O mistério terminou: o relator da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentou, enfim, seu parecer, com modificações em relação ao projeto enviado pelo governo federal em fevereiro. Algumas delas já eram muito previsíveis, como a manutenção das regras atuais para aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada, derrubando as mudanças propostas por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Outras acabaram revertendo o cenário que parecia mais provável – caso da presença dos funcionalismos estaduais e municipais na reforma, pois Moreira tinha decidido esperar a manifestação conjunta dos governadores em favor da inclusão, sinal de que ele atenderia o pleito, conforme queria o Planalto; mas, no fim, prevaleceu a pressão de deputados pela retirada.
Tantas foram as emendas e tão radicais eram algumas propostas de mudança que podemos dizer que o relatório de Moreira poderia ter sido muito pior. O coração da reforma passou praticamente intacto por essa etapa: a instauração de idades mínimas para requerer a aposentadoria e a igualdade de regras para os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos (da União, por enquanto). O relator alterou apenas o tempo mínimo de contribuição exigido das mulheres, que passou de 20 para 15 anos. As regras de transição propostas pelo governo foram mantidas, e Moreira acrescentou mais duas, uma para servidores e outra para o setor privado.
É preciso garantir a aprovação no plenário da Câmara ainda antes que os deputados saiam em recesso
O resultado das mudanças feitas pelo relator é uma redução de cerca de 25% no impacto previsto inicialmente pelo governo. De uma economia de R$ 1,24 trilhão em dez anos, passou-se para R$ 913 bilhões. No entanto, Moreira incluiu no parecer uma nova fonte de recursos para a Previdência: dinheiro do PIS-Pasep que hoje abastece o Fundo de Amparo ao Trabalhador, cuja arrecadação estimada em dez anos é de R$ 217 bilhões. Com isso, a economia final voltaria a superar R$ 1 trilhão, cumprindo a condição imposta por lideranças do governo para aceitar o parecer.
É de se lamentar, especialmente, a decisão de retirar da reforma os funcionalismos de estados e municípios, muitos deles quebrados ou a caminho da insolvência. A alegação foi a de que isso facilitaria a aprovação do relatório na Comissão Especial, mantendo a possibilidade de recolocar esses servidores por meio de emenda no plenário da Câmara. Um cálculo arriscado – afinal, se o plenário estaria disposto a aceitar a inclusão dessa categoria, por que a Comissão Especial também não estaria? –, mas que deixa mais tempo a governadores para convencer suas bancadas.
Outra mudança significativa é a retirada da previsão de migração para um sistema de capitalização no longo prazo, em substituição ao regime atual de repartição. De fato, o projeto do governo pecava ao não definir em detalhes como seria essa previdência no futuro, e talvez retirá-lo do texto agora ajude a evitar discussões desnecessárias ao longo da tramitação da PEC. Mas não podemos nos enganar: a dinâmica demográfica do país, que terá cada vez menos jovens e cada vez mais idosos, pode tornar inviável até mesmo um sistema de repartição com regras mais duras para a aposentadoria. Mais cedo ou mais tarde será preciso voltar a discutir a capitalização.
Vencida a etapa da elaboração do parecer, cabe à Comissão Especial trabalhar com celeridade para que o texto possa ir ao plenário o quanto antes, para garantir a aprovação na Câmara ainda antes que os deputados saiam em recesso, em meados de julho. Infelizmente, com a “vista coletiva” correspondente a duas sessões concedida pelo presidente da comissão, Marcelo Ramos (PL-AM), o feriado de Corpus Christi e as festas juninas podem atrapalhar a tramitação, justamente quando o momento pede responsabilidade com o país acima de tudo. O momento é de trabalho duro e intenso porque o Brasil não pode continuar em compasso de espera, em dúvida sobre o futuro fiscal da nação. Que os deputados percebam essa urgência e não desperdicem tempo valioso.
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