O GLOBO - 08/07
Noventa por cento das hidrelétricas que poderão ser concedidas na próxima década estão na Região Amazônica
Em 2015, a economia brasileira decresceu 3,8%, e o consumo de eletricidade caiu 5,6%, cenário que contribuiu tanto para a sobrecontratação das distribuidoras (que têm energia contratada em excesso) quanto para o adiamento de novas usinas para gerar energia elétrica.
Neste contexto de menor pressão para expansão da oferta de energia, abre-se uma janela para vencer uma das grandes lacunas que gera incertezas e custos no setor elétrico: a regulamentação da consulta e a repartição dos benefícios de empreendimentos de energia com povos indígenas.
A menor pressão cria espaço para que os agentes envolvidos — governo, Congresso, empreendedores, comunidades indígenas — discutam com calma os critérios e as possibilidades de exploração do potencial hidráulico em terras indígenas.
O diálogo é essencial porque 90% das hidrelétricas que poderão ser concedidas na próxima década estão na Região Amazônica, área que concentra 75% das unidades de conservação e 98% das terras indígenas.
O objetivo desta interação — que precisa ser iniciada o quanto antes — é cumprir três metas: (1) aprimorar os instrumentos de planejamento territorial; (2) regulamentar a exploração do potencial hidráulico em terras indígenas; (3) regulamentar o processo de consulta aos povos indígenas.
Os principais instrumentos de planejamento territorial — o Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE) e a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) — precisam ser fortalecidos porque, se bem elaborados e discutidos com a sociedade, podem definir antecipadamente áreas de preservação e de desenvolvimento e acelerar o licenciamento ambiental.
A Constituição de 1988, no artigo 231, prevê que o aproveitamento dos potenciais hidráulicos em terras indígenas só pode ser realizado com autorização do Congresso, ouvidas as comunidades afetadas. Contudo, ainda não foram regulamentados o procedimento de autorização do Congresso Nacional, o processo de consulta aos povos indígenas e a repartição dos benefícios.
A consulta implica um processo que requer a construção de relacionamentos respeitosos e com base em informação de qualidade em todas as fases de planejamento e implementação do empreendimento.
Os benefícios da construção da usina devem ser compartilhados e o direito à compensação pelas perdas territoriais e benfeitorias precisa ser assegurado aos povos indígenas antes da emissão da Licença Prévia (LP) do empreendimento. O estudo “White Paper 12: Povos Indígenas e o Setor Elétrico”, disponível em www.acendebrasil.com.br/estudos, detalha como conduzir tanto a consulta quanto a repartição de benefícios.
O cenário atual permite visualizar um cenário “ganha-ganha-ganha”: empreendedores verão o risco de seus projetos diminuir, consumidores terão energia mais barata, e comunidades indígenas compartilharão a criação de valor resultante dessa nova fase, em que incertezas e conflito serão substituídos por previsibilidade e diálogo.
Claudio Sales é diretor-presidente e Alexandre Uhlig, líder de sustentabilidade do Instituto Acende Brasil
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