Governo oscila entre o desatino de quem não sabe o que fala e a boa intenção de seus auxiliares
O inferno é povoado por mal-intencionados. Pouco se menciona, porém, os que de boa-fé abrem as portas das trevas; aqueles que, imbuídos das melhores intenções, por vezes causam malefícios de fazer inveja aos anjos tortos.
Foi um desses anjos que propôs a Deus submeter Jó a muitos infortúnios de modo a testar a sua fé.
Esse drama bíblico foi reescrito por Goethe. Dessa vez, a vítima foi Fausto, homem desejoso do conhecimento e da realização, mesmo que em troca da sua alma ao diabo.
Goethe foi generoso e, no fim, tudo termina bem. Como em Jó, o diabo é enganado, o bem triunfa e o velho Fausto vai para o céu, depois de muitas provações e demasiados equívocos. Pena que na vida real nem sempre seja assim.
O novo governo oscila entre o desatino de quem não sabe muito bem do que fala e a boa intenção dos seus auxiliares.
Poucos impressionam pelo saber do ofício, como Rogério Marinho e Mansueto.
A condução da reforma da Previdência e os alertas sobre a situação fiscal contrastam com as muitas promessas de pílulas contra o câncer.
Nada mais fácil do que constranger os aliados com a lembrança dos argumentos recentes do mandatário e dos seus filhos. O núcleo íntimo parece não saber dos desafios que o país enfrenta e fica a inventar polêmicas descabidas que combinam insensatez com brutalidade.
Em meio ao destempero, o governo anunciou propostas para melhorar o ambiente de negócios. A intenção é bem-vinda, pois a burocracia tortuosa dificulta o empreendedorismo e a criação de empregos.
A agenda de aumentar a liberdade econômica e de promover maior abertura comercial procura reduzir os empecilhos que nos têm condenado à estagnação.
O diabo, porém, mora nos detalhes.
O governo tem tido dificuldade em implementar suas promessas, como zerar o déficit primário, “meter a faca” no Sistema S e obter R$ 1 trilhão com privatizações e outro trilhão com venda de imóveis, para citar apenas alguns exemplos.
A proposta de desvinculação de R$ 1,5 trilhão promete muito, porém vai entregar pouco. Afinal, quase todo o orçamento está comprometido com gastos que não podem ser reduzidos por força da Constituição. Melhor tomar cuidado com anúncios que animam plateias, mas se revelam castelos de areia.
Isso tudo depois de muitos disparates, como as propostas de nova CPMF e de moeda comum com a Argentina, o peso-real. Vai valer a inflação de 40% ao ano do país vizinho ou a nossa, de 4%?
Os crentes deveriam ler com cuidado as cláusulas do contrato antes de entregar as suas almas.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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