Interinidade tem custado caro ao governo, como bem evidenciam as muitas medidas na contramão do esforço de ajuste fiscal
Orecesso do Congresso, ao fim de um semestre especialmente tumultuado, dá ao país um momento de respiro para avaliar, com o realismo que se faz necessário, em que pé andam as coisas.
Sessenta dias após empossado, Michel Temer parece ter conseguido, afinal, com a escolha do novo presidente da Câmara, consolidar o amplo apoio parlamentar de que não poderá prescindir. E tem boas razões para comemorar o recrutamento de uma equipe econômica de excelente nível, que já lhe serviu para estender, em larga medida, o prazo normal de carência perante a opinião pública a que, nas circunstâncias, faria jus.
Como a tentativa de abreviar o processo de impeachment não teve êxito, o governo terá de esperar até o fim de agosto para deixar de ser interino. E a verdade é que a interinidade lhe tem custado caro, como bem evidenciam as muitas e custosas medidas na contramão do esforço requerido de ajuste fiscal a que, por insegurança, o Planalto tem preferido não se opor.
Em contraste com o que já se tornara hábito, a nova equipe econômica está empenhada em assegurar plena transparência na gestão das contas públicas. E, explicitada a real extensão do desequilíbrio fiscal, o que se vê é um quadro extremamente preocupante. Após ter anunciado uma meta de déficit primário de R$ 170 bilhões para 2016, o governo divulgou na semana passada que a meta para 2017 seria de R$ 139 bilhões. Mas para que o déficit possa ficar restrito a esse montante, o governo terá de gerar, no ano que vem, receitas extraordinárias, provenientes de privatizações, concessões e outorgas, de cerca de R$ 55 bilhões.
Fica claro, portanto, que o déficit primário recorrente com que o governo terá de lidar em 2017 é, de fato, da ordem de R$194 bilhões. Quase 3% do PIB! É esse o montante a ter em mente para aferir a magnitude do ajuste fiscal que terá de ser feito ao longo dos próximos anos. Para que a dívida pública, como proporção do PIB, deixe de crescer, e o controle sobre o endividamento público possa ser restabelecido, o déficit primário recorrente, de 3% do PIB, terá de ser convertido em um superávit primário de pelo menos 1,5% do PIB. O que exigirá um esforço de ajuste fiscal de 4,5% do PIB. Algo da ordem de R$ 300 bilhões.
Parte disso poderá advir do melhor desempenho da arrecadação que uma retomada moderada do crescimento propiciará. Mas, tendo em conta o vigor da resistência à elevação de impostos no país, o grosso do ajuste fiscal requerido terá de ser viabilizado por um esforço determinado e persistente de contenção de gastos.
A proposta de fixação de um teto para o dispêndio público, encaminhada ao Congresso, é um passo importante nesse sentido. Mas terá de ser complementada por um programa de reforma fiscal bem mais ambicioso, que proporcione à gestão do Orçamento a flexibilidade necessária para que o respeito ao teto possa ser assegurado da forma menos custosa possível.
A agenda desse programa de reforma fiscal vem sendo discutida há décadas. Além de mudanças nas regras de acesso a benefícios previdenciários e de medidas que possam conferir alguma margem de manobra à gestão da folha de pagamento, tal agenda terá de incluir desmantelamento, pelo menos parcial, do cipoal de regras de vinculação de receita e de indexação de dispêndio que têm agravado a rigidez de gastos no Orçamento.
Ainda não se sabe em que medida o governo Temer, no curto mandato que tem pela frente, conseguirá avançar nessa hercúlea agenda de reforma. Mas se, de fato, conseguir impor e manter o teto para o dispêndio público até o final do mandato, poderá engendrar um quadro de crescente desconforto com o atual regime fiscal, que tenderá a ser cada vez mais propício ao entendimento e ao avanço das reformas que se fazem necessárias.
A imposição de um teto para dispêndio a um Orçamento com tamanha rigidez do lado do gasto pode, afinal, dar ao Congresso inusitado senso de urgência na aprovação de medidas que possam atenuar essa rigidez.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
Orecesso do Congresso, ao fim de um semestre especialmente tumultuado, dá ao país um momento de respiro para avaliar, com o realismo que se faz necessário, em que pé andam as coisas.
Sessenta dias após empossado, Michel Temer parece ter conseguido, afinal, com a escolha do novo presidente da Câmara, consolidar o amplo apoio parlamentar de que não poderá prescindir. E tem boas razões para comemorar o recrutamento de uma equipe econômica de excelente nível, que já lhe serviu para estender, em larga medida, o prazo normal de carência perante a opinião pública a que, nas circunstâncias, faria jus.
Como a tentativa de abreviar o processo de impeachment não teve êxito, o governo terá de esperar até o fim de agosto para deixar de ser interino. E a verdade é que a interinidade lhe tem custado caro, como bem evidenciam as muitas e custosas medidas na contramão do esforço requerido de ajuste fiscal a que, por insegurança, o Planalto tem preferido não se opor.
Em contraste com o que já se tornara hábito, a nova equipe econômica está empenhada em assegurar plena transparência na gestão das contas públicas. E, explicitada a real extensão do desequilíbrio fiscal, o que se vê é um quadro extremamente preocupante. Após ter anunciado uma meta de déficit primário de R$ 170 bilhões para 2016, o governo divulgou na semana passada que a meta para 2017 seria de R$ 139 bilhões. Mas para que o déficit possa ficar restrito a esse montante, o governo terá de gerar, no ano que vem, receitas extraordinárias, provenientes de privatizações, concessões e outorgas, de cerca de R$ 55 bilhões.
Fica claro, portanto, que o déficit primário recorrente com que o governo terá de lidar em 2017 é, de fato, da ordem de R$194 bilhões. Quase 3% do PIB! É esse o montante a ter em mente para aferir a magnitude do ajuste fiscal que terá de ser feito ao longo dos próximos anos. Para que a dívida pública, como proporção do PIB, deixe de crescer, e o controle sobre o endividamento público possa ser restabelecido, o déficit primário recorrente, de 3% do PIB, terá de ser convertido em um superávit primário de pelo menos 1,5% do PIB. O que exigirá um esforço de ajuste fiscal de 4,5% do PIB. Algo da ordem de R$ 300 bilhões.
Parte disso poderá advir do melhor desempenho da arrecadação que uma retomada moderada do crescimento propiciará. Mas, tendo em conta o vigor da resistência à elevação de impostos no país, o grosso do ajuste fiscal requerido terá de ser viabilizado por um esforço determinado e persistente de contenção de gastos.
A proposta de fixação de um teto para o dispêndio público, encaminhada ao Congresso, é um passo importante nesse sentido. Mas terá de ser complementada por um programa de reforma fiscal bem mais ambicioso, que proporcione à gestão do Orçamento a flexibilidade necessária para que o respeito ao teto possa ser assegurado da forma menos custosa possível.
A agenda desse programa de reforma fiscal vem sendo discutida há décadas. Além de mudanças nas regras de acesso a benefícios previdenciários e de medidas que possam conferir alguma margem de manobra à gestão da folha de pagamento, tal agenda terá de incluir desmantelamento, pelo menos parcial, do cipoal de regras de vinculação de receita e de indexação de dispêndio que têm agravado a rigidez de gastos no Orçamento.
Ainda não se sabe em que medida o governo Temer, no curto mandato que tem pela frente, conseguirá avançar nessa hercúlea agenda de reforma. Mas se, de fato, conseguir impor e manter o teto para o dispêndio público até o final do mandato, poderá engendrar um quadro de crescente desconforto com o atual regime fiscal, que tenderá a ser cada vez mais propício ao entendimento e ao avanço das reformas que se fazem necessárias.
A imposição de um teto para dispêndio a um Orçamento com tamanha rigidez do lado do gasto pode, afinal, dar ao Congresso inusitado senso de urgência na aprovação de medidas que possam atenuar essa rigidez.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio
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