Ministro está agora ameaçado
A campanha para que Paulo Guedes reassumisse o controle da política econômica parece ter chegado ao fim e ao cúmulo nesta quarta-feira. O ministro-general Braga Netto (Casa Civil) fez juras de amizade, Jair Bolsonaro disse repetidas vezes que o ministro da Economia está prestigiado no cargo, os ministros que supostamente sabotavam o reformismo desapareceram ou foram a cerimônias em que precisavam ouvir que Guedes é quem manda.
Na verdade, era uma campanha contra um espantalho agigantado pela ideia histericamente caricata de que estava em curso um “resgate do Estado”, um avanço do “desenvolvimentismo da ala militar”, um novo PAC ou um plano “Dilma 3”. Mas campanha houve para colocar Guedes de volta no trono ou para garantir a continuidade do programa de reformas, que andava mal das pernas antes da epidemia e vai ficar sem uma delas depois do colapso econômico e fiscal provocado pela doença.
Decerto havia política nessa disputa, uma tentativa de ocupar espaço, dado o exílio temporário do ministro e o barata-voa dos gastos extras em tempos de epidemia, de pegar carona na crise. Havia política e haverá mais: uma tentativa de dar um nome-fantasia qualquer, “Pró-Brasil Verde Amarelo”, aos gastos necessários para conquistar e apaziguar aliados no Congresso em tempos de risco de impeachment.
O vago, vazio e nebuloso programa anunciado na semana passada não tinha nem fumaça de virada desenvolvimentista, como se dizia nas reações liberalóides estereotipadas, até por se tratar de muito pouco dinheiro. Embora fumaça, havia algum fogo ali. Mais importante, pode haver mais chamas.
Jair Bolsonaro terá de desfazer promessas de acabar com a velha política e com “o sistema”, gastando prestígio com suas bases eleitorais por voltar a ter mensaleiros como confrades. Terá de gastar dinheiro a fim de fazer amigos no centrão. Não deve parar por aí.
Mais adiante, Bolsonaro vai ter de lidar com o problema de manter o teto de gastos tendo de fazer agrados ao Congresso e outras freguesias, a fim de afastar o risco de impeachment.
A julgar pela trajetória provável das contas públicas, vai ser um problema muito difícil de resolver. Guedes sabe do risco de que o teto pode desabar se não forem tomadas medidas como, pelo menos, uma contenção radical dos gastos com servidores federais, pelo que já tem se batido.
Deve ser insuficiente. O crescimento da despesa obrigatória e o aumento mínimo da despesa permitida pelo teto (a inflação vai ser baixa) vão asfixiar o resto da despesa ainda “livre”. O investimento público “em obras” será ainda mais achatado, se sobrar algum, justamente aquela despesa que alguns ministros quereriam aumentar em uma dezena de bilhões por ano —troco, na atual situação.
Como conciliar a manutenção do teto de gastos com as necessidades de sobrevivência operacional do governo (gastos essenciais de funcionamento da máquina), com alguma despesa inevitável em infraestrutura, com a satisfação de necessidades dos novos aliados e com socorros econômicos que ainda serão necessários em 2021?
Talvez com reformas profundas da despesa pública (talhos enormes), o que é muito improvável. Não há apoio político e o Congresso está dedicado a outros assuntos urgentes, haverá eleição municipal e a baderna política causada por Bolsonaro é imensa, para citar os motivos mais nobres.
Com o risco de o teto cair e de as reformas escorrerem pelo ralo, Guedes pode até ficar no trono. Mas governa?
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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