Governo lança plano obscuro de obras e exibe dados enganosos sobre epidemia
Como se o país tivesse tempo a perder, o governo Jair Bolsonaro conseguiu produzir incerteza e controvérsia em torno de um rascunho de programa de obras públicas para o período pós-pandemia.
Acalentada pela ala militar do Planalto, a ideia suscitou nos corredores brasilienses alusões ao Plano Marshall, o gigantesco socorro econômico concedido pelos EUA aos aliados europeus após o desfecho da Segunda Guerra.
Diante de referência tão estrambótica, auxiliares do ministro Paulo Guedes, da Economia, trataram de dar declarações para recordar que o governo federal vive —há pelo menos cinco anos— sob regime de severa restrição orçamentária.
O tema acabou por centralizar as atenções na entrevista coletiva concedida na quarta (22) por integrantes do primeiro escalão envolvidos no enfrentamento da crise do coronavírus —cuja atração principal deveria ser, em tese, a primeira participação do novo ministro da Saúde, Nelson Teich.
Muito pouco, porém, se pôde descobrir a respeito do tal programa. Seu expositor, o general Braga Netto, chefe da Casa Civil, foi mais claro ao dizer o que ele não é: “Não existe nenhum Plano Marshall”.
Fora isso, soube-se que a propositura ganhou o nome de Pró-Brasil e terá a missão de concluir obras públicas ao longo de três anos, com investimento de R$ 30 bilhões, montante muito modesto para as dimensões do Orçamento —em 2019, com toda a penúria de primeiro ano de governo, investiram-se R$ 56,6 bilhões.
Ao fim e ao cabo, nem se entendeu a necessidade do anúncio precoce de um programa embrionário, quando há providências mais urgentes a serem tomadas, nem se desfez a impressão de que os militares pressionam contra a agenda liberal e fiscalista conduzida pela equipe de Paulo Guedes, não representada na entrevista.
Não foi a única trapalhada do evento, contudo. O estreante Nelson Teich, sem o desembaraço do antecessor diante do microfone, aventurou-se a dizer que o Brasil apresenta uma das menores taxas de mortes por Covid-19 do mundo, se considerada a população.
A comparação, além de usar números duvidosos e deixar de lado a subnotificação, foi feita com países que passam por estágios mais avançados da epidemia.
Notava-se o esforço geral em imprimir um tom mais positivo à comunicação de governo, complementado por um esdrúxulo apelo do general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, por boas notícias na imprensa. Servir a Bolsonaro é, de fato, uma árdua missão.
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