Apesar de todo o bem fundamentado discurso do secretário de Acompanhamento Econômico, Mansueto Almeida, sobre a inevitabilidade de mais um grande déficit primário em 2017, está cada vez mais clara a estratégia político-econômica do governo Temer: gastar no curto prazo para criar as condições políticas de desmontar a armadilha estrutural do crescimento contínuo da despesa pública acima da renda nacional.
Não, não se trata de partir para a gastança desenfreada, o que seria suicídio neste ponto. Mas é evidente que Temer e sua equipe econômica estão atendendo aos pleitos dos principais grupos de interesse do País, sem o apoio dos quais é muito difícil promover as mudanças profundas de que o Brasil precisa.
Assim, os funcionários públicos tiveram o seu reajuste, com destaque para o Judiciário, cujo protagonismo cresceu enormemente com a operação Lava Jato. Os Estados, já quebrados ou caminhando nesta direção, também tiveram a concordância do Executivo para a extensão ordeira do alívio financeiro imediato, antes sujeito a uma disputa entre os dois níveis da Federação no Supremo. Naturalmente, o acordo inclui contrapartidas de ajuste fiscal.
Aliás, a derrota de Temer na Câmara anteontem, quando não obteve o requerimento de urgência para o projeto de renegociação da dívida dos Estados, foi interpretado como uma jogada dos Estados nordestinos para receber outras vantagens. O atual acerto alivia mais os grandes devedores para com a União, concentrados no Sudeste e Sul.
Aumentar impostos e reonerar setores beneficiados pela farra de isenções até 2014 parece ter saído do discurso da equipe econômica. O comentário de fontes de governo é de que não há “clima político” para medidas que aumentem custos de empresas em meio à maior recessão em um século.
Assim, o governo busca estender as mãos para funcionários públicos, governadores e empresas, e obviamente espera obter alguma coisa em troca. Especificamente, apoio à aprovação tanto do impeachment definitivo de Dilma Rousseff quanto da agenda de “reforma fiscal”, como costumava falar o ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa. O pontapé inicial da reforma fiscal é a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita o crescimento do gasto público federal ao nível deste ano, corrigido pela inflação do ano anterior (em 2017, pelo IPCA de 2016).
Por si só, entretanto, a PEC não será capaz de promover o pretendido cavalo de pau na trajetória da despesa federal, que vinha crescendo há muito tempo ao ritmo de 0,3 ponto porcentual do PIB ao ano e supostamente passará a cair na mesma toada a partir de 2018.
É preciso mexer intensamente na Previdência, com mudanças mais duras e difíceis politicamente do que as aprovadas nos governos do PSDB e do PT. No INSS, é necessário estabelecer idade mínima para todos e, idealmente, desvincular o piso previdenciário do salário mínimo. E parece praticamente impossível resolver o problema estrutural das finanças estaduais sem rever regimes previdenciários especiais como os de professores e policiais militares, estabelecendo idades mínimas.
A reforma da Previdência que o governo vai propor não necessariamente incluirá todos esses pontos, mas certamente tem de ser substantiva o suficiente para tornar possível o cumprimento da PEC do limite dos gastos.
O governo, portanto, está jogando todas as fichas na ideia de que a habilidade política de Temer e o atendimento no curto prazo das demandas dos principais grupos de pressão pavimentarão o caminho para a aprovação da reforma fiscal. Os investidores e o mercado financeiro, embalados pela liquidez internacional, estão dando o benefício da dúvida até agora. Mas o sucesso em cada etapa será minuciosamente cobrado. Temer está gastando. O risco é o Congresso não entregar.
*Consultor do Ibre/FGV e jornalista do Broadcast, serviço de informações da Agência Estado
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