A marcha à ré no crescimento da renda pega só a pontinha da forte queda do consumo e produção; a destruição vai ser registrada nos trimestres seguintes
Aqui vão algumas observações sobre o resultado do PIB do primeiro trimestre divulgado nesta sexta-feira: um recuo de 1,5% sobre o PIB do trimestre anterior.
É só o começo. Essa forte marcha à ré no crescimento da renda já era esperada, mas isso não alivia. Pega só uma pontinha da forte queda do consumo e da produção que veio depois, porque o isolamento social só foi adotado no Brasil na última semana de março. A destruição do tsunami que veio em seguida vai ser registrada nos trimestres seguintes, especialmente no segundo e no terceiro. E vai ser um desastre avassalador que, no entanto, já está sendo previsto ou já está no preço, como se diz no mercado financeiro, embora não se saiba ainda em que proporções.
Iniciou lá fora. Os números negativos do primeiro trimestre refletem tanto as incertezas que já vinham se avolumando quanto os graves problemas nos principais países que já estavam atolados na pandemia, especialmente China e Europa. E contou, também, a prostração que atingiu a Argentina. O consumo interno já vinha baqueando bem antes do início da quarentena, na medida em que o desemprego começou a crescer em janeiro, porque as empresas anteviram o que já estava a caminho e se anteciparam nas dispensas de pessoal e, pior, no adiamento de novas contratações. As estatísticas do Caged e da Pnad, divulgadas na semana que passou, já mostravam esse estrago.
O baque nos serviços. Assim como o uso do cachimbo deixa a boca torta, há certo desvio na percepção do brasileiro de que PIB por aqui é principalmente comportamento da indústria. Por isso, tende a ver tudo o que de ruim acontece no PIB como reflexo do mal das pernas que atinge em cheio o setor industrial. É preciso não perder de vista as proporções. Pelos dados das Contas Nacionais de 2019, o setor de serviços tem um peso de 74% no tamanho do PIB do Brasil: são transportes, comércio, turismo, ensino, serviços de saúde, setor financeiro, comunicações, informática, correios, serviços pessoais, etc. A indústria de transformação entra com 11% e a agropecuária, com apenas 5,2%. Por isso, para o bem ou para o mal, o impacto maior no PIB vem do setor de serviços. No primeiro trimestre, essa fatia caiu mais do que a indústria, 1,6% ante 1,4%. Desta vez, o comportamento pior refletiu a retração do consumidor que apenas se acentuou com as perdas de salário e renda.
Sem repeteco. As estatísticas de investimento e poupança do primeiro trimestre (ver gráfico abaixo) foram a maior surpresa do PIB. A poupança avançou de 12,2% do PIB para 14,1% do PIB. E o investimento subiu de 15,0% para 15,8%. Em boa parte tem a ver com efeitos estatísticos e, também, com aumento de importações de equipamentos de petróleo. Mas esse avanço não se repetirá tão cedo.
Tentativa e erro. O que há são apostas e não propriamente previsões. Quem disser que tem certeza sobre o tamanho da queda do PIB deste ano ou está desinformado ou desregulado. Uma das chaves é a retomada da atividade econômica, variável incerta. As autoridades estavam no escuro quando determinaram o início do distanciamento social e continuam no escuro neste início de flexibilização, quando o País vai batendo recordes de contaminação e de mortes pelo novo coronavírus e, ainda assim, os números chegam com indícios de subnotificação.
Mas há outra variável que pode piorar tudo: a política. Os desencontros entre os poderes institucionais são graves e recorrentes, de desfecho também imprevisível, neste ano de eleições municipais. A última estimativa feita por 73 analistas de economia, tal como relatada pelo Boletim Focus, do Banco Central, é de queda do PIB de 5,1% em 2020. É projeção sujeita a constantes revisões porque não passa de exercício de tentativa e erro.
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