Relator da reforma quer vender a prataria para pagar o almoço
O debate na economia está centrado na eventual estratégia do governo para estimular o investimento e, com ele, o crescimento.
Há um diagnóstico claro, feito pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos, e compartilhado por alguns outros economistas, que trata da grande complementaridade entre os investimentos público e privado. Campos compara a economia a um avião com uma turbina que é o mundo público, e a outra, o mundo privado. Ao desligar a primeira e, com credibilidade, ligar a segunda, haveria a transferência de energia capaz de manter o avião na mesma velocidade.
Ao derrubar o investimento público federal de R$ 100,6 bilhões em 2014 para quase a metade, R$ 53,9 bilhões, em 2018, imaginou-se que o setor privado ocuparia esse espaço e garantiria o crescimento, o que ainda não ocorreu.
Estão ambas as turbinas desligadas. E, segundo Campos, só a credibilidade (do governo) e a confiança (de consumidores e empresas) vão reverter o quadro.
Há quem avalie que a reforma da Previdência, com a economia em torno de R$ 900 bilhões em dez anos, será capaz de injetar confiança nos mercados, animar os investidores privados a desengavetar seus planos. E há os que consideram a reforma necessária, mas não suficiente para estimular a expansão dos investimentos e, consequentemente, retomar o crescimento. Para estes, há muito mais a consertar, inclusive para se ter uma trajetória fiscal sustentável, antes que isso ocorra. É preciso sanar, também, o ambiente de insegurança jurídica que atrapalha, e muito, os planos de investimentos.
Surge, em meio a ansiedade para se fazer algo que evite o país cair de novo em recessão, proposta para redução adicional da taxa Selic (de 6,5% ao ano), cada dia com mais seguidores, como combustível para ligar a turbina do mundo privado; e de uso de um pedaço das reservas cambiais para fazer política fiscal anticíclica, dentre outras.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou, que vai liberar mais uma parte das contas inativas e ativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep para que esse dinheiro, algo em torno de R$ 22 bilhões, aqueça o consumo. Essa é uma medida de fôlego curto para a expansão da demanda, mas, diante da situação, não se recusa nada. Ademais, o FGTS é uma poupança forçada e muito mal remunerada do trabalhador.
O Tesouro Nacional vai ter, no fim do ano, uma receita líquida extraordinária de cerca de R$ 50 bilhões, como resultado da repactuação da cessão onerosa de petróleo. Como se trata de uma receita primária e não se pode aumentar o gasto pela lei do teto, esse recurso seria usado para abater o déficit primário. Sendo uma receita extraordinária, ela reduziria o rombo deste ano, mas não afetaria o déficit do próximo. Talvez fosse melhor usar parte desses recursos para investimentos, mas sempre há o limite do teto, a não ser que se tenha um arranjo legal para não ferir a lei do teto do gasto. Afinal, o país ainda tem umas 7 mil obras começadas e não concluídas.
Reforma da Previdência
No parecer da reforma da Previdência, divulgado ontem, o relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), extingue a transferência de 40% dos recursos do PIS/Pasep ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), prevista no artigo nº 239 da Constituição. Ele destina esses recursos, até então usados para financiar investimentos, ao pagamento dos gastos correntes da Previdência Social.
Essa é uma medida equivalente à família que vende a última prataria da casa para pagar o almoço.
Até agora o ministro da Economia, Paulo Guedes, não disse o que quer do BNDES. Sobre o banco, ele fala apenas que espera para este ano a devolução de cerca de R$ 126 bilhões dos recursos emprestados pelo Tesouro Nacional no governo do PT. Na proposta original da reforma da Previdência o próprio governo sugeriu a redução de 40% para 20% da receita do PIS/Pasep que vai para o banco.
O relator, porém, resolveu acabar de uma só vez com esse "funding". Fica, portanto, cada dia mais difícil para o BNDES fazer devolução antecipada de recursos.
A instituição de fomento tinha como principal "funding" a receita de 40% do PIS/Pasep, destinada ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). O fundo, que repassava em média R$ 16 bilhões ao ano para o banco, hoje é deficitário e pede a devolução de cerca de R$ 20 bilhões nos próximos meses. Mas essa parecia ser uma situação temporária, fruto da queda das receitas com impostos e contribuições pela inércia da economia.
A iniciativa de retirar, de uma penada, o único dinheiro público que o BNDES recebe reforça a preocupação da diretoria da instituição em preservar pelo menos o capital correspondente a 25% da carteira de empréstimos. Esse é o padrão de capitalização das instituições multilaterais, como o Banco Mundial.
Foi do então deputado José Serra (PSDB-SP) - tucano tal como o relator - a autoria do artigo da Constituição que destacou 40% da receita do PIS/Pasep para o BNDES.
Falta uma definição do governo sobre o que ele quer do BNDES, de que tamanho ele deve ser e que função vai desempenhar. Não basta o ministro da Economia dizer que quer um banco "magrinho".
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