Nesta semana mudará o status político e jurídico da presidente afastada, Dilma Rousseff. No momento em que o Senado aceitar a pronúncia, ela passará a ser ré no processo, deixando de ser apenas investigada. Se não houver aceitação, ela pode reassumir a Presidência, mas hoje nem seus aliados mais fervorosos acreditam nessa possibilidade.
Na última quinta-feira, na sessão de votação do relatório na Comissão Especial do Impeachment, não houve a frenética expectativa dos primeiros dias. O país está cansado dos mesmos argumentos ao longo destes oito meses em que se discute o caso, mesmo assim o senador Cristovam Buarque capturou as atenções quando explicou, didaticamente, o que é um golpe. Mesmo um marciano entenderia que não é o que se passa no Brasil. E ao fim da sua fala, ficou entendido que o senador, que se declarara indeciso, já se decidiu.
Exasperado com a derrota, o senador Lindberg Farias disse, mesmo antes da votação, que haveria uma segunda chance no plenário do Senado, mas parecia já descrer dela porque declarou que a história condenará o impeachment.
O lado que defende a presidente conseguiu duas vitórias nesta etapa da Comissão Especial: primeiro, o resultado da perícia afirmando que não houve ato da presidente Dilma nos bilionários atrasos de pagamento ao Banco do Brasil; segundo, o procurador Ivan Claudio Marx, da Procuradoria da República do Distrito Federal, pediu arquivamento do processo. O problema é que os dois se anulam. A perícia do Senado disse que a operação com o Banco do Brasil é sim empréstimo, mas que não houve ordem da presidente para fazê-lo; o procurador disse que não é operação de crédito, mas é um ato de improbidade administrativa.
O relator Anastasia confrontou a tese do procurador dizendo que a Lei de Responsabilidade Fiscal veda empréstimos “e outras operações assemelhadas” do governo junto a bancos públicos. Então não estaria havendo uma analogia ou interpretação, como disse o procurador, e sim uma extensão autorizada pela lei a qualquer operação que resulte em um compromisso financeiro e que produza “os efeitos materiais de uma operação de crédito, ofendendo o bem jurídico protegido pela lei”. O senador destacou também que o próprio procurador afirmou em seu despacho que as pedaladas fiscais “tinham por objetivo maquiar as contas públicas e o resultado fiscal” e por isso “configuram sem sombra de dúvida atos de improbidade administrativa”, o que, ademais, é crime de responsabilidade. Sobre a perícia, Anastasia disse que se não houve ação, houve omissão da presidente.
Pode parecer completamente descabida a discussão por meses a fio, com dezenas de testemunhas, de um lado e de outro, sendo perguntados se o que houve é ou não uma operação de crédito e se houve ou não ordem da presidente. Na verdade, mais relevante parece tudo o mais: a economia desmoronando com as contas públicas em descontrole e o país derrotado numa recessão inédita. Mas uma coisa tem a ver com a outra, disse Anastasia. “A expansão insustentável do gasto público está associada à profunda crise econômica que o Brasil vive hoje”.
A ironia é ficar toda a discussão confinada em 2015, quando o ministro Joaquim Levy tentava, com a sua equipe, desfazer as artimanhas fiscais do seu antecessor e pressionava para que houvesse o pagamento dos atrasados junto aos bancos públicos. A grande má conduta da presidente Dilma foi em 2014. É aí que o crime fica mais nítido. Não só ela fez o que está expressamente proibido na Lei de Responsabilidade Fiscal — tomar crédito junto a bancos públicos — como o fez para ampliar gastos em ano eleitoral e assim se reeleger. O argumento repetido ad nauseam pela defesa, de que tudo isso era mero detalhe contábil, serve para revelar o desprezo pela história do Brasil. Só diz isso quem não sabe que a Lei de Responsabilidade Fiscal nasceu da luta para que o Brasil jamais reviva a trágica experiência da hiperinflação. Foi usando bancos públicos para ampliar as despesas que os governos levaram o país ao descalabro. Dilma está se transformando em ré deste processo por ter desrespeitado o pacto feito pelo país consigo mesmo e jogado a economia em uma crise da qual estamos longe de sair.
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