“Fiquem comigo”, diz a moça Diamond Reynolds no vídeo transmitido ao vivo pelo Facebook. Ela vira o celular para que vejamos seu namorado no banco do motorista. Ele veste camiseta branca tomada pela metade por uma grande mancha cor de vinho. Sangue. O rapaz tenta conter algo com as mãos, talvez o braço. “A polícia nos parou por causa de uma lanterna quebrada”, explica Diamond. Sua voz é trêmula, porém firme. O celular vira um pouco mais à esquerda e vemos os braços do policial, pistola à mão, ainda apontando para Philando Castile. “E o policial”, ela gagueja, “ele está coberto”. E continua: “Ele matou meu namorado.”
É quando percebemos que estamos assistindo à morte de um homem. Ele ainda estava vivo, parece, mas nos minutos seguintes do dramático vídeo vai lentamente se tornando imóvel.
Foi uma semana muito dura esta primeira de julho, nos Estados Unidos. A questão racial explode, há uma campanha eleitoral estranha, o Partido Republicano se dissolve. Violência impera. E, desde que o Facebook tornou possível para que qualquer um possa transmitir vídeos ao vivo, a rede social está oficialmente no negócio do jornalismo. Reynolds narra o que vê com a firmeza de uma âncora desde a primeira frase: “Fiquem comigo”, ou “Stay with me”, quase um clichê da televisão de notícias americana. Está preocupada em, mantendo o controle das emoções, descrever, dar o contexto. Ela conhece o formato da tevê em ritmo de notícia urgente. E o repete.
Na última terça-feira, a editora-chefe do jornal britânico The Guardian, Katharine Viner, publicou um longo artigo sobre a era em que vivemos. O título: “Como a tecnologia provocou a disrupção da verdade”. Os dois principais argumentos do movimento pela saída do Reino Unido da União Europeia eram mentiras. O primeiro, que a terra da rainha Elizabeth II economizaria £ 350 milhões semanais em repasses para a UE, que poderiam ser aplicados na saúde pública. O segundo, que seria possível conter um sem número de imigrantes com a saída. Os proponentes do Brexit sabiam que era mentira. Dane-se. Na web, mentiras emplacam.
Daniel Patrick Mynihan, um dos mais ativos senadores americanos entre as décadas de 1970 e 2000, é quem cunhou a frase: “Você tem direito a suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. Era assim, não mais. Na internet, criamos coletivamente o hábito de buscar os fatos que confirmam nossas opiniões e ignorar os outros. Enquanto ministro do Supremo, Joaquim Barbosa jamais recebeu salário de professor da Uerj. E, no entanto, até hoje circula essa informação por aí, com direito a foto do holerite. Não importa o quanto se publica o contrário. O quanto se mostra os fatos. As pessoas querem acreditar. E acreditando seguem.
Este crescimento do império da mentira vem ocorrendo lentamente. Ele borra tudo. Quando um jornal publica o resultado de uma investigação por parte de polícia e Ministério Público, seguido de condenação pela Justiça, os partidários do acusado dizem: não foi assim. Para que se ater aos fatos? As opiniões não se formam mais a partir de fatos. Os fatos curvam-se às opiniões.
O argumento da editora do Guardian é muito simples. A internet permite a transmissão ao vivo de notícias de impacto por qualquer um. É um ganho imenso para a democracia. Mas ela também permite a criação de um ambiente onde opinião política se descola da realidade. Não precisa ser assim. Mas temos de ter consciência do que está ocorrendo.
Na internet, criamos o hábito de buscar fatos que confirmam nossas opiniões
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