Folha de São Paulo - 20/11
Dediquei uns bons minutos pensando em que tipo de homenagem eu faria a Paris nas redes sociais. Por sorte, lembrei que estou há maravilhosos dez dias sem Facebook. Me restava o Instagram. Fiquei em dúvida entre a foto "cores da bandeira francesa na torre Eiffel" e o vídeo "homem que levou o próprio piano para a rua e tocou 'Imagine'". Comecei a me achar um tanto ridícula, um tanto "fazendo o que todos estão fazendo sem nem entender direito o motivo, mas fazendo, porque não fazer, em algum lugar de nossas mentes malucas e viciadas, fica parecendo que somos alienados cruéis" e decidi, uma vez que já estava preparada para me propagandear em forma de pixels e filtros, postar algo nada a ver, algo de minha rotina comezinha, algo fofo apesar deste ano estranho, uma foto da minha cachorra, Chiquinha, com seu novo brinquedo: uma granada de borracha ecológica que não solta pedacinhos e ainda combate tártaros, higienizando os dentes. Ops, me liguei a tempo, seria o fim da minha carreira. Não publiquei nada.
Por que, em tempos de redes sociais, queremos o dia inteiro nos posicionar sobre tudo? Por que brasileiros que viajaram a Paris uma única vez há mais de dez anos e voltaram de lá reclamando do quanto foram maltratados em restaurantes e lojas de repente dedicam um sábado inteiro a comunicar (em inglês?) como amam aquele lugar mais do que tudo e se sentem pessoalmente afetados e choram e pedem #prayforParis? Peraí, rezar não, acabaram de lançar uma hashtag mais moderna e esperta e usada pelos meus amigos mais hypados, que faz justamente uma crítica ao lance de rezar por Paris. Vou trocar.
Daí essas mesmas pessoas, em sua ânsia de pertencimento militante da bondade, em sua urgência de se colocarem como protagonistas vitimadas de qualquer desordem mundial, acreditam que acabaram deixando de lado uma questão ainda mais lamentável, uma vez que é nacional, chamada cidade de Mariana, lugar que possivelmente nunca se deram muita conta de que existia. E então nós, vou me incluir porque também faço isso, escravos das redes sociais e da necessidade de sermos amados e considerados "do lado certo", postamos um pot-pourri com as duas bandeiras dizendo que "uma desgraça não pode anular a outra" e nos sentimos apaziguados até que... Faltou falar das escolas públicas fechadas! Pelo amor de Deus como eu faço pra provar que dou conta de ser muito bem informada e muito boa pessoa em espaços tão pequenos e curtos e rápidos?
Mas não demoraram a chegar ilustrações que resumiam 234 catástrofes, fossem causadas por humanos ou pela natureza, fossem de hoje ou um resumo do trimestre, em um único desenho. A frase "fazer o bem sem olhar a quem" traduzia o espírito. Já podíamos nos posicionar a favor da benevolência universal e interestelar sem deixar nadinha de fora! Já poderíamos chorar, enfim, pelo menininho sírio morto sem parecer que estávamos ignorando chacinas em bairros próximos. Até o pesar hoje em dia precisa ser otimizado, se você ficar triste por uma coisa só, será acusado de desumano!
Engajamento não tem fim, bateria do celular, sim. E o pior é que vai ter leitor dando um jeito de entender que estou desmerecendo a gravidade do atentado em Paris, do acidente em Mariana e, principalmente, a importância da espécie humana como um todo. E eu vou querer convencer o universo que sou legal (e vou lembrar que por essa razão me deletei do Facebook e respirar aliviada) e nunca mais sairemos da internet, onde morreremos explicando, em vão, que merecemos ser amados.
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