segunda-feira, julho 15, 2019

Num só dia, o Deltan contador do Paraíso e o mundano das mulheres-laranjas - REINALDO AZEVEDO

UOL - 15/07


Nas páginas dos jornais deste domingo — ou em suas respectivas edições eletrônicas —, havia dois Deltans: o Dallagnol que é contador do Paraíso concedeu uma entrevista ao Estadão. Nunca houve homem mais reto do que ele. Ainda se atreve a falar como um missionário. Já o Dallagnol que está nos diálogos publicados pela Folha é um tantinho mais mundano, não é mesmo? Só em 2018, estimou em R$ 400 mil o ganho líquido com palestras, R$ 100 mil a mais do que recebeu como procurador — carreira que está no topo entre as funções de Estado.

Mas, como evidenciam as conversas reveladas pelo "The Intercept Brasil" e pela "Folha", Deltan quer muito mais. E faz planos, em parceria com Roberson Pozzobon, o Robinho, outro jacobino da operação, para aumentar os ganhos. Mais do que isso: ambos envolvem suas respectivas mulheres num plano para aumentar exponencialmente o lucro pessoal e privado decorrente de sua atividade pública sem levantar suspeitas.

E, ora vejam, esses são dois dos patriotas que respondem pela operação que destruiu parte considerável da classe política brasileira; que tem levado o Poder Judiciário a desrespeitar de maneira flagrante o ordenamento jurídico do país; que empurrou o Ministério Público para uma verdadeira militância em favor de ilegalidades; que tem destruído empresas e empregos com uma fúria impressionante; que transformou a boçalidade reacionária em uma espécie de norte moral.

A parceria ilegal dos procuradores com o então juiz Sérgio Moro já foi escancarada. E é certo que surgirão novas evidências de agressão à Constituição, ao Código de Processo Penal, ao Código de Ética da Magistratura e ao devido processo legal. O material divulgado neste domingo, no entanto, cuida de outra coisa, bem mais universal e mundana: do apetite para lucrar, ainda que esse lucro seja consequência direta dos sortilégios que colheram os brasileiros.

Ao Estadão, Deltan especula sobre quem estaria na origem da captação de suas conversas no Telegram:

"O interesse é anular condenações e barrar o avanço da investigação. A operação atingiu muitos poderosos e detentores do poder econômico. Poderia ser qualquer um deles, além dos corruptos que ainda não foram alcançados pela Lava Jato."

Que gente má, não é mesmo?

Na Folha, lemos a conversa de Deltan com Fernanda, sua mulher, referindo-se a Amanda, parceira do procurador Pozzobon, que chama de "Robito":
"Você e Amanda do Robito estão com a missão de abrir uma empresa de eventos e palestras. Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade."

E Deltan tranquiliza aquela que Sergio Moro chamaria de sua "conge". Ninguém precisa se preocupar em ganhar o pão com o suor do rosto. Diz ele:
"Vocês não vão ter que trabalhar. Contratam uma empresa para organizar o evento".

Ou por outra: o coordenador da força-tarefa, aquele que diz ao Estadão que corruptos podem estar na origem dos vazamentos, sugere a seu interlocutor e respectivas "conges" um meio de driblar as restrições e a fiscalização. A isso a Lava Jato e o Ministério Público costumam chamar "laranjas".

Uma vez criada a empresa, Deltan especula sobre vários meios de ganhar dinheiro: associando-se a uma empresa de palestras e a uma outra de formaturas, de seu tio — ele só não prometeu dançar a valsa —, ou ainda dedicando-se ao ramo de eventos motivacionais, em parceria com uma empresa da área chamada "Conquer". Ele chega até a dar nomes a possíveis "aulas", com todas as aspas, que ele e Robinho ministdrariam. Prestem atenção:
1) Empreendedorismo e governança: seja dono do seu negócio e saiba como governá-lo;
2) Negociação: domine essa habilidade ou ela vai dominar você;
3) Liderança: influencie e leve seu time ao topo
4) Ética nos negócios e Lava Jato: prepare-se para o mundo que te espera lá fora.


É de embrulhar o estômago. O homem de Estado que responde pela operação que destruiu a indústria de construção de base no Brasil quer ensinar empreendedores da iniciativa privada; aquele que sempre contou com o instrumento da prisão preventiva para fazer valer a sua vontade quer dar aula de negociação; o que sugere ao futuro sócio lucrar com empresa em nome das respectivas mulheres quer ensinar "ética nos negócios". E, como se nota, o nome "Lava Jato" serve de chamariz.

Como está falando entre os seus, ele não esconde o jogo:
"Cada palestra teria que ser muito bem desenhada, ter uma pegada de pirotecnia e ainda dependeríamos de uma boa divulgação. Todas as palestras deixariam um gostinho de quero mais (tempo limitado) e direcionariam pra Conquer, com retorno de percentual sobre cada aluno que se inscrever no curso da Conquer nos 4 meses seguintes."

Dallagnol a defender o uso da Lava Jato para enriquecer — e é disso que se trata — mal disfarça a picaretagem intelectual, estampada já no título de suas aulas.

Ao Estadão, ele diz não se arrepender de nada. Afirma:
"É sempre possível aperfeiçoar os trabalhos, mas os repetiria, mesmo sabendo do alto preço pessoal pago por confrontar ricos e poderosos"

A expressão "alto preço" só faz sentido se designar os R$ 400 mil líquidos obtidos com palestras em 2018, valor que Deltan acha pouco, daí as estratégias que desenhou para ganhar mais dinheiro.

E, como a gente nota, a sua tendência mesmo é ser professor de ética.

Com pirotécnica, claro!, e gostinho de "quero mais".

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