GAZETA DO POVO - 02/06
Pois é. Já bastavam todos os questionamentos – dos mais simples ao mais complexos – que permeiam os relacionamentos amorosos e a vida conjugal. Agora, precisamos lidar com mais um: o que vamos assistir na Netflix?
O serviço de tevê por internet é relativamente novo na minha vida. Começamos por Breaking Bad – série pela qual todo o novo espectador se inicia, me garantiu um amigo. E que é responsável por fazer a gente perder horas a mais do que gostaria, se entreolhar no sofá com complacência e concordar: “Só mais um episódio, vai."
A tortura para muitos casais é que os horários livres não batem. E um precisa esperar o outro para assistir. Sim. Fiz uma pesquisa com meus amigos e essa é a regra de ouro conjugal. “Jamais assistir a séries separados! Jamais! Isso pode acabar com o casamento”, me garantiu uma delas.
Outra, também só assiste com o marido, mas o acordo não foi uma das cláusulas do casamento. Aconteceu e funciona.
O problema é quando ela dorme no meio: o marido se sente traído. Ofendidíssimo, não conta os principais pontos do episódio, nem se ela pedir de joelhos. E pragueja que a dorminhoca veja a série sozinha. Ela se recusa, e os dois se acertam conectando as gambiarras na televisão, estourando uma pipoca de micro-ondas e tomando uma coca-cola gelada. O junkie food, aliás, estava fora da casa por causa da filha pequena. Até isso mudou pós-Netflix.
O acordo netflixiano é ainda mais complicado para casais com bebês – que precisam esperar o rebento dormir para ver mais um dos causos do sr. Walter White. “Isso vicia a gente!”, me falou uma mãe, que compartilha da mesma obsessão que a minha pela série de Vince Gilligan.
Tem ainda os sem-tempo: uma colega contou que ela e o marido, 30 anos juntos, simplesmente não conseguem ver nada juntos (me cortou o coração). Tem também o estilo professor/professora, que precisam atualizar o cônjuge acerca do contexto político de House of Cards.
Descobri muitos casais autônomos. Os gostos para séries são muito diferentes, e cada um fica no seu quadrado (rola um filminho, no máximo). Tem gente que apenas gosta de ter seu momento solitário em frente à televisão, como me confessou uma das minhas entrevistadas.
Ela precisa lidar, ainda, com o fato de a lista dos “programas indicados para você”, ficar um pouco confusa pelos gostos distintos do casal. Mas o tormento dela é ir recheando o índice de sugestões e nunca assistir aos filmes. “Já perdemos filmes que saíram do catálogo porque ficaram meses na fila. Uma tragédia.”
“No seu login ou no meu?”, é outra indagação que acontece, e a principal briga de um casal de amigos, que ficam um tempo debatendo, ou acusando o outro de: “Estragar a seleção do logaritmo do meu perfil”, ou, ordenar: “Vá ver esse filme com cara de ruim no teu perfil!”. Como lembrou uma recém-casada: a Netflix assinala o que foi visto. É dedo-duro. “Mas quem não deve, não teme.”
Namoros
Outro fator chocante (pelo menos, para mim): os namoros recentes também já vêm com regras em relação ao serviço: nem duas semanas de convivência “oficial” escapam da ordem de ver Mad Men somente juntos – o resto, dá para ver sozinho na boa, me garantiu uma apaixonada, que aposta que o serviço é o “futuro das relações afetivas”. Exagero ou cumplicidade? Boa pergunta. Só sei que um amigo obriga todos os novos namorados a assistirem Rupaul’s Drag Race. “E assisti a tudo de novo. Terminei de ver todas as temporadas disponíveis pela terceira vez.”
Seja qual for o perfil de um casal, creio que vale um velho conselho que ouvi assim que comecei a usar a Netflix: “Cuidado para não arruinarem as suas vidas”.
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