domingo, agosto 07, 2016

A indústria 4.0 e o Brasil - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ESTADÃO- 07/08

A produtividade por trabalhador na indústria brasileira é de 25% da alemã


A indústria no mundo rico está passando por uma grande transformação, que foi batizada pelos alemães como 4.0, numa referência a uma quarta Revolução Industrial em curso.

O desenvolvimento de um novo sistema de produção está muito baseado na digitalização do setor, o que só foi possível pelo contínuo barateamento dos sensores, que geram informações on line. A comunicação desses dados e imagens e sua estocagem em grandes centros de processamento permitem que sejam feitas análises, cujos resultados voltam às origens, alimentando os comandos da operação. É a chamada computação na nuvem, ela mesma um importante novo negócio. Naturalmente, a operação na nuvem exige um grande investimento em segurança da informação (“cybersecurity”).

Os dados gerados em larga escala possibilitam a elaboração de análises muito sofisticadas e detalhadas (“big data and analytics”) que permitem, inclusive, muitas simulações de modelos e sistemas alternativos. Este conjunto de inovações torna possível a integração de todos os sistemas e equipamentos numa planta e numa cadeia produtiva. É a chamada internet industrial das coisas (“IIoT”).

Adicionalmente, as unidades produtivas se utilizam cada vez mais de impressoras 3D, a chamada manufatura aditiva, de robôs autônomos e de equipamentos de realidade aumentada (“augmented reality”), o que torna as fábricas muito mais complexas.

O resultado disso tudo é uma nova forma de organizar a manufatura, na qual é possível produzir lotes menores, com custos parecidos a grandes lotes, bastando alterar os softwares que ajustam as máquinas. Isso é conhecido por customização em massa. Ademais a qualidade dos produtos e a produtividade da empresa se elevam, uma vez que, entre outras coisas, a manutenção preditiva é muito mais eficiente e o número de peças defeituosas cai drasticamente, economizando tempo, energia e material.

Além da substancial elevação da produtividade, esse sistema permitirá desenvolver novos bens ou modelos, inclusive protótipos, muito mais rapidamente e a custo mais baixo. Será possível desenvolver modelos digitais que simulem a operação do produto, reduzindo o chamado “time to market”.

Em sistemas desta natureza, o relacionamento com fornecedores e clientes também será substancialmente modificado.

Da mesma forma, os modelos de negócio serão alterados. Em particular, as indústrias não venderão mais bens, mas, sim, os serviços produzidos por estes mesmos bens, elevando o valor adicionado na empresa. Não se vendem apenas equipamentos de energia, mas a instalação, operação e manutenção de sistemas integrados.

Outro exemplo interessante está nos pneus que embutem sensores e que permitem um monitoramento on line de seu uso, gerando análises que possibilitem avaliar a eficiência da frota e formas de melhoria, inclusive, na manutenção preventiva. A integração indústria/serviços será cada vez maior.

A indústria 4.0 mostra mais uma vez que a revolução tecnológica em curso é muito mais de software do que de hardware, coisa que muitos dos proponentes de política industrial ainda não perceberam completamente.

Não é por acaso que das dez empresas mais valiosas do mundo, sete têm na tecnologia de informação e comunicação (TIC) o seu fundamento maior. Outra indicação da prevalência do software é o ocorrido há alguns anos com a IBM, que vendeu para a Lenovo chinesa sua divisão de computadores pessoais e se transformou numa relevante empresa de serviços de tecnologia. Desnecessário dizer que a indústria de PCs já entrou na sua fase declinante.

Entretanto, considero que o maior exemplo da indústria 4.0 é a revolução em curso na General Electric, uma das maiores empresas do mundo. A companhia decidiu entrar fundo na internet industrial das coisas, a partir da ideia de que “para ganhar uma vantagem comparativa, toda empresa industrial terá de se transformar também numa companhia de software”.

Por isso a GE montou uma plataforma global de nome Predix, para analisar massivos volumes de dados, conectando máquinas, sensores, sistemas de controle e outros instrumentos. Esta plataforma é aberta e está preparada para receber aplicativos desenvolvidos por um enorme volume de colaboradores (já são mais de 11 mil) que permitam interligar todos esses sistemas. É um esforço massivo que pretende transformar a empresa numa grande produtora de equipamentos e de softwares que os unam.

Produtividade. E o Brasil, como fica nisso? Infelizmente, não muito bem. A CNI realizou uma grande pesquisa, perguntando a mais de 2,2 mil empresas, qual o seu conhecimento sobre tecnologias digitais e seu uso, pré condições para o avanço da indústria 4.0. Na resposta, soubemos que 42% das companhias desconhecem completamente a importância das tecnologias digitais e mais da metade delas não se utiliza de nenhuma das dez opções tecnológicas listadas. Como a produtividade por trabalhador na indústria brasileira é de 25% da alemã e de 20% da americana, é evidente que vamos ficar ainda mais para trás.

Ao se deparar com essa situação, a tentação imediata é sugerir, como ocorreu na Alemanha, EUA, Coreia e Japão, uma grande cooperação entre governo e setor privado pela montagem de um programa que busque tirar essa diferença. Entretanto, a situação concreta de nossa indústria hoje não me faz muito entusiasmado, uma vez que se acumularam coisas básicas a impedir um eficiente trabalho nas cadeias produtivas. Consideremos os seguintes pontos:

1)A oferta de energia elétrica no País é instável e de baixa qualidade, afetando negativamente a operação de todos os equipamentos.

2)Existem grandes limitações na capacidade de transmissão de dados e imagens.

3)O sistema de tributação e a virtual proibição da terceirização é muito ruim para a indústria 1.0, 2.0 e 3.0. O que dirá para a 4.0?

4)A crise fiscal limita muito o eventual escopo de políticas públicas.

5)O fiasco da política macroeconômica e industrial depauperou a indústria.

6)A recessão gerou uma situação financeira muito difícil para boa parte das empresas brasileiras, de qualquer tamanho.

7)O avanço industrial na linha do que está ocorrendo em outros países aumenta as necessidades de capital das empresas. Isso não tem sido um grande problema no mundo desenvolvido, onde o juro é próximo de zero há muito tempo. Dá para avançar na nova revolução industrial com a Selic a 14,25%?

A destruição trazida pelo lulopetismo é realmente gigantesca. Entretanto, não nos resta outra alternativa além de ter que partir para uma penosa reconstrução.

*ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.

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