A tecnologia nos lembra diariamente da nossa própria obsolescência
Como todo mundo, sou assolado por ofertas pela internet. Uma amiga recebeu, durante meses, mensagens sobre como aumentar o pênis e custou a descobrir como bloqueá-las. A avó dela distraiu-se e fez assinaturas de revistas de que não precisava, como Vela e Motor, MMA World e Aprenda a Falar Mandarim. No meu caso, são os leiloeiros. Recebo três ou quatro catálogos de leilões por dia, de antiguidades, numismática ou colecionismo. Fico me perguntando quem disputa tantos Laliques e Gallés, poncheiras de opalina, licoreiras de cristal, porta-ovos de porcelana, patacas do Primeiro Reinado e flâmulas de Cambuquira.
Mas, há dias, certo leilão me chamou a atenção. Oferecia “LPs de 78 rotações”, com quatro peças não identificadas em cada lote. Acontece que nunca existiram “LPs de 78 rotações”. Os LPs, com seis faixas de cada lado, eram de 33 rotações por minuto —informação que, de 1950 a 1990, quando eles dominaram gloriosamente o mercado, não era segredo para ninguém. Os discos avulsos, quebráveis, com duas músicas, é que eram de 78 rotações.
Da mesma forma, alguém se referiu há tempos a um “LP de 33 polegadas”. O que seria? Se a matemática não falha, 33 polegadas são cerca de 84 cm. De que tamanho seria um toca-discos capaz de tocar um LP com quase um metro de diâmetro? A pessoa queria dizer, naturalmente, um LP de 33 rotações. O qual, por sua vez, era um disco de 12 polegadas —a não ser confundido com os compactos, aqueles pequenininhos, de 7 polegadas. Eram números tão conhecidos que nem se pensava neles.
Incrível como a memória sobre objetos que bilhões de pessoas manusearam e amaram até há menos de 30 anos já está perdida. Em breve, ninguém mais saberá descrever também como funcionava um CD.
Para isto serve a tecnologia. Para nos lembrar diariamente da nossa própria obsolescência.
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