Sabe-se a agenda negativa da coalizão vitoriosa, mas qual é a positiva?
A última eleição revelou que boa parte da população está indignada.
Há emprego de menos em um ambiente de negócios que penaliza a produção. O dinheiro público acabou há anos, mas os grupos organizados resistem a abrir mão de seus benefícios. Enquanto isso, o setor privado que paga a conta fica atordoado com o custo da máquina pública e as intermináveis obrigações impostas pela burocracia.
Como em outros países, essa indignação foi canalizada para uma revolta contra a política tradicional. Há bons motivos, como o imenso fracasso da intervenção estatal na economia e a longa recessão em meio aos intermináveis escândalos de corrupção.
A última campanha, no entanto, teve um componente a mais. Ambas as candidaturas para a Presidência no segundo turno tratavam o outro lado como inimigo imoral, autoritário e com projeto de dominação típico das guerrilhas.
Trata-se da velha retórica populista em que a coalização se organiza em oposição a um inimigo, criando um confronto sem mediação possível. O único desfecho aceitável passa a ser eliminar o outro lado, excluí-lo da política. A nova direita denunciou a China e o marxismo cultural da mesma forma que a velha esquerda maldizia o imperialismo e os economistas neoliberais.
A coalizão vitoriosa sofre os efeitos colaterais da sua estratégia. Sabe-se a sua agenda negativa, derrotar o inimigo. Mas qual é a agenda positiva? Quais são as propostas, por exemplo, para educação ou saúde?
O discurso populista unificou os revoltados, mas foi pouco claro sobre o que seria feito no dia seguinte à eleição. O resultado é a ebulição de conflitos dentro da própria coalizão sobre temas essenciais da política pública.
Afinal, a política econômica será liberal de verdade, ou o governo vai continuar a sucumbir aos grupos de pressão, como no caso dos caminhoneiros? Haverá reforma ampla da Previdência, incluindo todos os servidores públicos? Serão revistos subsídios e as regras tributárias? Vamos começar a discutir com o cuidado necessário os problemas e as implicações das diversas propostas? Ou o governo vai insistir em bravatas que revelam despreparo?
Em países com a economia em ordem, como os Estados Unidos, em que o Executivo pouco interfere, governos populistas podem se restringir à retórica que anima a torcida organizada.
No caso do Brasil, porém, a ausência de reformas significa volta da crise. Já gastamos tempo demais com futricas e conversas de botequim. Enquanto isso, o desemprego não cai e a economia anda de lado. Há muito barulho e pouca melhora.
A campanha acabou e há trabalho a ser feito. Hora de começar a dialogar para construir soluções. O barco é um só.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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