Projeto que deve ser levado ao ministro da Saúde facilita os reajustes por faixa etária e derruba os prazos máximos de espera, entre outras medidas
Está no forno de um consórcio das grandes operadoras de planos de saúde um projeto destinado a mudar as leis que desde 1998 regulamentam esse mercado. Chama-se “Mundo Novo”, tem 89 artigos e está trancado numa sala de um escritório de advocacia de São Paulo. O plano é levá-lo para o escurinho de Brasília, deixando-o com o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. Ambos ajudariam o debate se divulgassem o “Mundo Novo” no dia em que chegasse às suas mesas, destampando-lhe a origem.
É a peça dos sonhos das operadoras. O projeto facilita os reajustes por faixa etária, derruba os prazos máximos de espera, desidrata a Agência Nacional de Saúde Suplementar e passa muitas de suas atribuições para um colegiado político, o Conselho de Saúde Suplementar (Consu), composto por ministros e funcionários demissíveis ad nutum.
Irá para o Consu a prerrogativa de decidir os reajustes de planos individuais e familiares, baseando-se em notas técnicas das operadoras (artigos 85 e 46) e não nos critérios da ANS. Cria a girafa do reajuste extraordinário, quando as contas das operadoras estiverem desequilibradas. Uma festa.
A ANS perderá também o poder de definir o rol de procedimentos obrigatórios que as operadoras devem oferecer. Essa atribuição passa para o Consu, que não tem equipe técnica, mas pode ter amigos. Desossada, a ANS perderá também o poder de mediação entre os consumidores e as operadoras. (Tudo isso no artigo 85.)<SW>
Há uma gracinha no artigo 43. Ele determina que os hospitais públicos comuniquem “imediatamente” às operadoras qualquer atendimento prestado a seus clientes para um eventual ressarcimento ao SUS. Exigir isso de uma rede pública que não atende os doentes de seus corredores é uma esperteza para não querer pagar à Viúva o que lhe é devido.
O melhor momento do projeto “Mundo Novo” está no artigo 71. Hoje, se uma pessoa quebrar a perna e não for atendida, a operadora é multada. Feita a mudança, só serão punidas “infrações de natureza coletiva”. Por exemplo, se a empresa tiver deixado de atender cem clientes com pernas quebradas. As operadoras finalmente realizarão seu sonho, criando um teto para a cobrança de multas. Elas nunca poderão passar de R$ 1,5 milhão. Com isso, estimula-se a delinquência.
No papelório do “Mundo Novo” não há um só artigo capaz de beneficiar os consumidores.
Vasily Grossman e o século soviético
Para os adoradores da obra do escritor e repórter russo Vasily Grossman (1905-1964), autor do épico “Vida e destino” e personagem de “Um escritor na guerra”, saiu nos Estados Unidos um bom livro. É “Vasily Grossman and the Soviet Century”, um retrato desse grande romancista e de sua vida enfrentando a censura comunista, as tropas nazistas e as mesquinharias do mundo literário.
Grossman foi da batalha de Stalingrado à tomada de Berlim, passando pelo campo de extermínio de Treblinka. Sua mãe foi morta pelos alemães, sua mulher foi presa pelos soviéticos e os originais de “Vida e destino” foram confiscados pela censura. (Levaram até os carbonos.) Esse grande escritor viu no mundo o que poucos perceberam. Comparou o regime soviético ao nazista e retratou a lógica da desumanidade. Em 1945, quando se festejava a vitória, guardou consigo alguns carimbos que estavam na mesa de Hitler, mas não quis testemunhar a cena da rendição alemã, pois já vira o suficiente. Mais tarde, não quis ir ao julgamento de Nuremberg. (Em qualquer dia do outono de 1941 morreram mais prisioneiros russos do que todos os prisioneiros americanos e ingleses ao longo de toda a guerra.)
Popoff transcreve o relato de Grossman de seu encontro, em 1962, com Mikhail Suslov, o ideólogo-chefe do regime. Eles conversaram por três horas. Suslov, que não havia lido os originais confiscados de “Vida e destino”, disse-lhe que o livro teria o efeito de “uma bomba atômica” para o regime soviético. Grossman morreu sem ver sua obra publicada.
Ele foi acima de tudo um grande repórter e construiu seu romance com as anotações e entrevistas colhidas no dia a dia. É de Grossman a melhor distinção da qualidade dos correspondentes de guerra. Há dois tipos, o que vai para a trincheira e o que fica no quartel do comandante. O primeiro rala com as chefias porque atrasa seus textos e manda histórias inconvenientes. O segundo sempre cumpre os horários e confirma o que dizem as autoridades.
Cabral busca um ninho
O Ministério Público se recusou a negociar um acordo de delação de Sérgio Cabral.
Ele está tentando com a Polícia Federal.
Dallagnol e seu ‘agora ou nunca’
Lidas em bruto, as mensagens obtidas pelo Intercept Brasil podem saturar ou até confundir um curioso. Olhadas no contexto em que aconteceram, chegam a surpreender.
No dia 24 de outubro do ano passado o procurador Deltan Dallagnol escreveu o seguinte para seus colegas:
“Caros, Jaques Wagner evoluiu? É agora ou nunca... Temos alguma chance?. (...) Isso é urgentíssimo. Tipo agora ou nunca kkkkk.”
Dallagnol queria que se fizesse uma operação de busca e apreensão em cima do ex-governador da Bahia, que acabara de se eleger para o Senado.
Uma procuradora argumentou que isso já havia sido feito e “nem sei se vale outra”. Dallagnol respondeu:
“Acho que se tivermos coisa pra denúncia, vale outra busca e apreensão até, por questão simbólica”.
O que haveria de simbólico num teatro da polícia varejando a casa de Jaques Wagner?
Até julho ele havia sido o Plano B do comissariado petista como alternativa de candidato à Presidência. Eleito senador pela Bahia, Jaques Wagner entrou na segunda semana de outubro tentando costurar uma frente de apoio a Fernando Haddad para o segundo turno. A conversa de Dallagnol com os procuradores aconteceu quatro dias antes da votação.
Uma operação de busca e apreensão na casa do petista que tentava moderar as bandeiras vermelhas estava para lá de simbólica. Quando Dallagnol diz que o assunto era “urgentíssimo”, “tipo agora ou nunca”, queria a cena para já.
A turma da Lava-Jato pode dizer que trabalhou com isenção e dentro das normas legais, mas o doutor Dallagnol deve admitir que no dia 24 de outubro estava armando uma cama de gato contra um grão-petista, em busca de algo “simbólico”.
Sinal dos tempos
A embaixada do Brasil em Washington já foi ocupada por gente de fora da carreira.
Rodrigues Alves nomeou Joaquim Nabuco; Getulio nomeou Oswaldo Aranha e o banqueiro Walther Moreira Salles.
Castelo Branco nomeou Juracy Magalhães. Por falar em Castelo, o marechal que demitiu um irmão ficou impassível quando a Marinha negou ao seu filho Paulo a patente de almirante.
Paulo Castelo Branco foi o filho que todo presidente deveria sonhar ter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário