Jair Bolsonaro endossou e ratificou todas as críticas que Carlos Bolsonaro, um de seus filhos, fez, faz e fará a Hamilton Mourão, vice-presidente da República e, por extensão, aos militares. E considerem aí: Carlos, interlocutor de Olavo de Carvalho, o guru de extrema-direita que hoje fustiga os generais, não dá um passo sem consultar o pai. De forma que eu diria até perversa, Rego Barros, general da ativa e porta-voz do presidente, foi obrigado — porque quer; é um absurdo estar nesse cargo — a afirmar o seguinte, reproduzindo palavras do chefe do Executivo: "De uma vez por todas o presidente gostaria de deixar claro o seguinte: quanto a seus filhos, em particular o Carlos, o presidente enfatiza que ele sempre estará a seu lado. O filho foi um dos grandes responsáveis pela vitória nas urnas, contra tudo e contra todos". Traduzindo: a Presidência da República é uma empreitada familiar, e nem mesmo o interesse nacional e do conjunto dos brasileiros faria Bolsonaro opor-se ao filho. Não faltou nem mesmo uma nota de dramaticidade brega, mas de perigo político extremo. Segundo Rego Barros, o presidente afirmou sobre o filho: "É sangue do meu sangue". Só ontem, Carlos postou oito tuítes em seu perfil contra o general.
Há 20 dias adverti para a tentação de agitar quarteis
No dia 5 deste mês, numa coluna da Folha intitulada "Não vai ter golpe, vai ter luta", escrevi o seguinte:
Fique avisado o leitor que anda descolado da realidade de Brasília e dela só tem notícia quando ecos de um funk já antigo trata de "tigrões" e "tchutchucas": nos "becos e nos breus das tocas" da capital federal de Banânia, que são os corredores dos palácios, já se fazem apostas: será Bolsonaro só o boneco de mamulengo do Partido Militar, que resolveu se reestruturar, ou ele próprio, insuflado por meia dúzia de reacionários delirantes, está a mandar recados para os "cabos" da hora, tentando colá-los a seu "capitão"?
A julgar pelo tratamento dispensado pelo autoproclamado filósofo e professor Olavo de Carvalho aos generais do governo —e, por extensão, aos da ativa— e pela reverência de Bolsonaro e filhos ao Bruxo da Virgínia, dada a hipótese de golpe, parece que o próprio presidente da República se mostraria disposto a "ir aos bivaques para bulir com os granadeiros".
Conversas sobre golpes só prosperam quando aqueles que deveriam proteger as instituições, e vale também para a imprensa, se dispõem a pegar pedras para depredá-las. Aí qualquer figurante de quinta categoria, alçado a ator principal, se sente estimulado a ir aos bivaques para bulir com granadeiros. Em contexto novo, é preciso, sim, que nos demos conta de que "o preço da liberdade é a eterna vigilância".
Há 20 dias, Olavo de Carvalho ainda não havia esculhambado os militares, e Carlucho não havia postando suas ofensas no canal de Youtube de seu pai e nas suas próprias páginas. Que fique claro: a extrema-direita bolsonarista investe na eliminação de qualquer barreira entre o líder e o povo. Entre os empecilhos, estão os Poderes da República e, vejam que coisa!, os próprios militares. Sim, há quem sonhe com um autogolpe, com os quarteis rebelados, fiéis ao capitão, não ao comando das respectivas Forças. É delírio? É. Mas o que não é em meio a essa confusão?
Um dos tuítes expõe um dos delírios da extrema-direita
Tuíte em que Carlos censura o general Mourão por ter feito e dito a coisa certa sobre a Venezuela
Bolsonaro expressou por meio do porta-voz seu apreço não mais do que formal a Mourão, que preferiu baixar a bola, afirmando que "quando um não quer, dois não brigam". O presidente estaria disposto a investir no entendimento entre seu filho e o vice. É conversa mole. Reitero: só no Twitter, Carlos desferiu ontem oito petardos contra o vice-presidente. Um deles é mais eloquente do que parece. Ele retira do contexto uma entrevista do Mourão, em que o vice explica por que Nicolás Maduro resiste no poder. Afirmou:
"Enquanto ele [Nicolás Maduro] tiver apoio militar, a população, que é de oposição e contrária a Maduro, está desarmada". E acrescentou: "E tem de estar, né?, senão nós vamos para uma guerra civil na Venezuela que seria horrível para o Hemisfério como um todo". Segundo Carlos, Mourão estaria tirando dos venezuelanos a sua última esperança.
Por que isso é especialmente importante? Lembrem-se de que o olavista Ernesto Araújo, chanceler, da turma de Carlos, queria oferecer o território brasileiro para tropas americanas intervirem na Venezuela. O próprio Bolsonaro evitou descartar o apoio brasileiro a uma ação dos EUA no país vizinho, o que os militares brasileiros consideram inaceitável. Mourão está certo. Uma guerra civil na fronteira com o Brasil transformaria o subcontinente num palco de lutas de três potências militares: EUA, Rússia e China, com o risco de reacender o terrorismo das Farc. Quem vocês acham que reúne mais informações sobre a questão: Mourão e os generais brasileiros, que se opuseram a qualquer intervenção, ou o trio Carlucho, Ernesto e Olavo de Carvalho?
A crítica de Carlos a Mourão evidencia a qualidade de quem ataca e de quem é atacado. Notem que o filho do presidente, com quem o pai afirmou estar em aliança inquebrantável, quer a guerra. Tanto na Venezuela como com o vice. Enquanto o tiroteio acontecia, Rodrigo Maia, presidente da Câmara (DEM-RJ) e virtual primeiro-ministro, ao menos para alguns assuntos, garantia a aprovação do texto da reforma na Comissão de Constituição e Justiça. O Brasil real e urgente passava longe do presidente e de seu 23º e mais poderoso ministro: Carlos Bolsonaro.
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