FOLHA DE SP - 07/08
Num cenário complexo e de justificável ansiedade, é imprescindível clareza e realismo ao analisar a estratégia para tirar o país do que deve ser a pior recessão de nossa história.
A crise tem como principal componente o grave desequilíbrio fiscal, resultado do aumento continuado das despesas públicas por quase três décadas, uma trajetória que foi acentuada gravemente por decisões tomadas nos últimos anos.
De 1997 a 2015, as despesas do governo federal cresceram, em média, 6% acima da inflação. De 2007 a 2015, cresceram mais de 50% acima da inflação.
A deterioração fiscal e o forte intervencionismo causaram queda aguda da confiança, gerando colapso no investimento e reduzindo a atividade econômica e o emprego. A recessão que se seguiu intensificou a queda da arrecadação tributária, iniciada em 2011.
A dívida pública bruta já se aproxima de 70% do PIB, contra média de 45% dos países emergentes. Corremos o risco de uma crise ainda mais grave que só pode ser evitada com mudanças estruturais na dinâmica das contas públicas. Isso requer alterações na Constituição, já que cerca de 80% das despesas do governo são definidas constitucionalmente. Sem essas mudanças, não há como reverter a trajetória de deterioração.
O país se defronta, portanto, com um quadro dramático, que causou alta descontrolada da dívida e aumento dos prêmios de risco, elevando os juros estruturais da economia.
Por isso, apresentamos proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa um teto para o aumento das despesas públicas, com crescimento real zero ao longo do tempo. Trabalhamos também no projeto de reforma da Previdência, imprescindível para que possamos manter as contas públicas em equilíbrio.
É um processo longo frente à demanda por soluções imediatas, mas rápido para uma mudança estrutural na trajetória de elevação das despesas resultante da Carta de 1988. Com a aprovação das medidas, será a primeira vez, em décadas, que uma administração terminará com despesas menores (em % do PIB) do que quando começou.
Um sinal de que estamos na direção correta é o início da reação dos agentes econômicos às mudanças estruturais propostas. O nível de confiança empresarial e do consumidor aumentou, e já há dados claros de retomada da atividade, como a produção industrial do segundo trimestre.
Naturalmente, como em qualquer democracia, o cronograma de mudanças depende de prazos e ritos legislativos. Nesse processo, estamos caminhando sem recuos.
Um dos grandes ganhos dessa reforma, além do realismo orçamentário, será a discussão de prioridades do Orçamento diante do teto de gastos. Outro avanço importante é a renegociação das dívidas estaduais, que estabelece o ajuste fiscal também com adoção de teto ao crescimento das despesas.
As alterações propostas pelo Legislativo referem-se a ajustes na Lei de Responsabilidade Fiscal. Não são mudanças na contrapartida exigida dos Estados, mantida integralmente. As reformas, portanto, seguem seu curso dentro do debate legislativo, que não prejudica, mas legitima, o novo regime fiscal.
Seguimos convictos de que o limite constitucional de gastos federais será aprovado pelo Congresso no menor prazo possível. O resultado será uma transformação duradoura na trajetória das contas públicas, garantindo o realismo e o equilíbrio estrutural fundamentais para que o Brasil retome o desenvolvimento sustentável e ofereça um melhor padrão de vida a todos. Essa, afinal, deve sempre ser a meta de toda política econômica.
HENRIQUE MEIRELLES é ministro da Fazenda. Foi presidente do Banco Central (governo Lula) e presidente mundial do BankBoston
Nenhum comentário:
Postar um comentário