O ministro José Serra adiou sua intenção de suprimir a parte ruim do Mercosul, que é a união alfandegária, mas rapidamente, pela inação, está suprimindo a parte boa, que é a cláusula democrática. Propondo o adiamento de uma decisão até agosto, tenta conciliar a posição paraguaia, favorável à suspensão da Venezuela, com a uruguaia, que pretende cumprir a regra usual, transferindo a presidência rotativa do bloco ao regime de Nicolás Maduro. É uma forma de fugir ao dilema político que revela tanto a fraqueza estrutural do governo Temer quanto a inaptidão de Serra para chefiar o Itamaraty.
"O que pensa da postura do Brasil diante da posição paraguaia?", perguntei a Aloysio Nunes Ferreira, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado e um dos parlamentares que, no ano passado, foi a Caracas prestar solidariedade aos presos políticos venezuelanos. Na resposta, ele preferiu não opinar, mas declarou compreender a posição paraguaia, "porque reflete a mágoa de um país que foi suspenso do Mercosul sem que tenha havido uma ruptura da ordem democrática".
Há dois erros aí: 1) A suspensão obedeceu ao espírito da cláusula democrática pois, embora seguindo a letra da lei, o "impeachment-express" no Paraguai violou o princípio geral do direito de defesa do presidente impedido; 2) A especulação sobre os motivos da solicitação paraguaia de suspensão da Venezuela não passa de um pretexto malicioso para silenciar sobre a tática do apaziguamento conduzida por Serra.
O Paraguai tem razão, independentemente de suas motivações. O Protocolo de Ushuaia do Mercosul reza que "a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial" para a integração. O Protocolo de Assunção, de 2010, vai além e identifica "os direitos humanos e as liberdades fundamentais" como "pilares" do bloco. Eis o motivo pelo qual a Venezuela deveria ter sido suspensa há mais de um ano, quando o regime encarcerou centenas de opositores, inclusive líderes políticos eleitos, provocando protestos da ONU e do Parlamento Europeu. Mas o Itamaraty de Serra mostra-se disposto a conviver com um sócio que escarnece dos dois protocolos –desde que, para manter as aparências, ele não seja alçado à presidência do Mercosul.
Princípios importam mais que motivos. O governo Dilma tinha razão ao forçar a suspensão do Paraguai, mesmo se apenas seguia sua estrela ideológica, como ficou provado quando calou diante dos encarceramentos políticos da falida "revolução bolivariana", uma violação incomparavelmente mais grave. Hoje, a soma do desrespeito aos direitos humanos com a ruptura institucional representada pela anulação das prerrogativas da Assembleia Nacional por um tribunal servil ao regime coloca a Venezuela fora do campo das democracias. Os motivos da inação do governo Temer são diferentes dos da inação do governo Dilma, mas ambos confluem no pátio de um ilusório "realismo" que subordina os princípios a mesquinhas conveniências.
O "realismo" de Serra mal dissimula o medo de agir. "A Venezuela rechaça as insolentes e amorais declarações do chanceler de facto do Brasil", respondeu a chanceler de Maduro à mera proposição postergatória do Itamaraty, aproveitando para repetir que o impeachment de Dilma configura um "golpe de Estado". O cenário onírico no qual um país com presos políticos brada sobre uma ruptura democrática no Brasil só serve como evidência da tolice do apaziguamento de Serra. A tática desastrada, além de tudo, aprofunda as divisões no Mercosul, paralisando o bloco e minando o pouco que resta da liderança regional brasileira.
"As nações fazem sempre a coisa certa, depois de esgotar todas as demais possibilidades", disse certa feita o chanceler israelense Abba Eban. O Brasil aguardará até o fechamento formal da Assembleia venezuelana para, tarde demais, fazer a coisa certa?
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