FOLHA DE SP - 08/05
Faz três anos que o Brasil padece de convulsões políticas súbitas, febres da malária institucional e surtos multipolares de criatividade jurídica. Elites políticas e econômicas tratam de tocar a vida como sempre, "business as usual". Não vai prestar.
A convulsão inaugural do triênio de surpresas e podridão foi, claro, Junho de 2013. Um surto de invenção jurídica ocorreu agora mesmo, quando o Supremo suspendeu de ordens Eduardo Cunha.
As febres da malária são várias. Dilma Rousseff vai sendo julgada por crimes menores, se consideradas as fraudes enormes que cometeu em 2013 e 2014. Mas a presidente vai sendo condenada mesmo é pelo conjunto de uma obra de avacalhação institucional que era de modo quase geral tolerada ou ignorada.
Como foi possível esbulho tão escandaloso das contas públicas e das leis fiscais, para ficar no grosso e só na economia? Havia crítica econômica, perceptível para poucos. Mas as elites, as instituições formais e as informais não reagiram até o estrago terminal.
Dilma Rousseff sentiu-se tão à vontade nesse ambiente de letargia republicana que cometeu estelionato eleitoral a frio, sem ao menos um bilhetinho aos brasileiros. É um pendor autoritário, como se fosse natural fazer o que lhe desse na telha, como se rasgar o contrato eleitoral fosse aceitável sem mais por um povo bestializado.
Está agora quase deposta em um processo legal, mas entre outros motivos viciado desde sempre por uma revolta udenista de perdedores de eleição e pela vingança de um chantagista que até ontem tinha poderes legais e ilegais de mandar na Câmara. Ainda assim, Dilma Rousseff cavou cinco dos sete palmos da sua cova.
Não se trata do único processo a causar mal-estar, a impressão de que as leis são laceadas a fim de lidar de modo improvisado com as urgências da tragédia brasileira, tanto faz se o caso é Lula ou Cunha, o megaempresário bandido ou o parlamentar da petrolagem. Os processos parecem muita vez surpreendentes para o leigo letrado cumpridor da lei.
Parece que, na falta de normas claras, aplicadas de modo regular e previsível, seriam necessários arroubos poéticos de invenção judicial de modo a fazer alguma justiça, embora sempre dentro dos limites convenientes para a manutenção da ordem, no mau sentido. Normalmente, o país não funciona: irá da letargia legal desmazelada à azáfama de última hora. Sem rupturas, claro, dado o nosso reacionarismo atávico.
O sistema político apodreceu aos poucos de malária legal, mas sempre esteve sob risco de convulsão febril, enfim aprendemos. Considere-se: o Brasil é um país pobre, desigual e violento, em que a instabilidade econômica produz danos sociais críticos; em que doidivanas e autoritários podem sovar livremente as instituições até produzir uma massa podre econômica, política ou policial.
Logo, não é tão improvável que um presidente acabe rejeitado por dois terços do país e do Congresso; pior, por um Congresso em que se multiplicam bandos de negocistas extorsionários, graças a leis eleitorais nocivas. Como poderá governar, ainda que não seja enquadrado em um dos cento e poucos motivos da louca lei dos crimes de responsabilidade?
Nossa constituição política deu muito errado.
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