O GLOBO - 02/06
Essa é a pergunta que mais me fazem atualmente. A preocupação é com a economia em recessão, com a fragmentação política, sem falar no impacto das investigações em curso. Não é pouca coisa. O receio é de que o estado atual se prolongue. A esperança é de que o pior já tenha passado e a recuperação da atividade esteja a caminho. A maioria dos economistas projeta alguma melhora no futuro (bem gradual, em até um ano). Mas, racionalmente, quais serão as forças da mudança?
A resposta não é trivial. Normalmente, a tendência é imaginar que as forças atuais vão perpetuar-se. O mais difícil é pensar na mudança, até porque exige definir como realizá-la. Tarefa árdua no Brasil de hoje.
Mas as recessões na economia não duram para sempre, um dia acabam. A maioria termina em dois, três trimestres. As que duram anos seguem crises financeiras, num processo longo de redução de endividamento (“desalavancagem”).
É um processo que requer tempo para se materializar e é a antítese do calote: as dívidas vão diminuindo lentamente até se equilibrarem. O livro This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly, de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart, mostra essa regularidade empírica. Sua importância foi prever corretamente a recessão prolongada que se seguiu à crise financeira internacional de 2008. Até hoje a recuperação plena da atividade global ainda é uma promessa.
Se recessões prolongadas são a exceção, longos períodos de crescimento baixo não o são. Há vários exemplos no mundo. Foi o caso do Japão nas últimas décadas. E isso não é “privilégio” de economias mais ricas. Um exemplo mais próximo é o do México, que cresceu cerca de 2% nas últimas décadas e apenas recentemente implementou várias reformas que possibilitarão maior crescimento daqui por diante.
Crescimento baixo é mais comum do que se imagina. Poucas economias em desenvolvimento conseguem convergir para a renda das economias mais ricas. A maioria fica presa na dita armadilha da renda média. Apesar de bem-sucedidas em crescer e escapar de rendas per capita muito baixas, não conseguem avançar. A dificuldade é transformar modelos baseados em “transpiração” em baseados em “inspiração”. O primeiro modelo gera crescimento com base na capacidade de acumular fatores (capital e trabalho): utilizando a mão de obra disponível para trabalhar e investindo mais. O segundo depende da capacidade de fazer mais com os mesmos recursos disponíveis, aumentando a produtividade. É a busca da eficiência por meio da melhora da educação, da gestão e da inovação. O Brasil precisa ainda transpirar (investir mais), embora o crescimento vá cada vez mais depender da sua inspiração (produtividade, eficiência).
Assim sendo, será mais fácil o Brasil sair da recessão do que conseguir crescer mais na sequência. Mas nenhum dos dois vai ser fácil.
Na sexta-feira o IBGE divulgou o resultado do primeiro trimestre de 2015, com queda de 0,2% do produto interno bruto (PIB) em relação ao trimestre anterior (em termos anualizados, queda em torno de 1%). Não há dúvida de que a economia está em recessão. A perspectiva é de que o segundo trimestre será pior do que o primeiro: estimamos queda de 1% (o que seria uma queda de 4% anualizada). E será o fundo do poço?
Por enquanto, não há sinais de estabilização, a queda é livre. No atual ritmo, o crescimento do terceiro trimestre também será negativo. Mas a recessão prolongada torna a base de comparação mais baixa: basta parar de cair que a situação melhora.
Para avaliarmos a extensão da recessão é importante diagnosticá-la. A queda atual é consequência do passado. Resulta do esgotamento das políticas adotadas nos últimos anos. A tentativa de prolongar artificialmente o desempenho econômico do ciclo anterior, num contexto global muito diferente, não só fracassou, mas também introduziu incertezas macroeconômicas, que minaram a confiança da sociedade, derrubando o investimento e o crescimento. No final, a insistência levou até à falta de disciplina macroeconômica, o que exige atualmente ajustes duros para evitar a crise (ou seja, perda de grau de investimento, saída de capitais, crise cambial, depressão).
Há cinco ajustes em curso: fiscal (meta primário), parafiscal (recursos públicos além do primário), realismo tarifário, balanço de pagamentos (câmbio flutuante) e meta de inflação (volta ao centro da meta). Esses ajustes, se implementados, devem evitar a crise, o que é essencial. A possibilidade de crise é um grande obstáculo para a retomada da confiança.
A retomada da confiança é um dos poucos caminhos para o fim da recessão. A reversão da queda do investimento é essencial. Os outros componentes da demanda estão limitados. O consumo sofre pela queda do poder de compra devida à elevação da inflação, por causa da correção dos preços administrados e da fraqueza do mercado de trabalho, que deve continuar perdendo força, mesmo depois da recessão atual. Por sua vez, o governo está empenhado no ajuste, precisando gastar menos, e não mais. Finalmente, as exportações estão melhorando, mas não são grandes o suficiente para arrastar o transatlântico que é a economia brasileira.
A confiança na economia depende também do contexto político. Não há ainda clareza sobre o caminho que o governo quer seguir. A fragmentação das forças políticas fundamenta essa incerteza. A atual baixa popularidade mantém acesa a dúvida se o governo vai mudar novamente a direção das políticas.
Em suma, o primeiro passo é sair da recessão. A reversão da queda da confiança é essencial para isso. Os ajustes removem o grande obstáculo, mas não são suficientes, per se, para a retomada da confiança. O ambiente no País ainda é de incerteza. A volta do crescimento sustentável é o passo seguinte. Requer coesão política para direcionar o Brasil no caminho certo e foco no aumento da produtividade e eficiência. Esse segundo passo parece bem mais difícil, visto de hoje.
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