Senhores de Brasília são de fino trato 'no tocante' à grana, mas não à moral
Jair Bolsonaro resolveu lutar por seu mandato sob gerenciamento dos fardados do Planalto. Provocou desastres novos ao combater o isolamento social praticando isolamento político. Tentou uma cartada no domingo. Foi a última no gênero.
Deu uma de vivandeira e foi aos bivaques bulir com os granadeiros. Em frente ao QG do Exército, em Brasília, conclamou os militares da ativa a sustentar seu autogolpe. Levou como troco uma banana. Se tentarem impichá-lo segundo os rigores da lei, vai cair. Na palavra de um fardado graúdo, “o Brasil tem uma Constituição, e o artigo 79 assegura a posse do vice”. E agora?
Assistimos a uma espécie de “Feios, Sujos e Malvados” do “andar de cima”, pedindo licença a Elio Gaspari. Recomendo, diga-se, o filme de Ettore Scola para ocupar os dias de quarentena. Os senhores de Brasília em questão são de bem mais fino trato “no tocante” à grana, mas não à moral.
Fosse um filme, não há empatia possível; fosse uma luta, teríamos de torcer pelo impossível: um empate, com a derrota de todos —aí já é filme de Tarantino. Bolsonaro quer Sergio Moro fora do Ministério da Justiça? Desde o segundo mês de governo. Percebeu o apetite do doutor pelo poder. O tabaréu tem as suas próprias aspirações no terreno da extrema direita. Sempre foi uma questão de tempo.
Torcer por Moro? Ah, não! Vejam o comportamento desse senhor na crise. Inventou o oportunismo da ausência. Nunca as lentes da lei foram tão necessárias como agora, com o vírus tendendo a relativizar todos os absolutos legais e até constitucionais. Cadê? Quando vieram me falar sobre sua possível saída, reagi: “Mas ele ainda é ministro?”
Desde sempre, Bolsonaro sabe que seu auxiliar só espera o chefe se estabacar para subir no palanque e liderar o fel da súcia. Um confronto só depende da hora. O empate é o resultado justo. Mas há economia...
Alguém com o senso de realismo que Paulo Guedes não tem deve ter advertido Bolsonaro que seu ministro não dispõe de plano de voo para o pós-crise. A luta estúpida em torno da compensação do ICMS aos estados indica um estágio irreversível de alienação.
Eis que o “dispositivo militar” do presidente aparece com o tal plano Pró-Brasil. Trata-se de uma nova versão do PAC de Dilma Rousseff até na pretensão de tocar obras que atravessem mandatos. Surgiu um keynesianismo de farda para se contrapor ao “liberalismo Simca Chambord” de Guedes —em que pobre não cabe.
Pouco ou nada se sabe a respeito do plano, a começar da autoria. Se Guedes ficar, vai ter de engolir uma agenda que não é sua em nome da tentativa de reeleição do presidente. Reacionários travestidos de liberais estão em prantos. Mas esperem: afinal, que alternativa o ministro apresentou para a crise? De novo, o empate é um resultado justo.
Bolsonaro foi malsucedido com os granadeiros. Se não quer cair, que tente arrumar ao menos 144 deputados na Câmara para se livrar do impeachment. O “Mito” foi à caça. As credenciais do comprador determinam a qualidade da coisa adquirida. Não consegue conviver com Rodrigo Maia, mas pode encontrar em Arthur Lira, Roberto Jefferson, Valdemar Costa Neto e patriotas afins a tábua de salvação.
Este Congresso lhe deu a reforma da Previdência, incluindo a dos militares, com plano de carreira, privilégio que não teve nenhum antecessor seu. Na crise do coronavírus, presenteou-o com a PEC do Orçamento Paralelo. Não cobrou quase nada, a não ser um pouco de compostura.
O presidente preferiu testar o autogolpe. Falhou. Os militares palacianos pediram licença —não impuseram porque a escolha segue sendo de Bolsonaro— para governar o país e deixaram por sua conta conquistar aos menos aqueles 144 deputados. Acho que Lira, Jefferson e Costa Neto podem fazer isso por ele.
Depois de Bolsonaro ter testado o velho modo de fazer nova política, vamos ver como se sai com o novo modo de fazer velha política. E Moro? Enquanto escrevo, fica como o crocodilo às margens daquele rio no Quênia, à espera de abocanhar o gnu.
Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.
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