sexta-feira, abril 24, 2020

Bolsonaro cria instabilidades e eleva custo da crise - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 24/04

Choque com Moro e abalo de Guedes mostram presidente enredado na própria inépcia para conduzir a nação na pandemia


Jair Bolsonaro está aumentando o custo da crise para a sociedade em meio a uma pandemia histórica. O presidente escolheu se transformar num vetor de instabilidade e converteu o governo numa usina de crises. O resultado é óbvio: quanto maior o nível de conflito, mais alto tende a ser o preço a ser pago por 211,4 milhões de brasileiros para emergir do caos econômico e social provocado pelo vírus.

Nas últimas semanas ele se empenhou em tumultuar as perspectivas de uma governança ainda que precariamente estável ao abrir confrontos com governadores estaduais, demitir um ministro, Luiz Henrique Mandetta (Saúde), e agir claramente para desidratar outros dois, Sergio Moro (Justiça e Segurança) e Paulo Guedes (Economia).

O choque com Moro e o abalo de Guedes se enquadram na moldura de um presidente aparentemente enredado na própria inépcia para conduzir uma nação sob grave crise, que avança para completar uma década em recessão, neste ano em nível sem precedentes, e nos últimos dez dias registrou aumento de 150% no número de mortes na pandemia.

Sem plano coerente e consistente para o país, Bolsonaro circunscreve suas ações à receita que aplicou com êxito na campanha eleitoral de 2018, a da aposta na multiplicação de conflitos em todas as direções.

É legítima sua aspiração à reeleição em 2022, assim como a busca por amparo parlamentar a todo custo. O problema está na sua incapacidade sucessivamente demonstrada de distinguir os limites entre Estado e governo, assim como entre o papel de um presidente e o de candidato potencial em futuras eleições.

A exposição da discórdia com o ministro da Justiça obedece a um padrão visto recentemente no caso do ministro da Saúde e reproduzido, mais uma vez, na promoção de um plano de resgate econômico para “trinta anos” — incoerente, para se dizer o mínimo —, ao qual se opõe abertamente o Ministério da Economia.

No caso do desentendimento com Moro há o agravante do motivo. Bolsonaro tenta há tempos substituir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, pessoa de confiança do ex-juiz. Assim como parece não arquivar a ideia de tirar a Segurança Pública do ministro da Justiça, para deixá-lo sem a PF. O interesse do presidente pela Polícia Federal cresce à medida que surgem ou avançam investigações no entorno do clã Bolsonaro. Agora, é o inquérito recém-aberto no Supremo, para investigar os subterrâneos das manifestações antidemocráticas, como as de domingo, de que Bolsonaro participou. Não se trata de uma preocupação republicana.

Hoje, a partir dos sinais emitidos pelo Palácio do Planalto, a única certeza possível é a de que o presidente da República não sabe o que fazer diante dessa inédita crise e, por isso mesmo, usa o recurso de fazer política do confronto, multiplicando conflitos em proporção e velocidades só comparáveis à disseminação do novo coronavírus.

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