvidos e dificuldades da equipe econômica em emplacar a sua agenda depois da reforma da Previdência.

Por praxe, ministros da economia têm que ser otimistas. Vender bem o seu peixe. No caso de Guedes, há também outra explicação. O desempenho fraco da atividade no último trimestre do ano passado já havia colocado pressão do Palácio do Planalto para a equipe de Guedes mostrar resultados.

Retomada lenta incomodava o presidente e o seu círculo de auxiliares mais próximos. A pandemia só amplificou esse debate, como já mostrado no episódio da disputa em torno do programa Pró-Brasil, para ampliar o investimento público em infraestrutura.

Quadro que tende a piorar com o impacto da pandemia mais forte no mercado de trabalho, diante do fracasso, em alguns casos, e da demora das linhas de crédito de socorro para as empresas.

Tudo isso deve acentuar a tensão entre Bolsonaro e governadores por reabertura mais rápida da economia, como já está acontecendo em muitos Estados. Mal feita, essa abertura pode atrasar ainda mais a recuperação da economia depois do tombo assustador do PIB que está contratado e por vir.

Guedes tem dito que a economia vai crescer em “V” depois da pandemia e que gosta da imagem do pássaro ferido, que quer começar a voar e precisa das duas asas de novo. Vai precisar muito mais que palavras estimulativas desse tipo para coordenar o processo de recuperação com a responsabilidade que o cargo impõe.

A mentira escancarada - ALVARO COSTA E SILVA

Folha de S. Paulo - 30/05

Cinismo considera 'liberdade de expressão' o gabinete do ódio instalado dentro do governo



Ao longo de 50 anos de jornalismo, 30 deles atuando como comentarista político, Carlos Castelo Branco, o Castelinho, enfrentou duas ditaduras —a de Vargas e a dos militares— e nunca ouviu do presidente da República, mesmo que este fosse um general de maus bofes, gritos de “Cala a boca!” e “Acabou, porra!”. Em compensação, em mais de 8.000 colunas publicadas no Jornal do Brasil, ele jamais tratou de Bolsonaro. Ô sorte!

O centenário de nascimento de Castelinho, no dia 25 de junho, coincide com mais uma grave crise institucional no país, que envolve diretamente a imprensa. Não é novidade que déspotas agem para controlar a mídia. Quando não conseguem, espumam de ódio e usam todo tipo de método para alcançar seu objetivo: intimidação, censura, estrangulamento financeiro, prisão e até assassinato.

A morte do filho de Castelinho, Rodrigo, num acidente de carro em Brasília, em 1976, gerou no jornalista a desconfiança de que o desastre fora premeditado pelo Serviço Nacional de Informações, um aviso e uma vingança contra seus artigos de opinião.

A mentira —que no Brasil dos macaqueadores de Trump foi rebatizada de fake news— é outra poderosa arma de controle. O cinismo atual considera “liberdade de expressão” o funcionamento, dentro do Palácio do Planalto, de um bunker digital, comandado pelo filho do presidente, Carlos Bolsonaro, e financiado por empresários e pelo próprio governo —o qual se especializou em produzir e espalhar ameaças, ofensas e calúnias contra políticos, autoridades, jornalistas, artistas e ministros do STF.

Nos mais duros períodos do regime militar, Castelinho não tinha liberdade de expressão. “Procuro dizer as coisas que estão proibidas de maneira que eu as possa dizer”, ensinava ele. A verdade era lida nas entrelinhas de seus textos. Ao contrário de hoje, quando a mentira é escancarada com todas as letras.

Governo Bolsonaro é de minoria - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 30/05

Eleito com 39% dos votos totais, presidente perde apoio, entre outros fatores, pela epidemia


Carregado em saguões de aeroportos por militantes que o recepcionavam com gritos de “mito”, o pré-candidato Jair Bolsonaro parecia ser mais um desses exóticos concorrentes ao Planalto. Mas ganhou o segundo turno em 2018, com a ajuda da rejeição ao PT e da incapacidade do centro, à direita e à esquerda, de encontrar um nome que enfrentasse um populismo de extrema direita que também avançava em outros países.

Um ano e cinco meses de poder depois, Bolsonaro continua sendo apoiado por aqueles fanáticos que o carregavam nos ombros, e que estão no grupo de um terço do eleitorado que se mantém fiel ao presidente, apesar de todas as crises.

Pesquisa do Datafolha apurada na segunda e terça-feira, publicada ontem na “Folha de S. Paulo”, tem leitura pró-Bolsonaro e contra. A favorável chama a atenção para a solidez deste apoio de 33%, já verificada na sondagem anterior; a preocupante para o bolsonarismo é que o seu presidente, com 43% de avaliação negativa, já é o inquilino do Planalto mais mal avaliado desde a redemocratização, com um ano e meio de governo — entre Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma.

Nada impede que se recupere. Mas a radicalização e os modos fora de padrão de Bolsonaro não parecem ser o melhor caminho. A pesquisa foi feita depois da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, cuja trilha sonora está pontilhada de palavrões e gritos do presidente.

Há uma correlação direta entre a piora na avaliação presidencial e aquelas cenas. Dos entrevistados, 55% assistiram ao vídeo, e destes, 53% consideraram “ruim ou péssimo” o governo, dez pontos percentuais acima do resultado geral da sondagem.

Outro resultado negativo para Bolsonaro é sua atuação na epidemia. O número crescente de vítimas tem tido um apelo mais forte para a população do que a pregação bolsonarista contra medidas preventivas — ontem, ao alcançar 27.878 mortos pela Covid-19, o Brasil ultrapassou a Espanha e passou a ser o quinto país do mundo com mais mortos na pandemia.

Com estes 33% de apoio firme, pelo menos até agora, o bolsonarismo curiosamente repete o lulopetismo, que nos piores momentos das revelações de suas traficâncias na corrupção mantinha um terço do eleitorado fiel. Coincidências entre pontos extremos do campo ideológico.

O bolsonarismo, que chegou ao Planalto com votos das faixas mais abonadas da população, começa a ser um pouco mais bem-visto entre os de renda baixa, ajudado pelo abono de emergência. Mas nada significante. A ver se o governo tentará fazer do auxílio, guardadas as diferenças, o que o Bolsa Família é para o lulopetismo desde sua criação. Seria fiscalmente desastroso.

Neste ano e meio de governo, Bolsonaro se firma como governo de uma minoria. Se formos levar em conta os números totais da eleição de 2018, considerando os votos brancos, nulos e abstenções, o presidente foi eleito com 39,3% dos votos totais. Mas 55,1% dos válidos, e ganhou a faixa presidencial.

Precisamos conversar sobre o Parlamentarismo - MARCUS PESTANA


O TEMPO - MG - 30/05

A história republicana brasileira, e já se vão 130 anos da Proclamação da República, não foi propriamente um céu de brigadeiro ou um mar de almirante em termos de estabilidade política e institucional. Assemelha-se mais a uma montanha russa.

Já no nascedouro a República foi marcada por uma confusa ruptura com a monarquia, a partir da ação das Forças Armadas. Em 1930, tivemos outra quebra da ordem constitucional, após a dissolução do pacto de governabilidade da República Velha e do seu pilar, a famosa política do café com leite. Getúlio Vargas, liderando uma aliança com Minas Gerais e o Nordeste brasileiro, instalou a República Nova e o Governo Provisório. Pressionado pela Revolução Constitucionalista de 1932, capitaneada por São Paulo, foi obrigado a convocar uma Assembleia Constituinte que gerou a Constituição de 1934, de curta vida. Em 1937, aproveitando a instabilidade provocada pelas movimentações integralistas e pela Intentona Comunista de 1935, tendo como biombo o fantasioso Plano Cohen, Getúlio dá um golpe institucional, fecha o Congresso e outorga a quarta Constituição do Brasil, a terceira da República, conhecida como a Polaca, em 10 de novembro de 1937. Mais uma vez, as Forças Armadas tiveram papel preponderante. Contemporâneos a esses acontecimentos avaliam que o golpe viria com ou sem Getúlio. A nova ordem do Estado Novo era baseada em forte centralização do poder na União, nacionalismo, intervencionismo estatal e anticomunismo. Durou até 1945, quando a vitória dos aliados na Segunda Grande Guerra impôs a volta à democracia.

De 1946 em diante, tivemos também grande instabilidade política com o suicídio de Vargas em 1954, as conspirações contra JK, a renúncia de Jânio Quadros em 1961, a frustrada experiência parlamentarista de 1962, a radicalização extrema no governo João Goulart e como consequência o golpe militar de 1964, os Atos Institucionais e a nova Constituição de janeiro de 1967, interrompendo a experiência democrática anterior e que persistiria até 1985.

A luta democrática dos anos de 1970 desencadeou as históricas campanhas pela Anistia e das Diretas-Já que pavimentaram o caminho para a vitória de Tancredo Neves contra Paulo Maluf no Colégio Eleitoral em 1985 e a fundação da Nova República com a sua Constituição de 1988. Mesmo este ciclo político foi marcado por momentos tensos como os dois processos de impedimento dos Presidentes eleitos Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016). A eleição disruptiva de 2018 representou o fim do ciclo da Nova República e cristalizou o desgaste extremo de todas as forças políticas tradicionais.

O novo governo liderado pelo Presidente Jair Bolsonaro abriu mão do chamado “presidencialismo de coalizão” e de construir maioria parlamentar estável. Na sociedade e no novo palco de disputa política, as redes sociais, nunca houve, desde 1985, um ambiente tão polarizado e radicalizado.

Este longo, mas superficial, mergulho na história política brasileira é somente para jogar luzes na preocupação de que como diria Otávio Mangabeira “A democracia é uma planta tenra, a gente tem que cuidar todo dia”. A liberdade é talvez o maior sonho do ser humano e a democracia, o melhor caminho para definirmos os destinos do país e do mundo.

Neste sentido, precisamos interromper rapidamente a atual “marcha da insensatez”. O governo e sua base de apoio político e social promovem uma polarização intensa e radical contra o Congresso Nacional e o STF. O STF, apoiado pelo Ministério Público Federal e a Polícia Federal, empreende uma série de ações e inquéritos, cumprindo suas funções institucionais, que afetam importantes atores políticos da República. A imprensa, cumprindo seu papel social, em uníssono defende diariamente a democracia e aponta os riscos envolvidos. O Congresso Nacional, surpreendentemente, por ser uma casa mais quente e fragmentada, tem desempenhado o papel de mediador de conflitos e poder moderador, mas abriga a natural polarização política, já que é a caixa de ressonância da sociedade. As Forças Armadas reiteram seu compromisso com a Constituição, mas algumas lideranças delas egressas jogam lenha na fogueira da crise. Onde vamos parar? Haverá luz no final do túnel?

O desenrolar dos fatos aponta para um inevitável impasse. Seria lamentável que isso ocorresse. Enfrentamos uma brutal e surpreendente crise sanitária com a pandemia do coronavírus e seus efeitos colaterais agressivos no desempenho da economia. Imaginem um impasse político de difícil solução com pessoas morrendo nos hospitais, desemprego chegando a 20 milhões de brasileiros, queda substantiva de renda daqueles que vivem à margem do mercado formal de trabalho, quebra de milhares de empresas e crise fiscal do setor público nos três níveis agravada pela pandemia? Caminharemos para uma encruzilhada onde apenas quatro cenários possíveis e dramáticos se colocam: o golpe institucional a partir do Palácio do Planalto, rompendo com a Constituição e a democracia, o impeachment pelo Congresso, o afastamento do Presidente pela via judicial ou a alternativa de empurrar com a barriga por dois anos e meio até 2022, com crises diárias e interrupção do processo de reformas estruturais e de ajuste fiscal e da retomada do crescimento econômico?

Não, este não é o caminho! Apostar no impasse é uma irresponsabilidade com o país e com a democracia brasileira. Podemos viver uma crise de hegemonia de repercussões imprevisíveis com instituições e sociedade divididas, sem um rumo claro para a superação do impasse político e institucional.

Em boa hora, aconteceram o importante discurso do Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, onde conclamou pela união de esforços e pediu serenidade e diálogo a todas as lideranças das instituições republicanas, e a iniciativa do Presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre, de procurar o Presidente da República, Jair Bolsonaro, na última quinta-feira, para pedir cautela. O Congresso Nacional, muitas vezes tão injustiçado nas redes sociais e na opinião pública, está tendo um comportamento exemplar na difícil quadra histórica em que mergulhamos.

No longo prazo, sem interferir nos direitos políticos adquiridos de curto prazo, de forma institucional, impessoal e suprapartidário, temos que dialogar sobre o parlamentarismo. No meu ponto de vista, o presidencialismo brasileiro se esgotou. Claro que a alternativa parlamentarista teria que ter adesão da sociedade, uma prévia reforma política e o fortalecimento do funcionamento da burocracia de Estado, no sentido weberiano, assegurando estabilidade permanente e profissionalizada às políticas públicas.

No presidencialismo americano o debate e os impasses envolvem apenas dois partidos, republicanos e democratas, garantindo a funcionalidade do sistema e as condições mínimas de governalibidade. Aqui temos hoje vinte e quatro partidos presentes no Congresso Nacional e na atual configuração os termos maioria e minoria perderam o sentido. Não há estabilidade política possível e nem responsabilização inequívoca de papéis para permitir o avanço de qualquer agenda governamental.

O parlamentarismo é muito mais ágil e flexível para administrar suas crises. Nele, há clara formação de maioria e minoria, com responsabilidades e papéis muito bem definidos. Aqui, somos escravos da rigidez dos mandatos e diante de impasses caminhamos logo para a traumática via do impeachment.

Na Itália, a desestabilização do gabinete introduzida por ousada e atrapalhada ação da extrema-direita de Matteo Salvini e sua Liga do Norte, foi respondida pela improvável aliança do Movimento 5 Estrelas com o Partido Democrático. Na falta de maioria parlamentar em Portugal, foi configurada a chamada Geringonça Portuguesa, alinhando o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, que se saiu muito bem no governo.

Na Espanha, depois de várias eleições, a solução para a governabilidade teve o Partido Socialista Operário Espanhol como pêndulo entre Ciudadanos e Podemos, formando, ao final, maioria para governar em torno de Pedro Sánchez. Na Alemanha, Angela Merkel, com sua experiência e autoridade política, governa com maioria no Bundestag, embora as próximas eleições reservem perspectivas nebulosas, se Merkel realmente sair de cena. Na França, Emmanuel Macron formou ampla maioria no parlamento francês nas últimas eleições. Lá também as próximas eleições reservam emoções fortes. Mas o parlamentarismo é muito mais eficiente para resolver os impasses de hegemonia e governabilidade.

Enfim, no Brasil, temos que evitar o impasse político de curto prazo em situação de aguda crise sanitária e econômica, e cuidar de nossa tenra planta, a democracia brasileira. E no momento próprio, instalar um amplo debate no Congresso e na sociedade, em torno da alternativa parlamentarista.

Fora isto, teremos uma perspectiva caótica, sombria e perigosa.

Não repara a bagunça - DEMÉTRIO MAGNOLI

Folha de S. Paulo - 30/05

Nossa epidemia seguirá crepitando, enquanto o mundo vira uma página


Na bandeira, substitua-se o lema positivista “Ordem e Progresso” por “Não repara a bagunça”, a inevitável saudação brasileira às visitas, escrita assim mesmo, do jeito bagunçado que as pessoas falam. A sugestão irônica, triste e afetuosa, circulava entre nós, nos tempos de faculdade. Hoje, 40 anos depois, a crise do coronavírus revela sua atualidade.

Um presidente negacionista decidiu que a Covid é “uma gripezinha”, recusou-se a organizar o respaldo econômico à emergência sanitária, fechou o Ministério da Saúde, engajou-se em atos de sabotagem das regras de distanciamento social.

O STF reagiu transformando o país numa confederação de 27 entidades territoriais mais ou menos independentes. Na ausência de coordenação nacional, governadores, prefeitos e até juízes intrometidos costuraram uma colcha de retalhos de medidas sanitárias incongruentes.

A bagunça esvaziou menos as ruas que o sentido das palavras. Do Maranhão ao Ceará, quarentenas parciais ganharam o nome de “lockdown”.

O governo paulista anunciou uma “quarentena inteligente”, confessando involuntariamente que experimentamos dez semanas de quarentena burra. Na etapa da burrice, fechou-se às pressas a economia de centenas de cidades do interior quase livres da epidemia. Na da inteligência, essas áreas serão desconfinadas, justamente na hora da chegada do vírus.

A bagunça é, às vezes, cálculo eleitoral. O prefeito paulistano, um administrador que executa antes para depois planejar, o gênio de bloqueios viários e megarrodízios, clamou por um “lockdown” imposto pelo governador, sobre quem recairia o peso do fracasso, antes de girar 180 graus, temendo a paralisação de obras de apelo eleitoral.

Na capital paulista, ninguém pode andar em parques, atividade saudável e segura, mas todos já podem visitar os shoppings. No Rio, cidade que declina sem elegância, as praias continuam proibidas, mas o prefeito puro e santo excetuou as igrejas, permitindo aglomerações nos templos. Há jornalistas que culpam o povo pela dissolução das quarentenas.

Às vezes, a bagunça é método. No estado do Rio, sob um governador-juiz que prega a eliminação extrajudicial de suspeitos, a corrupção adaptou-se celeremente ao cenário epidemiológico. Seguindo a clássica receita de autoajuda dos investidores, de converter crises em oportunidades, firmaram-se contratos fraudulentos para a construção de hospitais de campanha.

Saúde antes de tudo. O extinto Ministério da Saúde, reduzido à condição de acampamento militar, foi colonizado por curandeiros charlatães. Curvado às ordens presidenciais, ele recomenda o uso indiscriminado da cloroquina em pacientes de Covid, contrariando as conclusões de investigações científicas abrangentes. Às vezes, a bagunça é crime.

Não damos sopa para o azar. Os países europeus, bagunceiros, só exigem o uso de máscara em lugares fechados. No Brasil, somos ordeiros, rígidos, implacáveis: a Câmara estendeu a obrigação aos espaços abertos. Obedientes, as pessoas percorrem as calçadas com o apetrecho na testa ou no pescoço, manuseando-o irrestritamente, enquanto as máscaras dos motoqueiros se cobrem de películas de fuligem. Fazemos leis para chinês ver.

Nunca relaxamos. O fechamento geral de escolas é medida de eficácia improvável no combate ao coronavírus, concluiu um estudo publicado pela Lancet, revista médica de referência.

Na Europa, a reabertura escolar figura entre as medidas pioneiras da flexibilização, pois a longa interrupção atinge devastadoramente famílias e alunos pobres. Mas, por aqui, isso foi relegado ao epílogo do cronograma das autoridades. “Vire-se, povinho!” —eis a mensagem de governantes tementes a Deus ou à “Ciência”.

Nossa epidemia seguirá crepitando, enquanto o mundo vira uma página. Temos tempo para substituir o lema que atravessa a esfera azul celeste da bandeira tão amada.

A agonia do governo Bolsonaro - MARCO ANTONIO VILLA


Revista IstoÉ

O mercado financeiro tolerava Bolsonaro, era considerado boquirroto, tosco, ignorante



A escalada bolsonorista contra o Estado Democrático de Direito continua de vento em popa. Desde 1º de janeiro de 2019, Jair Bolsonaro age frontalmente contra as instituições. É o cavaleiro das trevas do reacionarismo. O autoritarismo explícito, a falta de decoro, o uso de instituições de Estado como instrumentos da sua vontade, tudo era relevado. Afinal, o importante seria o programa econômico e as reformas estruturantes repetidas ad nauseam pelos porta-vozes do mercado.

Era o que interessava. Seria o preço a ser pago pela reestruturação do processo de acumulação capitalista. Já que os partidos tradicionais tinham dificuldade de empolgar o eleitorado, desgostoso com os escândalos sucessivos de corrupção, restou ao grande capital apoiar um desconhecido, meio exótico para os padrões da Faria Lima, mas que parecia amestrado no campo econômico. O mercado não via em Bolsonaro alguém com um projeto próprio de poder. Era encarado como um boquirroto, tosco, ignorante.

Mas a chegada do coronavirus mudou este quadro. Mesmo sem oposição de fato, e graças à ação desastrada e desumana, Bolsonaro acabou se transformando mundialmente no símbolo maior da incompetência no enfrentamento do covid-19, inclusive colocando em risco as bases da economia brasileira e, por sua vez, prejudicando o mercado. Não há especulador que resista a uma recessão de -7%/-8% e a possibilidade de um lustro de crescimento medíocre derrubando a renda per capita e o índice de desenvolvimento humano. Isto porque a somatória da piora sucessiva da distribuição de renda com o aumento da miséria pode se transformar, em curto prazo, em combustão para uma explosão social em escala nunca vista no Brasil.

A fuga de capitais é uma demonstração inequívoca que o grande capital internacional já abandonou qualquer manifestação de apoio, mesmo discreto, ao governo. Internamente, as frações mais modernas do capitalismo nacional detectaram que o futuro econômico do país — e de seus negócios — está seriamente comprometido. Constatou que não há mais uma política econômica, uma ação coordenada pelo ministério da Economia e suas secretarias. Viu que em meio a pandemia o que sobrou foi um governo lutando para se manter a todo custo no poder. E que sonha com o rompimento da institucionalidade, isolando ainda mais o país da comunidade internacional. Começou a contagem regressiva para o fim do governo Bolsonaro. Mas sem ação política, a agonia pode ser longa.

E daí? - MERVAL PEREIRA

O Globo - 30/05

A proximidade excessiva, quase obscena, de Aras com o presidente Bolsonaro traz o descrédito ao corpo de procuradores


O procurador-geral da República, Augusto Aras, não consegue nem mesmo entrar no elevador cheio na sede de Brasília da instituição que preside, tamanho o desconforto que está provocando entre seus pares.

A proximidade excessiva, quase obscena, com o presidente Bolsonaro, a quem cabe a Aras julgar no caso da interferência na Polícia Federal, traz o descrédito ao corpo de procuradores. Não é por acaso que surgiu o abaixo-assinado, com assinaturas de mais da metade dos componentes do Ministério Público, para tornar lei a praxe de o presidente da República ter que escolher de uma lista tríplice o ocupante do cargo.

Aras colocou-se à margem da corporação, não participando da disputa, atitude que agradou a Bolsonaro. Mesmo assim, a revolta interna o atinge, a ponto de ter havido uma reação branca dos procuradores, que se recusaram a ajudá-lo a escrever a manifestação da PGR contra o inquérito das fake news.

Em Brasília, já há quem o chame de procurador-geral do Bolsonaro. Ou quem diga que o governo tem hoje três pessoas exercendo o cargo de advogado-geral da União: o próprio, José Levi, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Os dois últimos, por sinal, disputando vagas no Supremo Tribunal Federal, a cenoura com que Bolsonaro lhes acena para conseguir que assumam tarefas incompatíveis com os cargos que ocupam. Por isso, há no Congresso uma movimentação para aprovar uma lei que impediria que o procurador-geral da República fosse reconduzido ao cargo, e também exigiria uma quarentena para que pudesse assumir cargo no governo depois de terminar seu mandato.

Mendonça, por exemplo, não seria o mais indicado para assinar a petição do habeas corpus para o ministro da Educação, Abraham Weintraub, no Supremo Tribunal Federal. Seria tarefa de José Levi, mas Bolsonaro queria que o ato tivesse uma demonstração política de repúdio à convocação de seu ministro e de todos os que foram alvo da ação da Polícia Federal na quarta-feira. É esse tipo de solidariedade política que Bolsonaro exigia, e nunca obteve, de Sergio Moro.

Aliás, este governo é tão disfuncional que, na fatídica reunião ministerial, Bolsonaro estranhou que ministros fossem elogiados enquanto ele recebia críticas da imprensa. Criou-se até uma campanha nas mídias sociais estimulando elogios ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, para que fosse demitido por ciúmes de Bolsonaro.

O humor tem sua razão de ser, mas, de repente, Weintraub, que estava sob críticas de alas do Planalto que o consideram, além de incompetente, um gerador de atritos com a sociedade, passou a ser um símbolo dos extremistas após ter dito na reunião que colocaria “os vagabundos do Supremo” na cadeia.

Temeu ser preso, exigiu uma proteção oficial, gerando o tal habeas corpus. Chamado a depor, ficou em silêncio, numa atitude de protesto, embora legal. Ganhou alguns meses de vida. Ontem, foi condecorado pelo presidente Bolsonaro com a Ordem do Mérito Naval, ao lado do procurador-geral da República (do Bolsonaro?), Augusto Aras.

A desenvoltura com que o presidente utiliza-se dos instrumentos institucionais para fazer política é surpreendente. Usa condecorações oficiais para mandar recados, vai a posse de procuradores sem ser convidado para elogiá-los numa tentativa de constrangê-los, coloca Augusto Aras oficialmente numa lista de nomes para o Supremo Tribunal Federal, humilhando-o publicamente. Distribui cargos a rodo para o centrão, sem o menor pudor.

Talvez esteja indo com muita sede ao pote, temendo que os inquéritos em andamento o peguem desprevenido no meio do caminho. Tal qual o governador do Rio, Wilson Witzel, seu antigo amigo e hoje inimigo figadal, Bolsonaro e seus filhos foram apanhados muito cedo pela Justiça. Como Michel Temer, terá que dedicar o resto do mandato a salvar a sua pele e a dos seus. E daí?


Mirando o passado - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 30/05

Que importância têm PT, PSOL, PCdoB? Nenhuma. No momento, nem oposição fazem corretamente


Que importância têm PT, PSOL, PCdoB? Nenhuma. No momento, nem oposição fazem corretamente. No futuro, talvez, mas terão de rebolar muito para conseguirem voltar a ter a preponderância que culminou nas eleições de Lula da Silva e Dilma Rousseff. Então, por que Bolsonaro, seus filhos, seus ministros mais engajados e toda a ala ideológica do governo não param de falar nesses partidos? Porque não têm mais desculpa para o fracasso político do chefão. O presidente, que poderia ter governado em paz, mesmo tocando aqui e ali sua tresloucada pauta conservadora, perdeu completamente o rumo e a liderança quando os escândalos de seus filhos começaram a bater em sua porta. E então apontou seus canhões para o passado.

Os alvos de Bolsonaro e sua turma passaram a ser os partidos de esquerda, sobretudo o PT, do qual o presidente se julga o verdadeiro antagonista. Por isso, todas as vezes que se vê confrontado parte para cima do que já passou, do que virou história. Discurso contra a bandeira vermelha é de uma obviedade sem limites. Atacar os governos de Lula e Dilma virou quase um bordão na boca do presidente e de seus aliados. O que eles fazem é explorar o sentimento de rejeição ao PT que transbordou pelos quatro cantos do país depois da desilusão provocada pelos escândalos do petismo.

Tem o mesmo valor o continuado discurso anticorrupção do clã, que também motiva a militância bolsonarista. Não há um dia em que Bolsonaro, um de seus zeros, um de seus ministros ou um aliado importante não fale que a era da corrupção acabou no país. Em seus monólogos para sua claque e alguns microfones na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não se cansa de repetir: “querem a volta da corrupção”; “perderam a boquinha e querem a mamata de volta”; “estou há 500 dias no governo e não há nenhum caso de corrupção contra mim”. Claro que combater a corrupção é importante, mas não é tudo.

Alguém tem dúvida de que mais cedo ou mais tarde vão começar a eclodir casos de corrupção no governo, sobretudo agora que Bolsonaro embarcou a turma do centrão em postos que comandam orçamentos de bilhões de reais? Ninguém. Quando houver, têm de ser cortados, corrigidos e os responsáveis devem ser punidos. É assim que a banda toca. Esta é uma questão bem encaminhada no país. Com a Lava-Jato, abriu-se um caminho nunca antes trilhado no combate à corrupção. Nem por isso, aliás, Bolsonaro deixou de tirar seu ministro-símbolo, Sergio Moro, para poder manipular a Polícia Federal em favor dos meninos, da família e de amigos, como ele mesmo explicou.

Mas estes argumentos têm prazo de validade. Os militantes mais sofisticados e sinceros e menos engajados e radicais já começam a perceber que Bolsonaro quer tapar o sol que queima a todos com a peneira dos partidos de esquerda e os escândalos de corrupção da era petista. E, mais grave, usa uma cortina de fumaça para tentar esconder o que mais o apavora, a fragilidade dos filhos enrolados com a Justiça. Bolsonaro se exaspera, eleva a voz e xinga desbragadamente por um único motivo, percebe que a navalha se aproxima de sua garganta.

Os novos inimigos de Bolsonaro, Supremo e Congresso servem eventualmente como argumento substituto dos partidos de esquerda e da corrupção. Na ótica de sua excelência, tem a mesma intenção, impedir que o capitão purifique a nação do comunismo e da roubalheira. A indigência intelectual dessa lógica é óbvia, mas dela a turma do Palácio do Planalto não se afasta. Naquela já famosa reunião ministerial, quando Abraham Weintraub se volta na cadeira e aponta para a Praça dos Três Poderes, ele falava dos dois Poderes instalados ali do lado. Embora tenha mencionado apenas o Supremo, queria mandar prender também “os vagabundos” do Congresso. Seu gesto e sua fala não deixam margem para a dúvida.

O aloprado prestou depoimento ontem à Polícia Federal. Não disse nada, exercendo o direito de não produzir prova contra ele mesmo (e precisava?). Mas se tivesse falado, com certeza diria que defendia o Brasil, a moralidade e os bons costumes, que tratava retoricamente de um retrocesso do país ao tempo da corrupção e da ameaça vermelha. Weintraub é tão atrasado e retrógrado quanto Bolsonaro. Pior do que Bolsonaro, porque é de uma sabujice de fazer inveja ao Barão de Pindaré, um dos maiores puxa-sacos de Dom Pedro II. Weintraub é a prova incontestável de que este governo só mira o passado, mesmo quando tenta sobreviver no futuro.

Saudades de FH e Lula

Tolerância é a mola que movimenta a política. Sem ela, não se faz política. Os últimos presidentes brasileiros deram show de tolerância. Michel Temer foi objeto de uma denúncia de altíssima combustão, não saiu das páginas dos jornais e teve seu governo contaminado por ela, mas jamais perdeu a fleuma. Dilma foi impedida de continuar governando e nunca ameaçou qualquer tribunal ou casa legislativa. Lula foi julgado e acabou preso depois de ser denunciado em cinco casos de corrupção. Nem por isso ameaçou descumprir a sentença, apesar de aloprados ao seu redor aconselharem que não se entregasse ou se refugiasse numa embaixada. Fernando Henrique foi denunciado por compra de votos na emenda da reeleição e acusado no falso dossiê Cayman e nunca ameaçou virar o barco. Eram outros tempos.

Degenerativa

Professores gostam de dar nomes a etapas da História. Batizaram de “República do Café com Leite” a política dos anos 30, de “Nacional Populismo” a ditadura Vargas, de “Nova República” a transição democrática de Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Chamaram de “Social-Liberalismo” a era FH, e de “Reformista” a de Lula. Difícil encontrar um nome para atual etapa da (turbulenta) vida nacional. Há os que já chamam o governo de Bolsonaro de “Neofascista”, mas o ex-deputado e professor de História Chico Alencar prefere a designação de “República Degenerativa do Brasil”. Faz sentido.

Reconhecendo a fake

A frase de Bolsonaro é esclarecedora. No monólogo irresponsável em que ameaçou não cumprir determinação do Supremo Tribunal Federal, produziu mais uma confissão de culpa: “(Querem tirar) a mídia que tenho a meu favor”. Oras, presidente, mídia a favor não se têm. Compra-se. No seu caso, o que existe é mídia paga ou ideologicamente comprometida. É mídia mentirosa, falsa e criminosa.

Indo às compras

Em qualquer lugar do mundo o gesto seria tratado como um acinte à Justiça. No Brasil desses dias parece apenas mais uma bobagem do presidente. Ao afirmar que o procurador Augusto Aras é merecedor de uma terceira vaga no STF, Bolsonaro mostrou que está disposto a pagar qualquer preço para o processo contra ele não caminhar no Supremo. Além de, embora diga que não, estar desejando a aposentadoria (ou a morte) precoce de um dos ministros do tribunal.

Ex-futuro ministro

Muito dificilmente o ministro da Justiça, André Mendonça, ganhará cadeira no Supremo Tribunal Federal. Pode até ser indicado para a vaga por Bolsonaro, mas depois da aberração que produziu, na forma de um habeas corpus em favor do colega Abraham Weintraub, a coisa se complicou para ele. Primeiro, será discretamente detonado pelos atuais ministros do STF. Depois, vai ter que se explicar no Senado onde será sabatinado. O problema é que seu caso não tem explicação.

Ódio a índio

O amalucado ministro da Educação disse naquela reunião memorável no Palácio do Planalto que tem “ódio da expressão povos indígenas”. Pois é. No início desta semana, o general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde, inaugurou uma ala de hospital no Amazonas que atenderá exclusivamente a índios, onde disse: “A gente vai ter capacidade de recebê-los num local preparado para eles, na sua cultura, na sua essência como povo indígena”. E agora, Weintraub?

Influência

“Sou a deputada mais influente do Congresso, que mais tem visualização de vídeos”, disse esta semana, orgulhosa, Carla Zambelli. Saudades do tempo em que influência na Casa se media pela participação em comissões, pelo número de projetos aprovados, pela capacidade de aglutinar e produzir entendimentos.

Benedita fora

O jornalista José Maria Trindade, da Rádio Jovem Pan, comentando esta semana a ação da PF contra o governador do Rio, Wilson Witzel, lembrou que quatro dos últimos cinco mandatários estaduais já foram presos, só Benedita escapou. E disse que perguntou a ela por que nunca foi alcançada. Bené teria respondido, segundo Zé Maria, “fiquei pouco tempo, meu filho”.

Bacana SP 1

Casas chiques em subúrbios e condomínios elegantes no entorno de São Paulo, como Boa Vista e Terras de Itú, estão sendo alugadas para a quarentena por até R$ 100 mil por mês. O proprietário de uma dessas mansões alugou a sua por quatro meses e com o dinheiro comprou uma quitinete para sua filha nos Jardins.

Bacana SP 2

Outra novidade desta crise é o aumento importante do interesse por residências fora das áreas mais densas da cidade, já que as pessoas perceberam que dá para trabalhar sem sair de casa. Em São Paulo, o Jardim Guedala, um bairro bacana mas de baixíssima valorização, de repente virou o queridinho de quem tem algum dinheiro e quer sair da muvuca. Três casas foram vendidas na mesma rua do Jardim Guedala na semana passada. Uma delas estava encalhada há mais de dois anos.

Bacana SP 3

Quase todas as lojas de decoração da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo, estão funcionando a todo vapor, apesar de não serem essenciais e por decreto estarem proibidas de abrir. Basta chegar e bater na porta. Muitos dos que alugaram casas no interior durante a pandemia estão aproveitando para fazer reformas nas suas casas paulistanas. E as lojas de decoração são indispensáveis numa hora dessa, não é mesmo?

Do jeito errado e sem a maioria - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 30/05

A maioria da população não apoia o modo de Jair Bolsonaro governar. Se o presidente o fizesse do jeito certo, talvez crescesse a aprovação a seu governo


Em seus arroubos contra as instituições, o presidente Jair Bolsonaro gosta de se colocar como fiel escudeiro da vontade popular. A proximidade com o cidadão comum seria seu baluarte. Segundo o discurso bolsonarista, todo o restante seria secundário, o importante seria a conexão do presidente Bolsonaro com o sentimento majoritário da população brasileira, o que lhe autorizaria a fazer o que bem entender. O povo estaria incondicionalmente ao lado de Bolsonaro – ao lado dessa espontaneidade sem regras, freios ou protocolos.

Ainda que entusiasme os camisas pardas, esse discurso está muito distante da realidade. Na verdade, há algum tempo a maioria da população desaprova o modo como Jair Bolsonaro governa. A maioria não está ao seu lado, como indica, entre outras sondagens, a última pesquisa do Datafolha, realizada nos dias 25 e 26 de maio.

A avaliação do presidente Jair Bolsonaro é ruim ou péssima para 43% dos brasileiros. É o maior porcentual de rejeição desde o início do governo. Os que o consideram ótimo ou bom são 33%; e regular, 22%. Na comparação com os outros três presidentes anteriores – Fernando Henrique, Lula da Silva e Dilma Rousseff –, nesse mesmo tempo de governo, Jair Bolsonaro tem a pior avaliação.

A respeito do comportamento do presidente Jair Bolsonaro, 37% consideram que ele nunca se comporta de forma adequada. Em posição oposta, 13% acham que Bolsonaro se comporta adequadamente em todas as ocasiões. A rejeição é quase três vezes maior, mostrando o equívoco de dizer simplesmente que o País está dividido em relação a Bolsonaro. Há sim apoiadores do presidente, mas o fato é que existem muito mais pessoas descontentes com seu modo de governar.

Quanto à avaliação do desempenho do presidente da República em relação à pandemia, os números são ainda piores para Jair Bolsonaro. Metade dos brasileiros (50%) avalia como ruim ou péssimo o desempenho de Bolsonaro na pandemia. Aqueles que o consideram ótimo ou bom são 27%; e regular, 22%. A esse respeito, são significativas as quedas na avaliação positiva do Ministério da Saúde nos últimos dois meses, após as demissões de Luiz Henrique Mandetta e de Nelson Teich. Jair Bolsonaro pode achar que faz impunemente o que bem entender, mas a população não viu com bons olhos a atuação presidencial na Saúde.

Outro dado é que, para a maioria dos brasileiros (53%), o presidente da República tem responsabilidade, em alguma medida, pelo avanço da pandemia. Para 33% dos entrevistados, Bolsonaro é muito responsável pelo atual quadro; e para 20%, “um pouco responsável”. Vê-se que a maioria da população não acha nenhuma graça com o “e, daí?” de Bolsonaro, em relação ao número de mortes pela covid-19.

E não é apenas uma única pesquisa a mostrar a rejeição a Bolsonaro. Realizada em 28 de maio, a sondagem da XP/Ipespe aponta, por exemplo, que, para 49% dos brasileiros, o governo de Bolsonaro é ruim ou péssimo; para 26%, ótimo ou bom; e para 23%, regular. Novamente, fica evidente a desproporção da rejeição. O número de pessoas que desaprovam o governo de Jair Bolsonaro é quase o dobro das que o aprovam.

Com 17 meses de governo, é evidente que a rejeição a Bolsonaro não é nenhuma torcida contra o País ou para que o governo fracasse. É antes a decepção de quem, no início de 2019, nutria expectativas de que o novo governo pudesse trazer melhorias ao País, mas que, decorrido menos de ano e meio, vê com cansaço um quadro desolador de irresponsabilidades, ações destemperadas, conflitos desnecessários e prevalência de interesses familiares.

Trata-se de um fato: a maioria da população não apoia o modo de Jair Bolsonaro governar. Além disso, está claro, a essa altura, que esse jeito de conduzir o País, criando continuamente conflitos com outros Poderes, não lhe traz nenhum apoio popular adicional. Não se pode nem mesmo dizer que Bolsonaro esteja consolidando uma base de apoio, pois esta é cada vez menor. O que cresce é a oposição a ele. Por que não fazer do jeito certo, governando dentro dos limites constitucionais, com planejamento, competência e responsabilidade? Talvez assim Bolsonaro experimentasse uma sensação inédita – a de ver crescer o número de pessoas que aprovam o seu governo.

O ronco dos fracos - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 30/05

Bolsonaro e asseclas esbravejam contra instituições, mas têm de seguir ritos


A população já sabe que não deve levar a sério o que diz o presidente Jair Bolsonaro. Ainda assim, é forçoso anotar, até como registro para a posteridade, que, no dia 28 de maio de 2020, o chefe de Estado do Brasil afirmou, referindo-se a decisões do Poder Judiciário: “Ordens absurdas não se cumprem”.

O mandatário, que jurou submissão à Carta democrática de 1988, atravessava mais um surto autoritário. Crivado de derrotas nos tribunais, com um inquérito do Supremo tendo na véspera fechado o cerco sobre a máquina de difamações e ameaças alimentada por familiares e assessores próximos, Bolsonaro voltou a cevar a franja de lunáticos golpistas que o apoia.

“Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza, foi o último. Acabou,...” e proferiu mais um de seus palavrões habituais. Pouco antes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro declarara, num encontro de carnívoros da truculência, que a ruptura era questão de quando, não mais de se.

Os rugidos são inversamente proporcionais ao dano que essas figuras liliputianas da política brasileira podem causar à institucionalidade. Configuram-se, na verdade, sintomas do enfraquecimento e do isolamento progressivos de Jair Bolsonaro e seu círculo de fanáticos.

Em pleno século 21, decorridos 35 anos de enraizamento da democracia na sociedade e na máquina administrativa, não há hipótese de retrocesso às quarteladas do passado. Elas eram compatíveis com um país muito mais simples, quase simplório, e com um contexto global maniqueísta. Isso, sim, acabou.

O presidente da República que decida afrontar uma ordem do Poder Judiciário não disporá de tanques como salvaguarda. Enfrentará as consequências criminais e políticas que o ato estúpido implica. O parlamentar que, como Eduardo, reincide ao invocar rupturas autoritárias tem encontro marcado com o Conselho de Ética da sua Casa.

O presidente que rosnou perante a turma de agitadores violentos que o bajula no famigerado cercadinho do Alvorada foi o mesmo que, ordeiramente, ingressou com recurso no Supremo para tentar evitar o depoimento do ministro da Educação que havia insultado a corte.

O ensaio de rebeldia de Abraham Weintraub —que faria mais jus a ser titular de uma pasta da Ignorância— tampouco se materializou. Nesta sexta (29), bovinamente, cumpriu seu dever de comparecer ao depoimento no inquérito que apura ameaças a membros do STF e exerceu o direito de ficar em silêncio. Calado, aliás, é um poeta.

Nada garante que não haverá novas operações como a que alvejou bolsonaristas na quinta (27). Mas, se o presidente quiser reduzir sua probabilidade, basta andar entre as linhas traçadas pela Constituição.

sexta-feira, maio 29, 2020

Ele grita a sua impotência. Ou: Vamos ver como seria o "gorpe do Parmito" - REINALDO AZEVEDO

UOL - 29/05



Imagem: Reprodução/Disney

Quanto mais o presidente Jair Bolsonaro grita, mais revela a sua incapacidade de realizar aquilo com que nos ameaça: desfechar um golpe de estado. É claro que seu comportamento nesta quinta foi execrável. Em que democracia do mundo o chefe do Poder Executivo, seja exercido por um presidente, seja por um primeiro-ministro, se refere ao Poder Judiciário naqueles termos? Não existe. Faz mal ao país. Cria tensões internas e prejudica sua imagem no mundo, o que afasta investimentos. Golpe? Não! Não haverá.

Mas especulemos sobre tal cenário para dar relevo à sandice. Então vamos lá: os senhores oficiais-generais botam seus tanques na rua, seus aviões nos ares e decretam um bloqueio marítimo. Soldados invadem emissoras de televisão e rádio e as redações de jornais e portais. Blindados cercam o Congresso Nacional e o Supremo, e ordens de prisão são expedidas para os 11 ministros do tribunal e os presidentes das respectivas Casas Legislativas.

Nos Estados, suponho, os respectivos comandantes das Polícias Militares, aderindo ao golpe com suas tropas, teriam de dar voz de prisão, numa primeira conta, a pelo menos 18 governadores. Enquanto isso, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, num esforço de guerra — ou de golpe — converteria o setor metalúrgico à produção de contêineres frigoríficos para juntar os cadáveres da Covid-19 com os da resistência à quartelada. O Zero Um, o Zero Dois e Zero Três se dedicariam a redigir os atos institucionais.

O que diria o mundo? Bem, de imediato, o Brasil seria expulso do Mercosul, com a Argentina fechando as suas fronteiras, cessaria todo o comércio com a União Europeia, e Donald Trump pouco poderia fazer pelo "Capitão" porque teria se enfrentar o Congresso dos EUA. O Brasil seria uma ilha de coronavírus cercada de generais por todos os lados, a bater continência para um capitão golpista. O dólar escalaria o Everest, as empresas com ação em Bolsa iriam para o vinagre, e as elites empresarial e financeira que hoje toleram Bolsonaro lhe dariam um pé no traseiro. Quantos dias — não meses — duraria a aventura? Poucos. Terminariam todos na cadeia.

Sem contar que o Exército, na hipótese de topar a quartelada, teria de dar um golpe também na Aeronáutica e na Marinha, que estão voando e navegando para Bolsonaro. Há, sim, radicais e porras-loucas entre os militares, como há entre civis, mas essa é uma conversa de insanos. Quando o general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, simula a ordem unida com os desvarios do capitão, dá a ele a ilusão de que um golpe seria possível, o que o leva a radicalizar o discurso.

Digo, e muitos não gostarão de ler, que o golpe seria o caminho mais curto para Bolsonaro ser espirrado do poder. Só não é desejável porque pessoas morreriam, ficaríamos ainda mais pobres e levaríamos algumas décadas para nos levantar do opróbrio internacional. Agora vamos ao Bolsonaro às portas do Alvorada:
"Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações."

Estava se referindo, claro, ao Poder Judiciário, como se, a partir de gora, o Supremo não mais tivesse autonomia para tomar decisões.

Qual é a verdade? Todas as vezes em que ele tentou ultrapassar a linha da legalidade, é bom que fique claro, foi, sim, tolhido pelo tribunal. Daí o seu rancor. Quanto vale o seu "acabou, porra"? Uma nota de R$ 3. Os ministros podem, se quiserem, endurecer ainda mais o jogo? Podem. Por que não o fazem? Porque gera tensão interna, que reflete nos indicadores da economia e podem tornar ainda mais ineficiente um governo já sofrível, o que faz ainda mais difícil a vida dos pobres.

O faniquito de Bolsonaro é o faniquito da impotência.

Ele grita a sua impotência. Ou: Vamos ver como seria o "gorpe do Parmito"

Talentos no confinamento - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo - 29/05

A ponto de me tornar campeão carioca de descascar laranjas, regar as plantas e passar o aspirador



Entre as surpresas com que o confinamento nos tem brindado, estão os talentos que muitos de nós estamos exibindo. É assim, por exemplo, que, depois de surgirem nos primeiros dias com os cabelos espavoridos e de raízes subitamente brancas, nossas belas comentaristas da televisão já voltaram à forma que as consagrou. Como as profissionais com que se cuidavam também estão em casa, tudo indica que as moças da TV desenvolveram habilidades que o dia a dia não lhes permitia explorar. Para nós, espectadores, o melhor foi descobrir que nossa admiração por elas não se alterou nos dias de descabelo.

Homens e mulheres que, até há pouco, não sabiam nem abrir uma lata ou ferver água estão se revelando mestres no preparo de saladas, omeletes, nhoques e brigadeiros. Os mais ousados começaram a se aventurar na complexidade dos suflês, moquecas e crêmes brulés, e estou sabendo de uns poucos que, nestes dois meses, já pensam em produzir o Ph.D das iguarias: uma bouillabaisse. Tanta sofisticação não elimina, claro, um problema que, agora, todos estamos tendo de encarar —lavar os pratos.

O maior avanço, no entanto, está na tecnologia. Pessoas notórias por sua aversão a ela e, de tão incapazes, sujeitas a quebrar o braço ao fazer ponta num lápis, estão aprendendo a gravar vídeos pelo celular, dar aulas online pelo Zoom e comunicar-se com os amigos pelo FaceTime. A pandemia nos transformou a todos em talking heads —ninguém mais tem pernas, e é assim que nos apresentamos agora uns para os outros.

Quanto a mim, estou evoluindo de forma galopante. Logo poderei disputar o campeonato carioca de descascar laranjas, regar as plantas e passar o aspirador na casa. Há um grande prazer em saber que se executou bem essas tarefas.

Mas, no confinamento, nada supera a certeza —e o alívio— de, a cada dia, constatar que não cometemos nenhuma imprudência 15 dias antes.

Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Com que forças conta Bolsonaro? - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 29/05

Presidente atacou de novo as instituições dentro do seu projeto autoritário. Limites têm sido colocados, e ele os testa diariamente


O Brasil está em situação grave. Os militares do gabinete e o ministro da Defesa acham que o presidente Jair Bolsonaro tem razão e só fazem reparos ao tom. Acreditam que, sim, o Supremo Tribunal Federal (STF) está exorbitando de suas funções. Não está, mas a opinião dos militares dos quais se cercou o reforça, e ele então decide escalar e assim fortalece sua militância. Por outro lado, na reforma da Previdência foi feito um grande agrado às polícias militares, com a extensão aos PMs do benefício dado às Forças Armadas: a manutenção da integralidade e da paridade. Isso aumentou o apoio das PMs ao presidente. Bolsonaro ontem fez ameaças ao Supremo e ao ministro Celso de Mello. Quem vai impor limites? Perguntei isso a uma alta autoridade, e ouvi que as instituições já estão impondo limites.

Na visão dessa autoridade, o que os ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes estão fazendo é impondo limites. O plenário do STF tem feito isso também. Câmara e Senado, quando mudam propostas ou rejeitam projetos, estão avisando ao presidente quais são as fronteiras entre os poderes.

— As instituições estão fazendo um risco no chão — disse essa autoridade.

A já tradicional gritaria matinal foi, ontem, mais estridente. Cada palavra foi bem estudada. E a entonação. Quando ele elevou a voz para dizer “Acabou, porra!” estava enviando mensagem à militância. Tudo o que faz ou diz é gravado para ser usado em campanhas ou no seu projeto autoritário. Para esse uso foi gravada a reunião ministerial. O filho 03 foi de novo escalado para ameaçar a democracia. A fala do deputado Eduardo é de que não é uma questão de “se” mas de “quando” acontecerá a “ruptura”. Foi dita na noite da quarta-feira para acalmar a militância de extrema-direita assustada com a operação de busca e apreensão do inquérito das fake news. O projeto de Bolsonaro é este mesmo: a ruptura. Adianta pouco as negativas de que não haverá golpe militar porque as democracias morrem de outra maneira.

O Supremo Tribunal Federal está em duas encrencas. O tribunal aprovou o fim da condução coercitiva do investigado (ADPFs 395 e 444). E se Abraham Weintraub não atender à ordem do ministro Alexandre de Moraes? A segunda encrenca é o início polêmico desse inquérito. Foi aberto de ofício, o ministro Alexandre de Moraes foi nomeado sem sorteio e tropeçou no início com a censura à revista “Crusoé”. Ao longo do tempo, contudo, o processo ganhou relevância política, não porque mirou a direita, mas porque está investigando indícios de crime.

Os próprios militares que estão no governo não defendem o que um deles definiu para outro alto integrante do poder como “milícia digital”. Mas o presidente colocou toda a força da presidência para defender exatamente essa milícia digital, investigada pelo Supremo. “Com dor no coração ouvi aqueles que tiveram a sua casa violada,” disse o presidente. “Essa mídia social me trouxe à presidência.”

Bolsonaro está deliberadamente fazendo uma confusão entre liberdade de expressão e o crime de divulgar fake news, caluniar, difamar, organizar-se para atacar através de robôs, contratar empresas de disparos em período eleitoral, financiar manifestações antidemocráticas. É isso que está sendo investigado. O grande desafio da democracia é criar antídotos contra esses ataques às instituições. O Congresso também prepara uma lei dura para evitar o uso criminoso das mídias sociais. As próprias plataformas estão estabelecendo normas. Não é ameaça à liberdade de expressão. O presidente sabe disso.

Ele está claramente querendo intimidar o Judiciário. Por efeito bumerangue, conseguiu aumentar a união dentro da Corte, como se viu no curto e claro discurso do ministro Luiz Fux, avalizado por Dias Toffoli, em defesa de Celso de Mello. Bolsonaro acredita que neutralizou o Ministério Público com a nomeação de Augusto Aras, a quem ofereceu ontem publicamente o cargo de ministro no STF. Acredita que consegue o apoio das Forças Armadas, pelas vantagens que deu aos oficiais, e que tem o respaldo das PMs, pelo ganho dado aos policiais militares.

Durante a tarde, enquanto Bolsonaro conversava com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mandou o recado:

– É bom dialogar, mas é bom ficar claro que nós vamos continuar reafirmando que a nossa democracia é o valor mais importante do nosso país e as instituições precisam ser respeitadas.

Bolsonaro tentará ignorar recados e passar por cima dos limites.

Vírus matou mais emprego que recessão - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 29/05

Número de empregos perdidos desde a epidemia é maior que na crise de 2014-2016



A Grande Recessão brasileira levou mais ou menos dois anos para dizimar 2,5 milhões de empregos, que desapareceram entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016. A Grande Catástrofe da epidemia já destruiu mais de 3 milhões de empregos (na comparação com abril do ano passado).

Depois da Grande Recessão, o número de pessoas ocupadas em algum tipo de trabalho ainda continuou a cair até chegar ao fundo do poço em março de 2017. Levou mais dois anos, até 2019, para que tivéssemos um março dos tempos do pico do emprego.

Do saldo de empregos criados nesse tempo, dois de cada três eram de assalariados sem carteira assinada e “por conta própria” sem CNPJ, informal de todo, a julgar pelos dados da Pnad, a pesquisa do IBGE.

O emprego formal jamais voltou àqueles tempos pré-Grande Recessão. Pelos dados do registro de empregos formais do Ministério da Economia (Caged), ainda em dezembro do ano passado estavam desaparecidos 1,7 milhão de empregos com carteira assinada. Apenas neste ano, se foram mais 860 mil empregos com carteira assinada.

Quando a destruição vai parar? Não sabemos. Além do fato de que se trata de uma catástrofe, não sabemos quase nada desta crise. Não há com que comparar tamanho desastre. Hipóteses são formuladas apenas para que se possa ter uma ideia que possa ser corrigida assim que aparecem os primeiros e ainda muito preliminares retratos da devastação.

Além da desinformação inevitável, por ora, não há medidas novas do impacto da epidemia nem ideias novas para evitar ruína maior. O país está catatônico, apavorado, como quase o mundo inteiro, e ainda desgraçado pelo desgoverno e pela discussão agora aberta de golpe, impeachment ou alguma destruição institucional extra.

Nem é preciso mencionar, a sabotagem das medidas de isolamento, a falta de política federal de controle da doença e a descoordenação nacional já prolongaram a duração da pior fase da epidemia aqui no Brasil. Sem perspectiva de melhora, não há hipótese de retomada organizada. O país preferiu se atolar em um cemitério sem fim.

Economistas do Bradesco, por exemplo, trabalham com a hipótese tentativa de que o fundo do poço da renda do trabalho ocorreria em algum momento do terceiro trimestre (ressalte-se, entre os distantes julho e setembro). Supondo que se trate de um bom chute informado, a bola de neve da crise ainda vai engrossar.

O auxílio emergencial de R$ 600 terá algum efeito de mitigar o massacre. Pelas estimativas de despesa do governo, a soma desses auxílios equivaleria a cerca de um quarto da soma de todos os rendimentos do trabalho pagos por mês no país, pelo registro da Pnad. Equivale ao valor anual de quase dois Bolsa Família, mas pagos por mês.

Mas essa renda extra não vai salvar setores que vendem bens e serviços mais caros, menos ainda aqueles que estão fechados e que, na reabertura, sofrerão especialmente os dados da vida anormal sob epidemia: restaurantes, serviços pessoais, comércios, viagem, entretenimento.

Já há evidências anedóticas de lojas e restaurantes que, reabertos, não conseguem faturar para pagar os custos de manutenção da reabertura.

O medo da doença e o medo do futuro (para quem ainda tem o que gastar) colocam o consumidor na retranca. O crédito bancário entrou na retranca. O investimento entrou em colapso.

A epidemia será comprida por causa do isolamento à moda brasileira, entre selvagem e negligente. A crise econômica correrá em paralelo.

No escuro contra o vírus - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 29/05

A flexibilização da quarentena em São Paulo, o epicentro da epidemia no Brasil e no auge da crise, pode passar a ideia de que a crise está passando. Mas é falsa.


O governador do Estado de São Paulo, João Doria, apresentou um programa multicolorido que pretende ser uma flexibilização inteligente do isolamento social a partir de 1.º de junho, baseada na ponderação de critérios técnicos. Mas a iniciativa é uma demonstração das enormes dificuldades a serem enfrentadas na escolha de políticas públicas no meio da incerteza.

Em princípio, a flexibilização seletiva deveria se basear em levantamentos sobre o comportamento do vírus, sobre o índice de contaminação, de capacidade do atendimento da rede hospitalar e do grau de imunização da população. Foi por isso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) vinha recomendando testes, testes e mais testes.

Mas as estatísticas disponíveis no Brasil são de uma precariedade gritante. Apenas uma ínfima parcela da população foi testada e a maioria das informações técnicas em que se basearam as decisões tomadas não passa de conjunto de hipóteses com alguma probabilidade de acontecer. O País não tem nem sequer estatísticas atualizadas sobre a real incidência de mortes causadas pelo coronavírus. Na quarta-feira, passavam de 4,1 mil as vítimas cuja causa mortis ainda aguardava diagnóstico, o que dá 16% sobre o total.

A liberação progressiva das atividades baseada em critérios geográficos é também questionável. O Município de São Paulo, por exemplo, foi enquadrado em zona laranja, que comporta início de flexibilização. No entanto, os municípios do entorno levam tarja vermelha, portanto continuam sujeitos à quarentena rígida.

O programa parece não levar em conta que muita gente que trabalha em São Paulo, no comércio e nos serviços que começam a ser liberados mora nos municípios vizinhos. É o vendedor que tem casa em Guarulhos, mas trabalha num shopping de São Paulo; é o pessoal que vive no ABC, em Barueri, em Mairiporã e que tem emprego fixo em São Paulo. Como controlar esses furos?

É preciso ver, também, se o faturamento proporcionado pela abertura parcial do comércio, que exige obediência a restrições não inteiramente claras, compensará o aumento do custo fixo de manter a loja aberta. As autoridades impõem a observância de certo número de exigências prévias que, de antemão sabemos, não serão controladas nem fiscalizadas pelas prefeituras.

Enquanto isso, certos sanitaristas vêm advertindo que esses e outros esquemas de flexibilização da quarentena podem ser prematuros diante do agravamento da doença. Nesse caso, São Paulo e o Brasil acabariam por repetir o caso do Chile, cujas autoridades contavam com a pandemia em retração, reabriram a atividade econômica, mas, em semanas, passaram a enfrentar novo alastramento do coronavírus.

Enfim, as autoridades do Estado e do País estão tomando decisões de enorme gravidade praticamente no escuro. E isso acontece não porque estejam erradas – algo que nenhum avaliador tem condições de concluir com algum grau de certeza –, mas porque a precariedade do conhecimento do comportamento do vírus não clareia a estrada pela frente. Como este é um megaexercício de tentativa e erro, essas políticas podem acabar se tornando sucessão de avanços e recuos. E de muitas mortes.

Dúvidas sobre a solvência da dívida - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 29/05

A situação é extremamente dramática, diz o economista Edmar Bacha


A saída para a economia, no período pós- pandemia, é retomar a agenda de reformas com foco na solvência da dívida interna. A dívida bruta como proporção do PIB terá uma escalada, saindo de 75,5% para a casa dos 90% do PIB este ano. Os sinais já são inquietantes. A dívida mobiliária teve resgate líquido de R$ 240 bilhões nos primeiros quatro meses do ano e os prazos dos títulos estão se encurtando.

Essa preocupação ficou clara durante o debate ontem, na Câmara, entre os economistas Arminio Fraga, Ilan Goldfajn, ambos ex-presidentes do Banco Central, Ana Paula Vescovi, ex-secretária do Tesouro Nacional, e Edmar Bacha, um dos responsáveis pelo Plano Real.

Será importante, também, redesenhar os programas sociais para focá-los em quem realmente precisa da ajuda do Estado. A crise da covid-19 mostrou que é necessário fazer o ajuste de forma “justa”, salientou Vescovi.

O auxílio emergencial de R$ 600 que teria, segundo dados oficiais, atingido cerca de 38 milhões de brasileiros que não tinham qualquer ajuda estatal, deverá ser prorrogado por mais um par de meses, em menor valor. Em um novo formato, ele poderia transformar-se em um programa de renda básica como resultado de mudanças, inclusive, no seguro-desemprego.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), deixou, durante o debate, uma informação relevante: Hoje a grande discussão que divide o governo é se a retomada da economia terá que ser feita com base em investimentos públicos ou se deve-se priorizar o investimento privado. Essa é uma divisão que sempre se apresenta nos momentos mais graves de crise, a despeito da absoluta falta de recursos do Tesouro Nacional para investir.

“A situação é extremamente dramática”, disse Bacha, para quem o país enfrenta uma “depressão” econômica. Ele chamou a atenção para pautas que devem ser evitadas tais como tabelamento dos juros ou elevação impostos, conforme proposta que tramita no Senado, de elevar para 50% a alíquota da CSLL cobrada dos bancos, para não se abrir a porta para uma “crise bancária”. E assinalou a importância de se fazer uma distribuição de renda no país sem que para isso tenha que haver “guerra ou revolução”. Os demais participantes concordam com a premência de uma redução das desigualdades e veem possibilidades de investimentos atrativos em saneamento e em infraestrutura, desde que as regras do jogo sejam bem definidas e respeitadas.

Para Ilan, já se sabe que a pandemia da covid-19 será mais longa e terá maior custo do que se imaginou no início da crise e, portanto, “não é hora de grandes gastos em obras públicas”. Segundo ele, há duas questões que merecem atenção: o auxílio emergencial e que a oferta de crédito chegue às pequenas empresas.

Ilan também condenou duas propostas que circulam no governo: a emissão de moeda para financiar o aumento do gasto decorrente da pandemia; e a venda de reservas cambiais com o mesmo propósito. Não há emissão sem custo e se há 20% do PIB em reservas cambiais, do lado do passivo há 20% do PIB em dívida, salientou.

Lembrou ainda que os depósitos remunerados, que permitiriam a emissão de moeda remunerada, são parte de propostas que tramitam no Congresso à espera de aprovação.

Arminio, avisou que olharia “o copo meio cheio” e viu saídas a partir de um ajuste fiscal que ele calcula em torno de 8 pontos percentuais do PIB, que não será feito da noite para o dia. “O Brasil vai ter que fazer escolhas” que, se não forem bem feitas, o futuro será a repetição “dos piores momentos do passado elevado ao cubo”.

Uma das reformas que todos os participantes colocam como prioritária é a do Estado, ou administrativa, para que o horizonte do gasto com pessoal corrija a despesa de cerca de 14% do PIB, hoje menor apenas do que a da África do Sul. Há outras como a tributária e a patrimonial e questões menos tangíveis, como confiança do investidor no país e segurança jurídica dos contratos. Para recuperar a confiança é preciso estabilidade institucional.

Ana Paula Vescovi mostrou a situação das contas públicas antes e depois da pandemia. Fica claro que o país estava em processo de ajuste fiscal, mas foi pego ainda em condições extremamente frágeis.

A pandemia vai elevar em 7 pontos percentuais o déficit primário do governo central. As contas no critério nominal vão encerrar o ano com déficit de 16,3% do PIB, ou R$ 1,12 trilhão, e a dívida bruta saltará para 94,2% do PIB este ano e para 102,8% do PIB em 2028. Os cálculos pressupõem obediência à lei do teto de gastos.

Pequenas empresas
O governo espera que o Programa de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe) esteja sendo oferecido pelo sistema bancário a partir de segunda-feira. O programa destina às microempresas cerca de R$ 15,9 bilhões com prazo de 36 meses e custo de taxa Selic mais 1,25%.

Os juros que foram aprovados pelo Congresso são tabelados, portanto, em 4,25% ao ano. De antemão, assessores do Ministério da Economia já vislumbram a contrariedade dos bancos privados em operar com essa linha de crédito, pois alegam que 4,25% não seria suficiente para cobrir os custos operacionais. Além do preço, o sistema privado também deverá temer o risco de crédito. Para o dinheiro chegar nas microempresas é bastante provável que a Caixa tenha que ser, mais uma vez, acionada.

Privatização
Começou a tramitar no Congresso Nacional o projeto de lei nº 2.715, que suspende qualquer privatização por 12 meses após o fim do período de calamidade pública. De autoria do depurado Enio Verri, (PT-PR), o projeto tem o apoio da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e de diversas outras entidades sindicais. A suspensão das privatizações até 2022 se justificaria pelas atuais condições de mercado, segundo argumentam os seus defensores. Para o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto, porém, “a Caixa e as demais empresas públicas estão comprovando, especialmente nesta crise, o quanto elas são imprescindíveis para o país”.Está na fila da privatização a Caixa Seguridade e a empresa de Loterias.