Desigualdade também prejudica os privilegiados
A reforma da Previdência continua no centro do debate político brasileiro. Recentemente, o FMI divulgou dados mostrando que, em 2018, o Brasil perdeu participação global pelo sétimo ano consecutivo, passando de 7º para 8º lugar no ranking das economias mundiais. Para além dessa queda, a preocupação dos economistas é a nossa falta de crescimento econômico.
No entanto, essa questão envolve uma reflexão de múltiplas dimensões. E é Christine Lagarde, diretora administrativa do próprio FMI, quem alerta, em artigo à revista Economist, sobre o papel dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que se justapõem às responsabilidades do FMI, na medida em que afetam o crescimento financeiro sustentável e inclusivo.
Ao destacar o aumento das desigualdades dentro dos países, Christine destaca: "A desigualdade enfraquece a ideia de uma sociedade meritocrata, em que uma pequena minoria ganha acesso aos muitos benefícios tangíveis e intangíveis, necessários para estar à frente, seja na educação, no enriquecimento cultural ou em boas conexões. Essa exclusão, pela qual a desigualdade de resultados se alimenta da desigualdade de oportunidades, fere a produtividade, porque priva a economia das habilidades e dos talentos daqueles que são excluídos".
Sem dúvida, o país precisa de uma reforma da Previdência que leve ao equilíbrio das contas públicas e a um ambiente de negócios estável e confiável para que a economia encontre condições para crescer.
Na década de 1970, o lema era que o bolo precisava crescer para depois ser distribuído, o que só começou a se tornar realidade a partir da Constituição de 1988, com os governos democráticos que implementaram políticas sociais, de saúde e de educação. Somos o nono país mais desigual do mundo, e as desigualdades sociais intensas produzem consequências negativas para todos, inclusive para aqueles que estão em posições privilegiadas.
O estudo "The Equality Trust", editado em Londres e Nova York, comparou dados de mais de 20 países e também dos 50 estados americanos, demonstrando por que maior igualdade é melhor para uma melhor qualidade de vida. Repleto de gráficos e estatísticas quantitativas, o estudo demonstrou que os países mais desiguais têm economias mais instáveis, estão mais propensos a crises e são mais fechados à mobilidade social.
O aumento das desigualdades está relacionado a maiores taxas de crimes contra a propriedade e a maiores taxas de homicídio. Viver em sociedades mais desiguais causa mais estresse e ansiedade, enquanto a vida em sociedades mais igualitárias está mais associada a maior expectativa de vida, menor probabilidade de doenças mentais, mais confiança, participação e felicidade.
Nesse contexto, a reforma da Previdência traz intrinsecamente o debate sobre qual sociedade brasileira queremos construir, não porque a discussão da oposição seja ideológica, como afirma o governo, mas porque todas as posições são ideológicas nesse debate.
A questão está nas nossas mãos: queremos continuar como uma sociedade atrasada e distante dos países desenvolvidos, como escreveu Elio Gaspari nesta Folha em 30 de janeiro, uma sociedade conservadora, ou desenharemos uma reforma justa, que leve em conta a redução das desigualdades? Vai muito além do bom-mocismo. É uma questão de igualdades e de escolha de posicionamento. Vale lembrar que erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais estão entre os objetivos da Constituição.
Cabe a cada um de nós uma reflexão com uma participação em seu âmbito de atuação, seja na família, em organizações da sociedade civil, em empresas ou na política. Só assim estaremos construindo cidadania.
Maria Alice Setubal
Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), presidente do conselho da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)
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