A enorme controvérsia criada pela necessidade de o governo promover um ajuste fiscal para reequilibrar suas contas e começar, enfim, a governar coloca em foco uma questão complexa e delicada que tumultua a agenda política e acaba desviando a atenção do objetivo prioritário – sanear as finanças públicas –, para enveredar pelo conflito, de motivação variada, em torno de um tema certamente relevante e que por isso mesmo merece agenda própria: os direitos dos assalariados. Trata-se, portanto, de ter em mente, com coerência e responsabilidade, que a prioridade do momento é o ajuste fiscal, até porque sem ele será impossível desatar o nó da recessão econômica que ameaça a todos, principalmente os assalariados.
O maior responsável pela crise que exige o remédio amargo de um ajuste fiscal é o próprio governo. A presidente Dilma Rousseff já está pagando caro por isso. Não dá para fugir agora do fato de que só medidas impopulares, como o corte de despesas, inclusive as relativas a benefícios sociais, e o aumento da receita via elevação de impostos, recolocarão o País na trilha do crescimento econômico. E para todos os atores da cena política, governistas, oposicionistas e oportunistas, é hora de assumir, com coerência, a responsabilidade que têm, como mandatários do povo brasileiro, de antes e acima de tudo defender os interesses nacionais.
Infelizmente, não é o que se vê. Enquanto oportunistas de todos os matizes e legendas se prevalecem da fragilidade política do governo para levar vantagem no jogo do toma lá dá cá, situacionistas e oposicionistas de sinais trocados agem com a mesma mentalidade imediatista e entram numa disputa em torno do ajuste fiscal que deveria ser apenas a tentativa de aperfeiçoamento das medidas necessárias ao saneamento das contas públicas.
O PT, por dever de ofício, embora reticente, com defecções incontroláveis, contraria sua pregação histórica em defesa dos interesses “da classe operária” e dá seu voto no Congresso ao governo que tem a obrigação de apoiar. O oposicionista PSDB, responsável pela implantação do fator previdenciário em 1999, para desgastar politicamente o governo vota agora a favor da flexibilização dessa medida destinada a minimizar o déficit da Previdência. Cada partido, é claro, tenta defender suas posições, mas todos sacrificam a coerência em benefício do pragmatismo. As reações à derrota do governo na votação da emenda à MP 644 que trata do fator previdenciário ilustram essas contradições.
O petista Luiz Sérgio (RJ), por exemplo, que votou contra o fator previdenciário em 1999 e agora pela sua manutenção, diz, sem enrubescer, que manteve a coerência porque nas duas vezes rejeitou mudanças na regra de aposentadoria. O tucano Luiz Carlos Hauly (PR) segue pelo mesmo caminho e, também sem corar, tenta justificar sua reviravolta, ontem a favor e hoje contra aquela regra, afirmando que “agora é outra circunstância, outro tempo”. Esses malabarismos não conseguem esconder – a não ser dos muito ingênuos – que os dois lados agiram sim, um no passado e outro no presente, de olho mais em suas conveniências políticas e eleitorais.
Nessa disputa de incoerências, a colocação mais sensata foi feita pelo líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), em declarações ao Globo: “São as votações das contradições. É difícil votar essas matérias, pela história do PT. Mas estamos passando por um momento em que é necessário fazer isso. Ser governo tem ônus e bônus. Este é o momento de pagarmos os ônus”.
Tem razão o senador sul-mato-grossense. Sua ponderação cai como uma luva para correligionários como o ex-presidente Lula, cuja bem sucedida carreira política é uma sucessão interminável de contradições derivadas da falta de cerimônia com que muda de posição e atitude ao sabor de seus próprios interesses políticos. Sob esse aspecto, Lula é absolutamente coerente: jamais admite os próprios erros.
Mas é importante também para a oposição assumir que sua condição igualmente tem bônus e ônus. O bônus é opor-se a um governo fraco e desmoralizado. O ônus é a responsabilidade que implica procurar sempre o ponto de equilíbrio entre tentar desgastar politicamente o governo e o dever de colocar o interesse nacional acima de tudo.
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