E quando a gente esperava que do mato teórico de Marilena Chauí não saíssem mais coelhos, eis que ela reapareceu há dias num vídeo em que a menor das sandices é acusar o juiz Sergio Moro de fazer parte de uma conspiração liderada pelos EUA para desestabilizar o Brasil.
Com aquele seu modo muito particular de simular rigor intelectual escandindo sílabas, a professora revela o objetivo oculto disso tudo que estamos vivendo: "uzamericânu" querem ficar com o nosso pré-sal! Moro teria sido o instrumento que permitiu a Michel Temer dar o golpe. Agora, a tarefa do presidente seria "destruir a República, a democracia e o futuro". Só isso. E convoca: "Nós não podemos permitir".
Uma onda de melancolia percorreu alguns nichos de esquerda que se queriam na resistência. A fala de Marilena, símbolo da intelectualidade petista, é de tal sorte tosca, primitiva, folhetinesca que muita gente se sentiu flagrada no ridículo. Ali estava a derrota inelutável!
Afinal, a decana do petismo universitário procurava dar as nervuras do real àquilo que eles também pensavam e pensam: está em curso um complô. Como ninguém ainda havia criado o enredo para tal argumento nem perfilado as personagens, a sedizente filósofa resolveu fazê-lo. E deu no que deu.
Marilena foi tratada de forma jocosa, e até com desprezo, por seus pares de ideologia, mas cabe a pergunta: o enredo que eles têm em mente é muito diferente? Com mais ou menos sofisticação, veem o que está em curso como um rearranjo das forças do capital. A crise do petismo, apeado do poder no quarto mandato, seria uma consequência da reação dos conservadores à ascensão das massas, tenham os tais conservadores, segundo cada narrativa, o nome que tiverem: "elites", "burguesia", "andar de cima", "direita"...
Isso tem história. Um dos livros de política mais instigantes que conheço, "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte", de Marx, poderia ser definido como um brilhante ensaio sobre o nada. O autor era um pouco mais requintado do que Marilena. Desmonta com impressionante rigor intelectual a maquinação conservadora que resultou no golpe das forças da reação.
Só que há um detalhe: a maquinação não existiu. Marx primeiro a constrói para depois desconstruí-la. Afinal, ele, sim, era um estrategista. A história só estava fazendo a sua parte, movida pela indeterminação do presente.
O que isso quer dizer? As esquerdas é que têm um "projeto". Isso as define. Seja pelo enfrentamento direto, seja tentando construir a hegemonia por outros meios, seus militantes estão sempre cumprindo tarefas de olho num devir redentor. E entendem que seus adversários também se dedicam ao cálculo.
O conservadorismo, o nosso e o alheio, é muito menos imaginoso do que isso e está aborrecidamente preso ao curto prazo. Pragmático, como se viu ao longo dos últimos 13 anos, pode até se deixar capturar pelas esquerdas (infelizmente!), desde que estas se comprometam com alguma racionalidade econômica.
Em palestras que tenho dado por aí –identificado que sou, é claro!, com a queda do petismo–, sempre me fazem a pergunta angustiada: "Mas o que vem depois?" Eu não sei. Se alguém quer certezas sobre o futuro, é bom chamar um dos colunistas de esquerda. Eles sempre sabem.
Nós, os "conservadores", já nos damos por satisfeitos se conseguirmos conservar as instituições neste sábado. Se não der para reformar o homem, que tal consertar o telhado?
PS: Tiro duas semanas de folga. Estarei de volta no dia 5 de agosto, o mês em que nos livraremos definitivamente de Eduardo Cunha e Dilma Rousseff. "Agosto, augusto tempo."
Um comentário:
Sensacional conciso e sincero
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