O enunciado ‘segurança pública’ é o mais sensível ao brasileiro real. Qualquer movimento que lhe seja relativo e que insinue avanço mobiliza esperanças
No exato instante em que Michel Temer assinou o decreto da intervenção federal no Rio de Janeiro: o ano começou — o ano eleitoral de 2018 começou. Não há ator relevante no tablado que não tenha percebido. Geraldo Alckmin — o que joga sempre parado, para quem, até há pouco, o grande tema da campanha seria a dupla emprego e renda — teve de se mexer e mudar: agora é a segurança pública. A questão tomou a frente. Temer tomou a frente. Naquele momento, ao formalizar o decreto, fato novo por excelência, marco deflagrador-acelerador da corrida presidencial, o presidente se impôs como protagonista, o sujeito-matriz que pauta o debate público e exige respostas dos adversários, de súbito, pegos de surpresa, obrigados, como se diz, a correr atrás.
Entramos no delicado terreno da percepção. O enunciado “segurança pública” é o mais sensível ao brasileiro real. Qualquer movimento que lhe seja relativo e que insinue avanço — ruptura no comodismo — mobiliza esperanças e provoca sensações. Jamais acreditei, por exemplo, na viabilidade das Unidades de Polícia Pacificadora. Sempre considerei o projeto uma farsa. Mas nunca desprezei a potência político-eleitoral daquela irresponsabilidade: força por meio da qual, já nos ecos, até Pezão conseguiria se eleger, em 2014, governador do Rio de Janeiro; cortina de fumaça legitimadora por trás da qual a quadrilha de Sérgio Cabral pilhou o estado.
Estamos em ano eleitoral. Quase março. A eleição é em outubro. Daqui até lá: tiro curto. Condições perfeitas a que se explore o impulso perceptivo do cidadão — corrida a cuja vitória um voo de galinha pode bastar. Não importa que a intervenção federal seja, hoje, na prática, mero protocolo de intenções sobre base excepcional; sem, portanto, qualquer conquista palpável. Não importa. Seu simples anúncio, valorizado pela natureza atípica do dispositivo constitucional e pela centralidade concedida ao Exército, deu à questão da segurança pública caráter prioritário — ou criou o ambiente para que assim fosse percebido. Sobre um assunto cuja materialidade pode ser medida em 60 mil homicídios anuais, não será pouco.
É a percepção de que os efeitos político-eleitorais da ação podem ser decisivos — e alterar a impressão das pessoas sobre o presidente — o que orienta, à direita e à esquerda, a reação dos adversários.
Há uma nuance aqui. Não creio que a popularidade de Michel Temer possa reagir de modo a torná-lo competitivo eleitoralmente. Não é esse o ponto. A perturbação está em se o governo Temer, ademais no controle da máquina e desfrutando da capilaridade nacional do MDB, pode — beneficiado por avanços nos indicadores econômicos e por alguma imediata sensação de melhora na área de segurança — chegar a meados do ano como um, talvez o, grande eleitor.
A manifestação — tardia — de Lula a respeito da intervenção passou recibo de apreensão e é altamente significativa de quem acusa o golpe sem ter meios de contra-atacar com ideias. Até então aquele que dava — sozinho — as cartas e ditava o ritmo da pré-campanha, senhor absoluto do jogo, o ex-presidente de repente se viu na defensiva, à margem do debate, desprovido de ferramentas para se contrapor senão reproduzindo o discurso de histéricos como Lindbergh Farias: Temer teria, num golpe de marketing, roubado o programa de Jair Bolsonaro e encontrado para si um veio eleitoral influente. O senador petista Humberto Costa chegou mesmo a dizer que o governo federal, em busca de um mote para 2018, lançara-se a um processo de bolsonarização.
Bolsonaristas não discordarão. Ao contrário: não faltam manifestações — perplexas — de apoiadores do deputado que se sentem afanados no discurso. O próprio Jair Bolsonaro verbalizou o sentimento de homem roubado. É a mais precisa definição — à esquerda e à direita — de colapso narrativo.
A propósito, aliás, de Bolsonaro, e sob o impacto da intervenção federal de Temer em ano eleitoral, convém fazer uma distinção politicamente importante, que independe da qualidade das propostas do deputado federal e do presidente para a segurança pública.
Bolsonaro, o pioneiro, é o que há mais tempo — e longamente sozinho — segura a bandeira do tema. Ele soube identificar, com rara antecedência, aquela que é a maior demanda do cidadão brasileiro — e tem lucrado eleitoralmente com isso. É um mérito. Temer, por sua vez, é aquele que, em decorrência do decreto, anabolizado pela força do cargo que ocupa, tirou os adversários da zona de conforto e, ao trazer para si o enfrentamento prioritário do flagelo também conhecido como segurança pública no Rio de Janeiro, inscreveu-se como o pauteiro da agenda política atual.
Não são poucas as chances de que tenha encontrado, naquele que é estandarte histórico de Bolsonaro, uma identidade para seu governo; uma identidade com vigor para transformá-lo. Goste-se ou não: é política. Goste-se ou não: fica evidente que a diferença está no peso da caneta. Um é candidato a presidente e deputado federal. O outro é o presidente da República.
Não se pode subestimar a máquina, a musculatura do establishment. Essa é uma boa lição — ainda a se aprender — antes que a campanha comece à vera.
Carlos Andreazza é editor de livros
No exato instante em que Michel Temer assinou o decreto da intervenção federal no Rio de Janeiro: o ano começou — o ano eleitoral de 2018 começou. Não há ator relevante no tablado que não tenha percebido. Geraldo Alckmin — o que joga sempre parado, para quem, até há pouco, o grande tema da campanha seria a dupla emprego e renda — teve de se mexer e mudar: agora é a segurança pública. A questão tomou a frente. Temer tomou a frente. Naquele momento, ao formalizar o decreto, fato novo por excelência, marco deflagrador-acelerador da corrida presidencial, o presidente se impôs como protagonista, o sujeito-matriz que pauta o debate público e exige respostas dos adversários, de súbito, pegos de surpresa, obrigados, como se diz, a correr atrás.
Entramos no delicado terreno da percepção. O enunciado “segurança pública” é o mais sensível ao brasileiro real. Qualquer movimento que lhe seja relativo e que insinue avanço — ruptura no comodismo — mobiliza esperanças e provoca sensações. Jamais acreditei, por exemplo, na viabilidade das Unidades de Polícia Pacificadora. Sempre considerei o projeto uma farsa. Mas nunca desprezei a potência político-eleitoral daquela irresponsabilidade: força por meio da qual, já nos ecos, até Pezão conseguiria se eleger, em 2014, governador do Rio de Janeiro; cortina de fumaça legitimadora por trás da qual a quadrilha de Sérgio Cabral pilhou o estado.
Estamos em ano eleitoral. Quase março. A eleição é em outubro. Daqui até lá: tiro curto. Condições perfeitas a que se explore o impulso perceptivo do cidadão — corrida a cuja vitória um voo de galinha pode bastar. Não importa que a intervenção federal seja, hoje, na prática, mero protocolo de intenções sobre base excepcional; sem, portanto, qualquer conquista palpável. Não importa. Seu simples anúncio, valorizado pela natureza atípica do dispositivo constitucional e pela centralidade concedida ao Exército, deu à questão da segurança pública caráter prioritário — ou criou o ambiente para que assim fosse percebido. Sobre um assunto cuja materialidade pode ser medida em 60 mil homicídios anuais, não será pouco.
É a percepção de que os efeitos político-eleitorais da ação podem ser decisivos — e alterar a impressão das pessoas sobre o presidente — o que orienta, à direita e à esquerda, a reação dos adversários.
Há uma nuance aqui. Não creio que a popularidade de Michel Temer possa reagir de modo a torná-lo competitivo eleitoralmente. Não é esse o ponto. A perturbação está em se o governo Temer, ademais no controle da máquina e desfrutando da capilaridade nacional do MDB, pode — beneficiado por avanços nos indicadores econômicos e por alguma imediata sensação de melhora na área de segurança — chegar a meados do ano como um, talvez o, grande eleitor.
A manifestação — tardia — de Lula a respeito da intervenção passou recibo de apreensão e é altamente significativa de quem acusa o golpe sem ter meios de contra-atacar com ideias. Até então aquele que dava — sozinho — as cartas e ditava o ritmo da pré-campanha, senhor absoluto do jogo, o ex-presidente de repente se viu na defensiva, à margem do debate, desprovido de ferramentas para se contrapor senão reproduzindo o discurso de histéricos como Lindbergh Farias: Temer teria, num golpe de marketing, roubado o programa de Jair Bolsonaro e encontrado para si um veio eleitoral influente. O senador petista Humberto Costa chegou mesmo a dizer que o governo federal, em busca de um mote para 2018, lançara-se a um processo de bolsonarização.
Bolsonaristas não discordarão. Ao contrário: não faltam manifestações — perplexas — de apoiadores do deputado que se sentem afanados no discurso. O próprio Jair Bolsonaro verbalizou o sentimento de homem roubado. É a mais precisa definição — à esquerda e à direita — de colapso narrativo.
A propósito, aliás, de Bolsonaro, e sob o impacto da intervenção federal de Temer em ano eleitoral, convém fazer uma distinção politicamente importante, que independe da qualidade das propostas do deputado federal e do presidente para a segurança pública.
Bolsonaro, o pioneiro, é o que há mais tempo — e longamente sozinho — segura a bandeira do tema. Ele soube identificar, com rara antecedência, aquela que é a maior demanda do cidadão brasileiro — e tem lucrado eleitoralmente com isso. É um mérito. Temer, por sua vez, é aquele que, em decorrência do decreto, anabolizado pela força do cargo que ocupa, tirou os adversários da zona de conforto e, ao trazer para si o enfrentamento prioritário do flagelo também conhecido como segurança pública no Rio de Janeiro, inscreveu-se como o pauteiro da agenda política atual.
Não são poucas as chances de que tenha encontrado, naquele que é estandarte histórico de Bolsonaro, uma identidade para seu governo; uma identidade com vigor para transformá-lo. Goste-se ou não: é política. Goste-se ou não: fica evidente que a diferença está no peso da caneta. Um é candidato a presidente e deputado federal. O outro é o presidente da República.
Não se pode subestimar a máquina, a musculatura do establishment. Essa é uma boa lição — ainda a se aprender — antes que a campanha comece à vera.
Carlos Andreazza é editor de livros
Nenhum comentário:
Postar um comentário