O ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da PF. Nem é preciso ser jurisconsulto para desconfiar das intenções de Bolsonaro
O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal (PF), atendendo a pedido do PDT. Em seu despacho, o ministro escreveu que, “em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial” de nomear Alexandre Ramagem, “em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.
Nem é preciso ser jurisconsulto para desconfiar das intenções do presidente Bolsonaro ao nomear Alexandre Ramagem para chefiar a Polícia Federal. Segundo o próprio presidente da República, seu objetivo era ter alguém de sua confiança na PF para obter informações – sabe-se lá quais e com que objetivos.
Ora, mesmo que o presidente Bolsonaro não tivesse alguns de seus filhos sob suspeita em casos investigados pela PF, a nomeação de um diretor da PF com a intenção explícita de ter acesso a informações já configuraria, em si, um atentado às leis e aos dispositivos constitucionais que obrigam a polícia a conduzir suas diligências de forma sigilosa – seja para impedir que os investigados destruam provas, seja para resguardar a imagem dos investigados. Ademais, o fato de que se trata da mais alta autoridade da República a requisitar informações não obriga nenhum servidor público a fornecê-las, se essa ordem for claramente ilegal, como seria o caso.
Todas essas limitações estão expressas de forma clara nos diversos códigos legais do País, e espanta que o presidente da República, que jurou respeitar a Constituição ao tomar posse, não veja nada demais em violá-las. Quando questionado a respeito da nomeação de um amigo pessoal para dirigir a PF, reagiu, com ares de indignação: “E daí?”.
Mais do que isso: Bolsonaro deixou claro, também, que quer fazer da PF sua polícia particular. Depois de anunciar a nomeação do amigo Alexandre Ramagem, o presidente exigiu que a PF reabrisse a investigação sobre a facada que sofreu durante a campanha eleitoral de 2018. O caso está encerrado há tempos – a PF concluiu, depois de exaustiva apuração, que o autor da facada, Adélio Bispo, agiu sozinho, e a Justiça Federal o considerou inimputável, em razão de graves transtornos mentais. Bolsonaro simplesmente não se conforma com esse resultado e acredita que há um mandante do crime: “Eu não tenho provas, tenho sentimento. O que for possível a Polícia Federal fazer, dentro da legalidade, para apurar quem pagou Adélio para me matar, vai fazer”.
Se o presidente está insatisfeito com o resultado das investigações, deveria, como qualquer cidadão nas mesmas circunstâncias, recorrer à Justiça para demandar novas diligências. O que não pode, como já está claro, é obrigar a PF – que, como lembrou o ministro Alexandre de Moraes, não é “órgão de inteligência da Presidência da República”, mas sim “polícia judiciária da União” – a encontrar o tal “mandante”, que só existe nas delirantes teorias bolsonaristas segundo as quais o presidente foi vítima de um complô “comunista”.
Mas a menção insistente de Bolsonaro a Adélio Bispo serve somente para animar a claque bolsonarista e desviar a atenção do fato, incontornável, de que a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção da PF com o objetivo de franquear informações do órgão ao presidente fere os princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público – e já é objeto de investigação, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, para apurar possíveis crimes de advocacia administrativa e prevaricação, entre outros.
Depois dos reveses no Supremo, o presidente Bolsonaro decidiu afinal anular a nomeação de Alexandre Ramagem. No entanto, a julgar por seu comportamento desde a posse, há pouco mais de um ano, não será surpresa se Bolsonaro voltar à carga, testando a disposição do Congresso e do Judiciário de fazer valer os limites constitucionais ao poder presidencial. É preciso deixar claro para o presidente que seus desejos não adquirem automaticamente o status de lei, como é nas ditaduras; em uma democracia, o presidente deve demonstrar, de forma cristalina, que suas escolhas são voltadas para a preservação do bem comum, e não movidas por inconfessáveis interesses privados.
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