ESTADÃO - 28/08
Algumas pessoas continuam falando como se dinheiro caísse do céu e fosse ilimitado
Marco político, a conclusão do impeachment poderá ser também um ponto de inflexão para a economia brasileira. Afastada a presidente Dilma Rousseff, o novo governo terá melhores condições para apontar um rumo de recuperação e estimular a produção e o investimento. Mantida a presidente, empresários ficarão à espera de uma possível metamorfose, de um quase milagre de conversão, antes de se dispor a investir em máquinas, equipamentos e construções.
Com ou sem conclusão do julgamento, no dia 31 de agosto os brasileiros poderão conhecer o primeiro balanço oficial do primeiro semestre. Saberão quanto encolheu o produto interno bruto (PIB) na primeira metade do ano, se os negócios bateram no fundo do poço e se os sinais positivos observados até agora, um tanto vagos, foram prenúncio de uma virada.
O último bom sinal foi divulgado na sexta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): o investimento produtivo aumentou 0,38% do primeiro trimestre para o segundo. A variação foi puxada principalmente pela produção de bens de capital (máquinas e equipamentos), acompanhada de um aumento da importação em junho. Apesar da melhora, o indicador ainda ficou 9,2% abaixo do nível do segundo trimestre do ano passado. Nos primeiros três meses, a mesma comparação havia indicado uma retração de 17,5%.
Seria exagero falar de uma retomada. Em julho as fábricas ainda produziram utilizando, em média, somente 65% da capacidade instalada, de acordo com a última sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em 2011, no começo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, a ocupação atingiu 75% do potencial, em alguns momentos. Os níveis caíram quase continuamente nos anos seguintes.
Tanto pela ociosidade quanto pela insegurança, a disposição de investir continuou muito baixa em agosto, de acordo com a mesma sondagem. Apesar de algum aumento, o indicador de intenção ficou em 42 pontos, bem abaixo, portanto, da linha de 50 pontos, divisória das opiniões e expectativas pessimistas e otimistas.
Confiança será essencial para o setor privado voltar a investir. Antes disso poderá haver algum aumento de produção, até porque o excesso de estoques foi eliminado, ou muito reduzido, nos últimos três meses. Contratações de pessoal só deverão ocorrer mais tarde, como observa, em geral, nos primeiros tempos depois de uma recessão.
Mas a confiança dependerá, em primeiro lugar, de fatores políticos. A mudança de governo poderá ajudar, mas será insuficiente. O presidente Michel Temer precisará demonstrar, juntamente com seus ministros, um compromisso muito claro com a correção dos enormes desajustes da economia brasileira. Além disso, propósitos bem definidos e consequentes serão necessários para atrair capitais privados para os projetos de infraestrutura. Esses projetos poderão proporcionar o impulso mais forte, nos primeiros tempos, à normalização da atividade empresarial e às decisões estratégicas de maior alcance.
A economia deverá crescer 1,6% no próximo ano, segundo as novas projeções anunciadas pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Isso deverá resultar em maior arrecadação de impostos e contribuições.
Mas a proposta orçamentária para 2017 incluirá também, como já foi antecipado, receitas obtidas na outorga de concessões. Serão receitas extraordinárias e nenhum governo sensato basearia um ajuste fiscal duradouro nesse tipo de arrecadação. Será um dinheiro bem-vindo numa fase de muita dificuldade, mas os leilões de infraestrutura deverão, acima de tudo, marcar um retorno ao bom senso e ao realismo, abandonados durante anos.
Nessas concessões, como em todos os demais componentes da política econômica, o governo deverá renegar claramente o pensamento mágico predominante na fase petista. Esse pensamento, ainda exercitado por muitos defensores da presidente Dilma Rousseff e de seus companheiros, inclui, entre outros, os seguintes pressupostos: riqueza cai do céu, basta gastar para produzir resultados e, além disso, rótulos bonitos valem tanto quanto planos, programas e projetos bem elaborados e bem executados. Governar como se essas premissas fossem verdadeiras levou ao fracasso a administração da presidente Dilma Rousseff - e teria levado mesmo sem a maquiagem das contas fiscais e as pedaladas financeiras.
Se alguém estranhar ou achar excessiva a referência a esses pressupostos, pense por alguns momentos em alguns componentes muito importantes do debate político brasileiro. Nesse debate, dá-se mais importância ao volume do chamado gasto social do que aos seus efeitos, mensuráveis nos testes educacionais, na qualidade da mão de obra e na eficiência das políticas de saúde.
Além disso, no pensamento mágico recursos fiscais são ilimitados e qualquer esforço de controle do gasto é manifestação de preconceito neoliberal. Esse pensamento leva também à rejeição de juros altos, como se fosse possível uma política monetária independente da inflação, ou como se o Tesouro pudesse fixar livremente o custo de rolagem de sua dívida.
Disfarçado por belas intenções, o pensamento mágico tem sido uma importante marca do populismo, do discurso de muitos empresários, da fala de políticos ditos de esquerda e de escritos econômicos classificados como progressistas.
Já se escutam arengas desse tipo contra as primeiras tentativas de correção do desarranjo fiscal, como se fosse possível manter por tempo indeterminado um déficit público nominal - com inclusão dos juros, portanto - próximo de 10% do PIB. Isso é mais que o triplo da média observada na União Europeia. Mas detalhes como esse devem ser pouco importantes, quando intelectuais e políticos ligam a Lava Jato e o processo de impeachment a uma conspiração para entregar o pré-sal aos gringos.
ROLF KUNTZ É JORNALISTA
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