quarta-feira, julho 20, 2016

Precisamos atacar rápido a dívida para não depender da sorte - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 20/07

Amélia emprestou R$ 1.000 a Bento por um ano, cobrando 10% de juros, mas passou a ter dúvidas sobre sua capacidade de pagamento. Uma amiga, Cristina, ofereceu-lhe então o seguinte negócio: caso Bento furasse, Cristina pagaria por ele; em troca da garantia, cobraria de cara 7% do valor do empréstimo, ou seja, R$ 70.

Assim, em caso de calote, Amélia receberia o valor do empréstimo (R$ 1.000), menos o que pagou a Cristina, ficando com R$ 930; caso contrário, receberia o principal e juros, R$ 1.100, o que, deduzindo o pagamento da proteção, chegaria a R$ 1.030. Já Cristina receberia R$ 70, mas, se Bento aprontasse, teria que pagar R$ 1.000 para Amélia, amargando um prejuízo de R$ 930.

Parece um negócio ruim para Cristina, mas depende crucialmente da sua percepção da probabilidade de Bento dar o calote. Suponha que seja 5%. Nesse caso, ela ganharia R$ 70 com 95% de chance e perderia R$ 930 com 5% de chance, isto é, um ganho esperado de R$ 20 (0,95 x 70 - 0,05 x 930).

Na verdade, qualquer probabilidade de calote inferior a 7% traria ganhos esperados, enquanto qualquer probabilidade superior a 7% implicaria perdas esperadas (ignoramos, por simplicidade, qualquer avaliação de como Cristina lida com risco). Caso houvesse um mercado grande de amigos de Amélia dispostos a vender seguro contra o calote de Bento, o valor cobrado refletiria a percepção de mercado sobre a chance de levar o cano, ou seja, sob concorrência o ganho esperado deverá ser zero.

Esse mercado existe. Há quem venda proteção contra calotes de países e empresas, cobrando uma taxa por isso, que, conforme argumentado acima, reflete, entre outras coisas, a percepção do risco de não pagamento, por esse motivo chamada de "prêmio de risco".

Em particular, no final da semana passada o prêmio de risco do Brasil (para um período de cinco anos) caiu abaixo de 3% ao ano pela primeira vez desde agosto de 2015, depois de chegar a mais do que 5% em fevereiro deste ano. Houve, portanto, uma reavaliação considerável da percepção de risco da dívida brasileira, muito embora ainda permaneça bem mais alta do que a observada para países sérios da América Latina, como Chile, Colômbia, Peru ou México.

Posto de outra forma, a avaliação predominante sugere que o problema ainda é grave, embora menos do que parecia ser no começo do ano.

Em que pesem fatores globais, que ajudaram a maioria dos países, há razões para crer que a maior parte desse movimento resultou da mudança de política econômica por parte da nova administração, em especial o tratamento das contas públicas para reverter o aumento persistente da dívida relativamente ao PIB.

O governo promete retomar a trajetória de superavit primários a partir de 2019, de modo a atingir os valores necessários para esse objetivo. O nó da questão, como notado por Samuel Pessôa, é que a atual estratégia, embora possa render frutos, requer disciplina por muitos anos, ao longo dos quais te- remos que torcer para que o resto do mundo continue a demonstrar paciência com nossa abordagem gradualista.

Concretamente, sem medidas adicionais do lado do gasto, muito possivelmente a dívida só fará a inflexão após 2020-2022 (se não depois). Ou tratamos de avançar mais rápido ou a sorte será a única alternativa que nos restará.


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