Elas podem fazer muito mais do que estão fazendo para combater as notícias mentirosas
O debate sobre a responsabilidade do Facebook e outras redes sociais ganhou contornos mais concretos na segunda-feira passada. A empresa Unilever, uma das maiores anunciantes do mundo, informou que cortará os investimentos de publicidade nas redes sociais se elas não combaterem fake news, publicações de ódio ou conteúdos tóxicos em suas plataformas. No ano passado, a empresa investiu US$ 9,4 bilhões em ações de marketing, tendo destinado cerca de um terço desse valor a anúncios digitais.
Como lembrou Keith Weed, diretor da Unilever, a confiança nas mídias sociais caiu diante da evidência de que as empresas de tecnologia não estão retirando de suas plataformas conteúdos ilegais, antiéticos e extremistas. “Fake news, racismo, sexismo, terroristas espalhando mensagens de ódio, conteúdo tóxico dirigido a crianças... A Unilever, como uma empresa confiável, não quer anunciar em plataformas que não contribuem positivamente para a sociedade”, disse Weed, que não se referiu a uma plataforma específica.
No ano passado, várias empresas europeias e até o governo da Grã-Bretanha decidiram retirar seus anúncios do Google e do YouTube depois que se soube que as peças eram exibidas ao lado de conteúdo inapropriado, com mensagens extremistas de diversos tipos. Mark Pritchard, diretor de marca da Procter & Gamble, reclamou que anúncios da marca tinham aparecido junto a vídeos de recrutamento do Estado Islâmico, dando a impressão de que a empresa apoiava a organização terrorista.
A reação da Unilever aponta, no entanto, para uma questão mais abrangente e ainda mais grave. O problema não se resume a eventuais erros do algoritmo utilizado pelas redes sociais, expondo anúncios comerciais ao lado de conteúdo inapropriado. Trata-se de um alerta sobre o ambiente encontrado nas redes sociais. Ao alertar que, se não houver um combate à difusão de notícias mentirosas e publicações de ódio, cortará seus investimentos nas mídias sociais, a Unilever afirma que as redes sociais podem fazer mais do que estão fazendo - e que essa omissão é inadmissível.
Não há dúvida de que as redes sociais têm sido ambiente fértil para a difusão de notícias mentirosas, com graves consequências políticas e sociais. Recentemente, até o Facebook reconheceu que podia causar danos à democracia. “As redes sociais podem apresentar um risco à democracia ao permitir a divulgação de mentiras”, disse Samidh Chakrabarti, diretor de produto e responsável pelas políticas globais da empresa. Na ocasião, ele prometeu que o ano de 2018 seria dedicado a neutralizar os riscos causados pela rede social.
No entanto, as empresas que controlam as redes sociais continuam atuando como se o problema não as afetasse diretamente. Querem fazer crer que a responsabilidade pela difusão de notícias mentirosas e de conteúdo antiético caberia tão somente aos maus usuários. As redes sociais seriam, em último termo, ambientes de liberdade e, como tais, imparciais.
Tal visão das coisas, é óbvio, não corresponde à realidade. As redes sociais não são imparciais. Seus algoritmos interferem decisivamente no que cada usuário vê. A ausência de neutralidade foi reconhecida, por exemplo, pelo Facebook ao anunciar, no início do ano, que passaria a privilegiar, no mural de notícias (a timeline), o tráfego de postagens pessoais em detrimento de publicações produzidas por veículos de comunicação. Ou seja, é a empresa que define como será a suposta “neutralidade”.
As redes sociais podem fazer muito mais do que estão fazendo para combater as notícias mentirosas. E o primeiro passo é reconhecer que não se trata apenas de uma possibilidade, mas de um dever. Elas são responsáveis por assegurar que suas plataformas não sejam um ambiente de criminalidade, de abuso de poder, de desinformação. Se continuarem se omitindo, a consequência é cristalina, como indicou a Unilever. Receberão cada vez mais de pessoas e de empresas a alcunha de inidôneas.
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