ESTADÃO - 05/08
Crença na retomada, apesar das loucuras do presidente, esbarra no investimento
A reforma da Previdência está bem encaminhada, as propostas para reforma tributária já mobilizam o Congresso e a equipe econômica, mal ou bem, tenta buscar algumas saídas para romper a estagnação. Quem gosta de tapar os olhos e os ouvidos para as loucuras de Bolsonaro tem tudo para se convencer de que a economia é um território isolado, onde investidores e empresas se abrigam para fazer negócios, bater metas e ganhar cada vez mais dinheiro.
Não é por acaso que, nas últimas duas semanas, enquanto se sucediam declarações e atitudes desastrosas do presidente, executivos de grandes empresas e dos mercados saíram a público para declarar que a economia vive um ciclo que “nunca antes” se viu nesse País. Sobre o destempero de Bolsonaro, ou o silêncio ou a consideração de que não compromete a economia.
Nos mercados, o bom humor é visível: a Bovespa se sustenta acima dos 102 mil pontos e o dólar abaixo dos R$ 3,90. No setor produtivo, os indicadores permanecem desfavoráveis, embora o discurso e a torcida de alguns analistas sejam de que finalmente a virada começou. Só como exemplo, a produção industrial está em queda generalizada e opera no nível de 2009. E o mercado de trabalho ainda frágil deixa à margem 28,4 milhões de pessoas, a chamada mão de obra subutilizada – que reúne desempregados, quem trabalha menos do que poderia e também quem não tem ânimo para sair de casa em busca de uma vaga.
A chave para aproximar esses dois mundos é o investimento. Há consenso de que um crescimento sustentado e não aos soluços, como tem ocorrido no Brasil, depende da retomada dos investimentos. Que estão, nesse momento, em 15,5% do PIB, bem abaixo do desejado e perto do fundo do poço da década, de 15% em 2017. E essa retomada, por sua vez, depende não só do fortalecimento da demanda existente como dos sinais de que País teremos mais à frente.
É justamente nesse ponto do roteiro que entra o Bolsonaro falastrão, do “sou assim mesmo” – aquele que parece governar com o fígado, mas no fundo mira a fidelização dos seus 30% de “consumidores”. Dá para enumerar pelo menos três grandes contenciosos políticos e sociais, que poderão invadir aquele terreno aparentemente “isolado” da economia. Em primeiro lugar, os ataques de Bolsonaro ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, e seus desdobramentos despertaram críticas inflamadas até nas fileiras dos aliados do Planalto dentro do Congresso, onde se encontram os principais projetos de interesse do governo.
Além disso, a investida contra o Inpe, em razão das estatísticas sobre o avanço do desmatamento, e a descortesia com a visita do chanceler francês – Bolsonaro trocou o encontro por um corte de cabelo – confirmam sua aversão às questões ambientais, decisivas para ampliar a inserção do Brasil e suas empresas no mercado internacional e, em particular, para garantir o aval ao festejado acordo entre Mercosul e União Europeia.
Em terceiro lugar, o “conjunto da obra” provoca reações contrárias no Supremo Tribunal Federal (STF), explicitadas na derrubada da MP de demarcação das terras indígenas e na manifestação dura do decano Celso de Mello. Reações potencializadas pelo cerco da turma de Curitiba aos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, exposto nos vazamentos da Lava Jato.
É claro que guerra de posts nas redes sociais, por si só, não afasta investidores interessados em licitações de estradas, aeroportos e outras obras de infraestrutura: segundo levantamentos do Estado, o programa de desestatização do governo Bolsonaro pode render mais de R$ 450 bilhões. Mas caso os embates do Planalto com o Congresso e o Judiciário resultem em obstrução de projetos, idas e vindas em decisões importantes, enfraquecimento dos instrumentos de controle e regulação, comandantes de grandes grupos pensarão duas vezes antes de colocar seu dinheiro no Brasil.
Por mais que o Congresso esteja disposto a levar adiante uma agenda econômica consequente – e tudo indica que isso está na cabeça de empresários e executivos –, não dá para imaginar que será possível passar ao largo das tempestades criadas pelo presidente. Um cenário que deixa à mostra a vulnerabilidade do “tudo pela economia”. Inclusive na economia.
CIDA DAMASCO É JORNALISTA
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