O país parece ruidoso nas redes ou no governo, mas não se movimenta política ou socialmente diante de questão controversa como a Previdência
O país quase inteiro assistiu de modo resignado à aprovação dareforma da Previdência. Na prática e no grosso, espera de modo conformado que a economia dê sinal de vida.
Talvez a reação bestificada ou perplexa fosse esperança modesta e calada em algum alívio próximo. Não é o que parecem dizer pesquisas de confiança econômica, de outros sentimentos da vida e de prestígio do governo, que sugerem desilusão e medo.
Talvez tenhamos chegado à fase de aceitação, como se diz do último estágio do luto, como se não houvesse mais a fazer além de atravessar o deserto de modo paciente. Acabou a era da revolta, 2013-2018?
Claro que esta caricatura de psicologia é apenas um modo tentativo de descrever a pasmaceira, obviamente não um diagnóstico do silêncio. O país parece ruidoso nas redes insociáveis ou no governo e nas demais minorias extremistas, mas não se movimenta política ou socialmente mesmo diante de questão controversa como a Previdência.
Antes da tramitação quase pacífica ou funérea da reforma das aposentadorias e pensões, parecia razoável estimar que o plano de mudanças previsto para o ano causasse conflito. Vai?
A reforma tributária pode ser racionalização econômica, como a previdenciária, mas também provoca perdas ou ganhos, talvez ainda mais evidentes. Haverá quem pague mais e menos impostos, empresas e cidadãos. A ideia temerária de acabar com os gastos obrigatórios em saúde e educação, que vem por aí, é caso análogo.
No conflito entre elites econômicas devido a mudanças nos impostos ou mesmo à reforma de carreiras e salários de servidores, talvez se escute algum barulho. O povo em geral e o miúdo em particular assistirá bestificado ao resto da parada das reformas? É uma grande pergunta para o resto deste ano ou de governo, tão difícil de responder quanto é prever os danos do próximo desvario ou remelexo ultradireitista do bolsonarismo.
No mais, haverá questões sérias que não causam comoção popular, como a decisão do futuro da taxa de juros (caso a Selic não vá de 6,5% a 5% até o fim do ano, o Banco Central estará promovendo arrocho grátis e caro, tudo mais constante). Haverá um pacotinho econômico para o curto prazo, uma aguinha para ajudar a travessia do deserto, como a liberação de dinheiro de Pis/Pasep e FGTS. Mata a sede até o ano que vem?
Embora as previsões econômicas dos dois últimos anos, por aí, tenham sido horrendas bolas fora, na média não parece que a economia vá crescer além do ritmo anual de 1% ao ano até o Carnaval de 2020, se houver Carnaval. Teremos então chegado a seis anos de depressão.
Haverá “fadiga de reformas” com efeito prático? A pergunta nem é tão ociosa, porque até economistas-padrão, ditos ortodoxos, começam a especular sobre a possibilidade ou necessidade de algum estímulo para que a economia pegue no tranco (gasto extra do governo, em investimento).
Há, porém, quem preveja que um passeio de reformas possa antecipar a retomada do crescimento. O silêncio nacional seria então de ouro.
Mais seguro dizer que, na falta de alternativa política considerável, respeitável e razoável, resta aos insatisfeitos chorar no cantinho. Pelo andar da carruagem, o país vai ser virado do avesso socioeconômico sob a anestesia da depressão e da catatonia da oposição mais incapaz e desinformada de que se tem notícia.
Enfim, este jornalista vai esperar sentado e de férias o milagre do crescimento. Até agosto.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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