Tida como questão de dias, semanas, no máximo, a cassação de Eduardo Cunha já não é a mesma fava contada de antes do início do recesso parlamentar, na última sexta-feira. À primeira vista não se trata de conspiração, acordo, manobra ou jogada combinada para impedir que o ex-presidente da Câmara perca o foro privilegiado de Justiça até quando for possível.
Embora seja prudente confiar desconfiando, salvo segunda ordem ou até que surjam sinais objetivos do contrário, a possibilidade de novos adiamentos que na prática o favoreçam decorre de uma conjugação de fatores: Olimpíada, eleição de um novo presidente da Câmara, campanha eleitoral e o consequente arrefecimento do interesse de suas excelências em atender as demandas da opinião pública depois que seus candidatos e prefeitos e vereadores tenham passado pelo julgamento das urnas.
Segundo o presidente da Casa, deputado Rodrigo Maia, a ideia é levar o assunto ao plenário na segunda semana de agosto. Isso, em princípio. Porque, de acordo com ele, manda o bom senso que o julgamento de Cunha só entre na pauta de votação se, e quando, houver uma quantidade significativa de parlamentares na sessão.
Do contrário, o ex-presidente da Câmara pode até reunir quantidade de votos “contra” superior aos favoráveis a ele, mas ainda assim escapar da cassação por falta de quórum. São necessários 257 votos para retirar-lhe o mandato. Para isso, um número seguro seria acima de 400 presentes.
Convenhamos, trata-se de uma tarefa difícil levar tantos deputados a Brasília em plena realização dos Jogos Olímpicos. Menos pela corrida de deputados ao Rio para acompanhar tudo de perto e mais pelo natural afrouxamento da vigilância da população no período em que se imagina que os olhos, as torcidas e a atenção da maioria estejam voltados para o desempenho dos atletas e da capacidade do Brasil de sediar acontecimento dessa magnitude com sucesso. Em todos os aspectos, notadamente à recepção dos visitantes nas questões de conforto urbano, com destaque para a segurança.
Terminados os jogos, Brasília volta a tratar do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. Aqui também o quórum é exigido. Mas, de senadores. Em menor número (ao todo 81 contra 513 na Câmara) e com empenho mais distante das disputas locais por prefeituras e vagas nas câmaras municipais. Já os deputados têm as respectivas sobrevivências políticas diretamente ligadas à eleição de prefeitos e vereadores.
Portanto, setembro tem tudo para ser um mês perdido em matéria de obtenção do quórum alto na Câmara. A eleição acontece no início de outubro, mas nem por isso os deputados estarão totalmente liberados devido às disputas que forem ao segundo turno nas cidades com mais de 200 mil habitantes.
Sobram o mês de novembro e os primeiros 15 dias de dezembro. Período ideal, não fosse a queda do interesse dos deputados nos ditames da opinião do público depois das eleições. O Brasil estará discutindo os resultados, avaliando as repercussões para o pleito de 2018 e nada assegura que Eduardo Cunha será tema prioritário.
Ao governo interessava ajustar a situação da presidência da Câmara; aos deputados, uma satisfação externa a fim de aliviar a tensão. De onde não se pode conferir inocência de propósito nem atribuir isenção de interesse ao adiamento da cassação para depois do recesso.
Vaias contadas. O presidente em exercício irá à cerimônia de abertura da Olimpíada no Maracanã sabendo que a recepção do público será, nas palavras de um ministro com assento no Palácio do Planalto, “uma crônica da vaia anunciada”.
Não é um desconforto? “Mais desconfortável seria não ir.”
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